Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Um dos temas mais relevantes hoje em dia é indústria cultural. E hoje eu vou falar um pouquinho a respeito desse grande fenómeno, que desde o século [XX] tem atingido grande parte das nossas produções culturais.
Em primeiro lugar, indústria cultural é um conceito cunhado pelos autores da escola de Frankfurt: Theodor adorno e Max Horkheimer dois filósofos da escola de Frankfurt, influentes autores. Tem um texto do século [XX], bastante propício; bastante propício para entender o que é cultura. Vejamos uma questão interessante. Quando nós vamos falar sobre a produção de bens culturais nós, nunca deixamos de lado o contexto cultural, no qual, esses bens são produzidos. Evidentemente, nós até podemos lembrar disso, quando nós vamos falar da indústria cultural é preciso entender, que o conceito que foi cunhado no primeiro quartel do século [XX], ele tem muito a ver com todo o desenvolvimento técnico e tecnológico da própria sociedade capitalista.
A filosofia, por exemplo da escola de Frankfurt entre outros autores como o próprio Walter Benjamin teriam construído, na verdade, uma análise crítica nessa chamada teoria crítica desse contexto de produção cultural na mudança do século [XIX] / [XX], o avanço tecnológico, principalmente o processo de racionalização tão característico da modernidade iluminista chegou a atingir o auge no século [XX], bastante consequente, uma deles por exemplo, fui cunhado por Theodor Adorno e Max Horkheimer o conceito de indústria cultural.
Mas, o que é que designa esse conceito? Esse conceito, na verdade, ele quer designar toda produção degenerada dos bens culturais. Ou seja, enquanto uma indústria produz bens e mercadorias e a cultura a produção desses bens sociais, esses bens de característica [simbólicas] nós vamos associar os dois termos. Ou seja, a grande função da indústria do capitalismo é a produção de mercadoria para a obtenção da mais-valia [a produção da riqueza], o acúmulo e a expropriação de riqueza.
Então, falamos da indústria cultural, toda a produção intelectual ou de bens, a produção de mercados consumidores voltados a cultura. Eu acredito que o primeiro grande assalto de pesquisa desses autores da escola de Frankfurt foi o cinema, justamente as grandes obra fílmicas, que produziram durante todo esse cenário, não a noção simplesmente duma qualidade estética; o objectivo final não é esse, pode até que seja, pode ser que se construa isso, mas na verdade, uma qualidade que seja muito mais voltada para o interesse finalista que é a produção de mercado.
Logo, uma das consequências mais drásticas da indústria cultural é justamente transformar tudo em mercadoria. E quando nós vamos falar em tudo eu evidenciou a palavra tudo mesmo. Estamos falando da música, nós estamos falando da religião, nós estamos falando de aspectos de entretimento como o futebol que também é uma grande área de indústria cultural, estamos falando do cinema, do próprio teatro que tende a se massificar.
Então, para entendermos melhor esse conceito quatro características básicas da indústria cultural.
A primeira característica, o que nós conhecemos como razão instrumental. Esse conceito, ele é cunhado por Theodor Adorno e Max Horkheimer em «Dialéctica do Esclarecimento», para entender que a racionalidade e o avanço técnico, tecnológico e científico, ele é feito como instrumento produtivo para obtenção técnico racional do lucro. Ou seja, a produção dos bens e mercadoria eles não só são produzidos com vista ao bem-estar social. Na verdade, a tecnologia é produzido para um cenário bastante [pragmático e utilitarista] que é óbvio e evidentemente; acumulação e a produção de bens mercadológicos.
Uma segunda característica, é a padronização por exemplo dos bens culturais. Padronização essa por exemplo, é evidente quando a indústria cultural, ela tende a criar supostos ou falsas identidades locais de bens culturais. Vamos pegar um exemplo; aqui na cidade/província do Maputo por exemplo; entende-se a cidade/província do Maputo como baluarte da marrabenta. A padronização dos bens culturais é quase todos os espaços vinculados a produção de entretenimento são voltados a um bem grande e único que é o pandza. Vejamos, que a cultura pandza, na música e na vestimenta ela padroniza os bens. Então, ela cria como consequência o fim de toda e qualquer diversidade cultural.
Quando agente pega num cenário mais macro no caso de Moçambique, muitos entendem Moçambique, como produção cultural da marrabenta e o pandza como se todos nós moçambicanos evidentemente ou a sua ampla maioria no país todo gostasse desses bens culturais. Veja! Eu não estou dizendo que isso é bom ou mau. Mas…, de facto, há uma padronização.
O mesmo se dá no cinema. Hollywood, quando faz seus filmes pensam em algo que pegue em vários casos não apenas nos Estados Unidos, também na América, na Europa, eventualmente até na Ásia, e na África e por ai vai. Ou seja, a cultura se padroniza e muitas vezes coloniza culturas com um menor poder aquisitivo. Destarte, culturas mais ricas têm indústrias culturais mais poderosas; destroem, diminuem e colonizam culturas menores.
Uma terceira característica, muito fundamental é o processo de massificação de culturas. As culturas populares, aquelas voltadas pelos agentes do povo, criadas pelo próprio povo com intensões mais locais de produção, elas tende a se massificar. E o que é massificar uma expansão do núcleo de consumo para todas as classes sociais a pagando evidentemente até as diferencias de classes? Actualmente, você, liga a tevê em qualquer parte de Moçambique, você vai ter acesso a mesma novela, ao mesmo telejornal, ou seja, praticamente o mesmo conteúdo de dia após dia. E esse processo, esses autores Theodor Adorno e Max Horkheimer, vão dizer que é a massificação da cultura.
Essa massificação da cultura gera o quê! Ela vai gerar uma [homogeneização] das pessoas, do conteúdo, da análise, da reflexão. Quando você tem acesso a um único tipo de cultura que já vem enlatada: uma novela, um teatro com um conteúdo bem explícito, bem determinado que você sabe, desde que você liga a novela o que vai acontecer, você acaba perdendo um pouco ou as pessoas de modo geral ao lerem também esses livros de cultura de massas acabam perdendo, também a capacidade, a capacidade de pensamento crítico reflexivo de pensar por si mesmo. Porquê! Porque eles estão constantemente recebendo essa informação programada e pronta, que tem um começo e tem um fim pré-determinado, que é acessível a todo mundo e que, se torna um [padrão] do que é a indústria do entretenimento. Logo, esses bens culturais, eles são transformados na verdade em culturas de massas.
Vamos pegar o pandza como outro exemplo. O pandza fenómeno recente já dos anos 20[00], ele não atinge apenas as classes por exemplo produtoras como a classe média vamos imaginar assim, ela produz inclusive e atinge outras classes como por exemplo; as classes pobres ou os mais ricos. Veja, que uma dessas características não é evidentemente o grau ou nível de produção, aliás, é justamente atingir o maior número de núcleo de consumo. Para isso, algumas características vão ser fundamentais como uma letra fácil de ser ouvida, o ritmo envolvente, ou um refrão [repetitivo] no som das músicas repetitivas. Vocês já ouviram as músicas.
Vamos pegar o caso do cinema. Filmes que terminam praticamente com a mesma estrutura de produção com um final feliz, com produção dos heróis, aquela velha luta entre o [bem e o mal], características muito comuns nos cinemas de Hollywood.
Uma quarta e última característica da indústria cultural, as diferenças de classes. Elas são apagadas dentro dessa dinâmica tão massificada, que ela tende a mercantilizar todas as produções culturais. Não é à-toa, que hoje para sobreviver da profissão musical, pela profissão artística é [extremamente difícil] se não for vinculada a produtoras, a filmes, a grandes-shows, ou seja, as coisas que vão vincular uma grande produção de mercadorias reproduzidas desde camisetas, a fotos, a tatuagens ou coisas desse nível.
Vejamos como alguns exemplos desse processo de massificação cultural é que, os bens produzidos em largas escalas eles tendem inclusive a cair de nível de produção. Vamos pegar o caso da música e vamos fazer uma leve comparação de um lado; Afonso/Domingos lá da Angónia. Afonso/Domingos usando de uma leveza, uma
técnica artística bastante [profunda] com timbre de voz, com viola, com a técnica de produção bastante apurada. Enquanto, do outro lado, Zico/MC-Roger/ Liza/ estão no mesmo núcleo evidentemente com características bem distintas.
No núcleo de Zico/MC-Roger/Liza o nível cultural inclusive no mesmo sentido ao vivo é bastante distinto e é muito evidente, que o nível de produção cultural ele tende a diminuir conforme nós produzamos em massa.
Não é à-toa, se nós pegarmos por exemplo, nos últimos anos esses grandes “artistas” que fazem sucesso cultural, tanto no pandza, rap, passada, Kuduru… produzem música em larga escala, que tende a uma [baixa] qualidade. Ou seja, eles produzem muito e péssima qualidade. Mas, o interesse não é produzir [pouco] em alta qualidade é produzir para o mercado, e se produzir muito gera lucro, obtenção racional do lucro; melhor assim.
Vejamos outra questão como exemplo. Peguemos que no Brasil/ África do Sul possa existir uma indústria gospel. Podemos afirmar isso, acredito que sim. Porquê uma indústria gospel. Se nós pegarmos por exemplo os grandes artistas da música gospel, nós vamos ver que, eles evidentemente através e usando como instrumento a própria cultura [religiosa cristã], também utilizam dessa técnica de produção de mercado. Eu posso citar a Rabeca/Robinson. Se nós pegarmos os grandes inventos da música gospel, onde aparece até o funk gospel, o samba gospel e enfim…, está ai mais um exemplo firme de como que a indústria cultural, ela não tem necessariamente um núcleo único de actuação. Ou seja, ela atinge todos os grupos sociais; de evangélicos a ateus, de mapandzula a funk, de samba a rap nós vamos ter acesso de produção de níveis culturais.
Evidentemente, que o discurso é muito comum nessa indústria cultural, ela não está preso no elemento [ético]. Uma grande categoria importante para nós entendermos, é como que recentemente a produção para atingir o rap principalmente na tevê e principalmente na Internet, também é justamente a forma [simplicistas] de reprodução de informações jornalísticas. Há produções de programas de tevê, que buscam muito público, mas apelam para o emocional, categorizam por exemplo o ridículo como regra, é o ridículo como regra e não mais por exemplo, uma produção [intelectualizada] de nível cultural profundo. Basta evidentemente, ver como que, os programas que são feitos em grandes entrevistas com [intelectuais] ou reflexões mais profundas no país não tem tanta audiência como programas de baixíssima qualidade estética ou de nível sociocultural.
Então, é justamente nesse processo, que a indústria cultural, ela atinge níveis exorbitantes. Theodor Adorno e Max Horkheimer viveram até aos anos [70] do século passado obviamente não viram como que a indústria cultural ela atingiu na era da tecnologia globalizada dos anos [80] do século passado adiante tanta produção de massa.
Mas, evidentemente seriam grandes escritos no nosso tempo justamente, porque uma grande questão da indústria cultural é pulverização do conhecimento em torno de muita informação. É, ou não é verdade. Nós vivemos numa época de tudo ser bastante volátil [liquido] em tempos onde a cultura, ela se pulveriza em rápido, algo fácil e de acesso momentâneo.
Enfim…Não é à-toa, que as músicas de hoje, tornam-se velhas em pouco tempo. Um, dois ou três meses já se tornam músicas desfasadas. Coitado de Wazimbo, José Mucavel, Hortênsio Langa, Mingas, Elvira Viegas, Zaida Chongo, Momad Ali Faquí, Fanny Mfupmo, Zena Bakar… Quem dirá de Inácio de Sousa, quem dirá de Madala, quem dirá de Alexandre Langa, quem dirá de Awindila, quem dirá os grandes clássicos, por exemplo da música moçambicana, que se os de ano passado como MC-Roger/Liza/Zico já são considerados velhos. Imaginem esses grandes autores antigos.
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo, aos [29] de Setembro 20[21]