Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Nascido em 19[38] em Wouri-Bossua na República dos Camarões, Njoh-Mouelle termina seu bacharelado em 19[59], fazendo estudos posteriores na França, versando seu doutorado sobre Bergson. Retorna a Camarões em 19[67] passando a trabalhar na École Normale Supérieure de Yaoundé, tornando-se director da Instituição em 19[68] e posteriormente Director de Ensino Superior vinculado ao Ministério da Educação a nível nacional, vindo a ocupar em 19[73] o posto de Secretário Geral da Universidade de Yaoundé.
Njoh-Mouelle, escreve considerando a inquietude da juventude africana frente ao futuro, pois embora o colonialismo seja passado, o [neo-colonialismo] se afirma com seu padrão de conforto consumista que a seduz e com um sistema de educação que lhe é imposto. Frente a este contexto histórico surgem movimentos juvenis de contestação que não se orientam a anarquia, no sentido negativo da palavra, mas a um questionamento criativo da sociedade e da vida que se deseja, tratando-se, nas palavras de Njoh-Mouelle, de um grito de liberdade.
A filosofia africana teria destarte uma difícil tarefa como comentam Azombo-Menda e Enobo Kosso, «a tarefa de contribuir para que a juventude pudesse... compreender o mundo de onde ela a juventude surge e no qual ela vive, a fim de que ela própria se torne capaz de forjar o mundo por vir, um mundo melhor onde ela mesma possa desabrochar em total liberdade».
O contexto sócio-histórico dos países africanos exige, portanto, uma filosofia peculiar que deve ser um elemento activo para o desenvolvimento integral que necessitam os povos africanos, e não um pensamento de museu, apenas conservador. A filosofia não poderia se tornar uma mera pesquisa do passado, de visões de mundo: «o filósofo que tem o ofício de conservador de museu é um pseudo-filósofo, inútil a sociedade. Pois a filosofia é, por essência, um acto reflexivo pelo qual toma-se distância, desprende-se das determinações singulares e pegajosas para criar perpetuamente o novo. A interrogação filosófica angustiada é uma interrogação que deve visar a abertura de novos caminhos».
A análise filosófica de Njoh-Mouelle sobre o desenvolvimento africano, parte de uma reflexão sobre a dura realidade da [pobreza ignorada e da miséria] dos homens, desde as quais formula sua posição sobre o tipo de homem a se realizar no movimento de mudança. Sua concepção de desenvolvimento não é aquela que toma vectores técnicos articulados sob teorias científicas para calcular e quantificar realizações materiais de uma sociedade.
Seu critério é outro. O valor de referência é o plenamente humano: «o homem enquanto um ser a libertar-se de todas as formas de servidão que travam seu florescimento total». É, a partir deste critério que se pode avaliar os valores tradicionais em seus aspectos positivos ou negativos para o desenvolvimento, bem como delinear o novo tipo de homem que terá no desenvolvimento económico e social sua mediação de realização.
Este novo homem não é aquele medíocre que, movido pelo seu instinto de segurança, sacrifica a criatividade, nem o escravo da modernidade e de seu [esnobismo], que não abre espaço à liberdade criativa, nem mesmo o «homem crítico» envolvido em um turbilhão de valores, vivendo um estado de crise na inautenticidade das suas relações frente às crenças de seu meio e frente à cultura de importação; muito menos é o homem humilhado na miséria e sub-humanidade, na ignorância e analfabetismo que é sufocado pelos efeitos da racionalidade.
Este novo homem, nas palavras de Azombo-Menda e Enobo-Kosso «é o homem-totalidade, o homem livre em uma liberdade vivida como libertação perpétua, o homem sempre desperto e engajado na história através da acção libertadora». É como o prisioneiro da caverna de Platão, que caminha ao mundo do conhecimento verdadeiro para depois retornar junto aos antigos companheiros para «ajudá-los a se libertarem e a transformarem o seu mundo».
Destarte, o desígnio principal do desenvolvimento económico e social é o melhoramento do homem enquanto tal e não tanto a produção massiva de diversos bens de consumo, pois «a miséria do homem não é suprimida pelo simples facto que ele sacie a sua fome. O problema da miséria ou da felicidade, ele mesmo, somente se coloca depois de satisfeita a necessidade vital de comer»
A filosofia torna-se, destarte, um factor de libertação. A filosofia como ciência do Ser enquanto tal parece a Njoh-Mouelle insuficiente. Para o autor é valioso este momento de pensar o Ser, porque tal momento nos possibilita chegar ao fundamento das coisas, onde Ser, verdade e valor se confundem. Contudo, salienta que «a filosofia não pesquisa a verdade pelo prazer de pesquisar a verdade. Ela necessita que a verdade encontrada se instaure na vida quotidiana, nas relações interindividuais (...) O estetismo em filosofia é uma traição e ainda o sinal de uma alienação no sentido que a fixação sobre o Ser enquanto Ser nos tira a liberdade de nos voltarmos em suas especializações». Quer dizer, há um vai-e-vem necessário entre o Ser e os seres, entre a contemplação da verdade e o estado real das coisas. A fixação sobre um desses pólos é uma forma de alienação.
Sendo reflexão critica ao mesmo tempo que intenção criativa, a filosofia tem como tarefa fundamental desalienar [libertar] as consciências. Toda consciência humana é, de uma maneira ou de outra, intenção. Segundo o grau de consciência, segundo a clara percepção que cada um tem desta consciência e de seu peso factual, nosso aprisionamento aos acontecimentos ou nossa participação neles seguem o passo de um sobre o outro. O drama reside principalmente no fecho de um ser ao poder da história e na sua transformação em um elemento inerte da história.
A filosofia aparece então como um factor de libertação, um factor de desalienação. Intenção criativa, ela se duplica também em um querer fazer cuja inserção no mundo supõe o conhecimento do mundo em questão, de onde o papel de interpretação do mundo sobre o qual nos apoiamos.
Para Njoh-Mouelle, a liberdade não é um artigo de luxo, uma espécie de coroamento pela acção do homem. Pelo contrário, «a liberdade... está toda inteira na acção que ela inspira, engajada em uma história de múltiplos altos e baixos... Não é a liberdade que se possa alcançar definitivamente, a verdadeira liberdade se experimenta e se experimenta na acção libertadora, concreta. (...) Nós não rejeitamos - enfatiza o pensador - que a liberdade implique o conhecimento de si e da ordem do mundo; o que nós rejeitamos é a redução da liberdade a esse conhecimento».
Em consequência disso, todo homem, mais sábio ou menos sábio é capaz de actos livres e a liberdade que vamos conquistando progressivamente avança não apenas como movimento de consciência que se expande, mas como transformação da realidade concreta, em uma acção histórica que visa o melhoramento de todo homem.
Fim.
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo, aos [14] de Outubro 20[21]