Tomada da parte meridional da bahia de Tungue em janeiro de 1886
PRIMEIRA VIAGEM
Ha mais de quarenta annos que o Cheque, então governador de Tungue, — pelo que recebia remuneração do governo portuguez, — depois de ter umas desintelligencias com o governador de Cabo Delgado e na mira de melhores interesses, commetteu a traição de ir entregar a bahia de Tungue ao sultão de Zanzibar. Fizeram-se então diligencias para a revindicação, praticando-se actos de valor que ficaram esquecidos: mas tudo foi inútil.
Desde aquella época todos os governadores geraes da província de Moçambique tentaram rehaver a bahia; mas o sultão, sob pretextos e delongas, sempre se negou a restituir o que de direito nos pertencia.
A' proporção que o tempo passava, iam os governadores de Tungue dilatando para o sul os seus dominios; até que os portuguezes, em 1883, estabeleceram um posto fiscal e um pequeno destacamento em Mutamba, margem sul da bahia de Mucimbua, afim de pôr cobro áquella audaciosa invasão. (Vidè mappa n.° 1)
A bahia de Tungue é talvez a melhor da costa oriental da Africa. Bastante funda, com vinte kilometros de comprimento, quatorze de largura e sete na entrada, dá-lhe esta forma fácil accesso e abrigo de todos os ventos para os maiores navios.
Tem magnifico peixe em abundância, não só o natural daquelle clima, — sendo o mais singular pelas suas formas o chamado peixe mulher, — mas também muito do que se encontra na costa de Portugal. Ha também grande variedade de búzios e conchas, pedra pomes, coral de differentes cores e dos mais caprichosos feitios, tartarugas, pérolas, e cauril de que se faz uma grande exportação.
As aguas são tão límpidas e transparentes que deixam facilmente ver o fundo, em certas condições atmosphericas, e permittem observar os movimentos e a vida dos aquáticos ha-bitantes. As margens porém são baixas, espraiando tanto o mar, que no refluxo das marés vivas fica a descoberto uma facha de uns mil e quinhentos metros, de areia fina, branca e dura, por onde se marcha á vontade.
É orlada por frondoso mangal com densas palmeiras próximo das povoações, que liga para o interior com uma vegetação vigorosa e abundante, em terreno ariento onde se encontra agua doce a pequena profundidade, e onde, ao lado do café, da casuarina, do coqueiro, da bananeira e do ananaz, prosperariam muitas plantas da Europa, como em Quilimane e Zanzibar prospera a laranjeira, o limoeiro, a tangerineira, muito superiores ás de Portugal.
O coqueiro é uma das arvores mais úteis na Africa; além do fructo, tiram também os indígenas a sura que muito lhes agrada. Esta bebida obtem-se cortando o ramo que deve produzir os cocos e prendendo á parte que ficou um cabaço, onde vae cahindo a seiva, ou a sura, que tem sabor agradável e embriaga como o vinho. Ha uns pássaros pequenos de cor negro-aveludada com o peito carmezim, que a bebem a ponto de cahirem ébrios. Outros ha que, em bandos, por instincto escolhem a extremidade dos ramos flexíveis dos coqueiros para construírem seus ninhos esphericos, que balouçando-se sempre, ficam defendidos de inimigos naturaes. A surpreza de encontrar coqueiros carregados de ninhos, não deixa de prender a attenção dum espirito observador.
O silencio da noite é interrompido pelo estridente e constante cantar dos grillos, coaxar das rãs, berrar dos macacos e rugidos de animaes selvagens, a que corresponde o canto melancholico das aves aquáticas, acompanhado pelos murmurejantes gemidos de caranguejos, na elaboração das suas casas tubulares e subterrâneas, que duram só o intervallo d?uma maré.
O paiz próximo é muito povoado por macondes, mavias e macuas, que se distinguem uns dos outros, pouco pela linguagem, mas muito pela mania de golpear o corpo, que fica com signaes e figuras gravadas para sempre, de furar as orelhas e os beiços, a que artificialmente dão formas monstruosas, que elles reputam belleza e distincção sem egual.
Leia aqui Download A Tomada da Bahia de Tungué - Palma Velho
NOTA: Nos anos sessenta ainda pude gozar de parte do que aqui é descrito. Não fôra Portugal, esta parte de África não seria território moçambicano, como podeis concluir após a leitura deste texto. Foi cobiça da França, Inglaterra, Alemanha e Zanzibar, entre outros. Não digitalizei as 2 últimas partes (NO PARLAMENTO E NA IMPRENSA) pois o essencial está na primeira parte do livro.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
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