Intensificação das ofensivas militares no norte de Moçambique pode estar a empurrar insurgentes a atuarem no sul da Tanzânia, acredita a Associação Kuendeleya. Deslocados relataram dois ataques na última semana.
De acordo com a Associação Kuendeleya, baseada em Cabo Delgado, os deslocados vindos de regiões fronteiriças entre Moçambique e Tanzânia relataram dois ataques no sul da Tanzânia na última semana a associação, contudo escasseiam detalhes.
Entrevistámos Abudo Gafuro, da Kuendeleya, uma das associações que tem estado na linha da frente no apoio aos deslocados desde o começo da vaga de ataques na província. Sobre as decapitações que voltam a acontecer em Cabo Delgado, o ativista está convicto de que se trata de retaliação pelo facto de os jovens se recusarem a juntar-se aos insurgentes.
DW África: Confirma a occorência de ataques insurgentes no sul da Tanzânia?
Abudo Gafuro (AG): Segundo as fontes, os deslocados com quem temos comunicado, os que estão a regressar a Palma, eles confirmam a existência de alguns ataques nas extremidades de Mtwara, na Tanzânia, e na [região] mais a norte de Moçambique.
DW África: Há relatos de vítimas?
AG: Neste momento, é prematuro dizer que sim ou que não, porque estão a ser feitos trabalhos pelas partes moçambicana e tanzaniana para se apurar a verdade. Não sabemos se há vítimas humanas, mas houve troca de tiros.
DW África: Então, as populações das regiões fronteiriças estão a fugir para regiões mais seguras em Cabo Delgado?
AG: Estão à procura das regiões mais seguras em Cabo Delgado e mais para norte, para a Tanzânia. Alguma população que estava nas extremidades de Mtwara está a ir para Palma, que neste momento é a região mais segura, e outros estão a fugir para Wonacimoia, que é um posto administrativo de Mtwara.
DW África: E quando terão acontecido esses ataques?
AG: Tudo indica que foi na semana passada. Foram dois ataques em simultâneo, protagonizados por um grupo de terroristas. Presume-se que sejam os que estão em debandada, a fugirem de Moçambique para aquela lado de lá.
DW África: Portanto, sentem-se encurralados e refugiam-se na Tanzânia?
AG: Neste momento, eles estão sem terreno, porque já foram destruídas todas as bases terroristas existentes na província de Cabo Delgado. As forças conjuntas estão agora a fazer um trabalho de limpeza, o que implica que os terroristas estejam à procura de um sítio para se refugiarem. É óbvio que seja a Tanzânia, porque foi uma das portas que usaram para entrarem cá em Moçambique.
DW África: Nos últimos dias, têm surgido novos relatos de decapitações. O que sabe dessas atrocidades?
AG: Segundo alguns relatos a partir de Macomia, houve algumas decapitações naquela região, mas não se sabe quantas pessoas são. Sabe-se que são jovens civis que foram decapitados. Estavam a resistir a juntar-se ao movimento terrorista, porque tinham sido capturados para engrossarem as suas fileiras. Mas eles não aceitaram.
DW África: Relativamente às operações militares conjuntas na província, qual é a apreciação da população local?
AG: Antes da chegada das forças estrangeiras, [...] as relações públicas [da]s forças moçambicanas eram extremamente complicadas. Havia algumas violações dos direitos humanos. Não havia amizade, nem aproximação. Quando os militares e os civis se encontravam, havia momentos de tensão. A população fugia para não ser agredida fisicamente. Mas com a chegada das forças ruandesas, [tudo mudou]. Parece que a tropa ruandesa trouxe um outro ar às relações e [uma] aproximação entre militares e civis. Os militares ruandeses ajudam até nalgumas tarefas, como pilar milho e mapira para cozinhar. Até precisam de conversar e sorrir com a população e têm a capacidade de falar swahíli, o que é fácil para o povo de Cabo Delgado.
DW – 27.10.2021