ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Hoje, vou falar sobre o Kant mais precisamente sobre a paz perpétua, e nesse tempo em que estamos vivendo é, importante nós entendermos alguns conceitos e, o Kant nos ajuda a entender um conceito bastante importante, é um conceito que transita entre a guerra e paz. Quando o Kant trabalha a questão da paz perpétua, parece-me bastante interessante, basta observar que nós vivemos num mundo, que se for pegar o século [XX], nós tivemos quase que [200] milhões de mortes, em consequência de guerras, vivemos ainda o século [XXI] com várias pequenas guerras e…com muitas mortes.
Então, parece-me que, quando o Kant busca a questão da paz e, ainda mais pensando numa paz universal, pensando numa paz perpétua, parece-me ser bastante interessante que agente possa estar discutir o Kant. Destarte, eu vou tratar do Kant nesta carta, a partir de um opúsculo, ou seja, dum pequeno livro, do qual, aconselho vivamente sua leitura em que o Kant escreve sobre a paz perpétua; a paz perpétua entre os Estados.
Em primeiro lugar devo dizer, que o Kant não vê o progresso do direito, nem governado pelo [instinto] e nem por um plano acordado, mas pela natureza humana. Em segundo lugar, ele parte pela hipótese teleológica de que, todas as disposições naturais duma criatura, dum ser humano, estão destinadas a desenvolver-se, a cumprir-se finalisticamente e as disposições naturais dos indivíduos, elas não chegam ao seu pleno desenvolvimento no indivíduo, mas no género a partir de gerações sucessivas.
Destarte, esse propósito natural da humanidade deve ser alcançado, a partir da própria natureza humana. Portanto, tanto o sentido da história quanto o progresso do direito ocorre sem o nosso planejamento, sem o planejamento do indivíduo. Por exemplo, o Thomas Hobbes, dizia que o instinto natural do ser humano é o egoísmo; já o John Locke dizia que era sociabilidade, para o Kant não é nenhum nem outro, mas ambos é tanto o egoísmo, quanto a sociabilidade.
O antagonismo, portanto associabilidade insociável gera o desenvolvimento das disposições humanas. O Kant, sendo um autor iluminista, destarte como os demais autores do período acreditava, que a história tinha uma finalidade, tinha um fim, tinha um telos. Portanto, esses autores do iluminismo eram [teleológicos] e o fim da história como nós sabemos era a ideia de progresso o que mais tarde vai ser defendido por positivismo como ordem e progresso.
O Kant salientava, também outras características como o fim da história quais são elas: ele dizia por exemplo, que além do progresso nós tínhamos a educação, a paz, a liberdade, o cultivar se a justiça como o grande telos histórico. O lema do Kant era o seguinte: «cultivar-se, civilizar-se e moralizar-se». Diferentemente do Rosseau, que acreditava que o aperfeiçoamento era o grande mal da sociedade, o Kant tinha um optimismo em relação ao aperfeiçoamento. Dizia ele: «o género humano encontra-se em constante progresso para o melhor». Quer dizer, para o Kant a história sim tinha um plano, tinha uma finalidade, tinha uma direcção e ela não estava orientada por um caos, por uma desordem e quem alcançava essa finalidade [telos], essa orientação da história era a filosofia da história.
Povos e indivíduos visando fins particulares acabavam contribuindo de forma inconsciente para os desígnios da própria natureza, para os desígnios da própria história e do progresso da história e ao tratar do progresso a ideia do progresso em Kant se refere sempre a progresso moral.
Tratarei agora dos artigos preliminares, a [preparação] da paz perpétua, segundo o Kant.
O primeiro artigo dessa obra, da qual, aconselho vivamente sua leitura, diz o seguinte: «não se deve considerar como válido nenhum tratado de paz, que tenha sido feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura», a verdade portanto, segundo o Kant, é o mandamento incondicional da razão. Segundo a leitura do imperativo categórico nós só podemos apenas universalizar a máxima da verdade e já mais da mentira ou [falsidade].
O segundo artigo diz: «Estado independente não poderá ser adquirido por outro, mediante herança, troca ou doação». O Estado, portanto, possui um fim em si mesmo, ele não pode ser tratado como um meio, mas ele deve ser visto sempre como um fim em si mesmo. Lógico, não se pode comprar [doar] um Estado como herança como nós vivemos no passado, isso não colabora para uma paz perpétua. E nós observamos em muitos países da África onde a divisão foi feita em forma de troca, em forma de herança, muitas vezes algo organizado e que nós temos conflitos até hoje.
O terceiro artigo, bastante controvertido, polémico e difícil, o Kant diz: «os Exércitos permanentes devem com o tempo desaparecer totalmente». Porquê, porque Exércitos permanentes ensejam constantes guerras, constantes conflitos. Então, observe, que isto é algo bastante controverso, bastante difícil, quase impossível…é verdade, mas a ideia de paz perpétua é uma ideia [utópica] por isso, que o Kant vai trazer a importância desse debate.
Lógico um Exército permanente, sempre exige que a outra nação, que é um outro Estado tenha um Exercito permanente, e isso consome recursos, isso provoca disputas e mesmo, porque forma um carácter de guerra, um carácter belicoso. É difícil mas…a diminuição constante dos efectivos dos Exércitos, são avanços possíveis até chegar ao momento duma utopia, onde essas forças de guerra estariam extintas. Talvez, até num outro momento, numa outra vida. Mas, o Kant aponta isso como importante na paz perpétua.
O quarto artigo destaco o seguinte: «não deve-se emitir dívidas públicas em relação aos assuntos de política externa». Aqui o Kant evidencia o problema de financiamento da guerra, e o problema de manter a dependência económica, política e cultural dos povos conquistados.
O quinto artigo destaco o seguinte: «nenhum Estado deve intervir pela força na Constituição ou no Governo de outro Estado». Aqui está o princípio da autonomia [autodeterminação] dos Estados, que confere aos povos o direito de autogoverno e de decidirem livremente a sua política, bem como aos Estados o direito de defender a sua existência e condição de independência.
Por fim, o sexto artigo ressalto o seguinte: «nenhum Estado em guerra como outro devem permitir tais hostilidades, que tornem impossível a confiança mútua na paz futura como por exemplo o emprego noutro Estado de assassinos, envenenadores e a instigação a traição».
Já em relação aos artigos definitivos Kant destaca três e já estou terminando.
O primeiro é em relação a Constituição republicana, já o segundo é em relação a federação e Estados livres e por fim o terceiro fala do direito cosmopolita e hospitalidade.
Sobre o primeiro artigo parafraseando destacando algumas características esse primeiro artigo, o Kant salienta o seguinte: que a Constituição civil deve ser republicana, e nela há três princípios fundamentais: liberdade, igualdade e dependência. Dependência no sentido de que, todos se encontram sobre a única e comum legislação, a única e comum Constituição. Na Constituição republicana segundo o Kant, se requer o [consentimento] dos cidadãos para declarar guerra.
O Kant, lembrando é pouco favorável a democracia, ele defende uma espécie de monarquia republicana ou uma monarquia constitucional.
Já sobre o segundo artigo da federação dos Estados livres, o Kant destaca o seguinte e aqui faço a leitura dum trecho, diz ele: «o direito das gentes dos povos deve fundar-se numa federação de Estados livres, portanto a mesma sociabilidade que obrigou os homens a sair de Estado de natureza e a entrarem numa Constituição civil republicana é o mesmo antagonismo que obriga os Estados a entrarem na federação de Estados, para isso deve a ver por parte dos Estados», segundo o Kant «muito empenho e dedicação».
O Kant, fundamenta aqui, a sua Liga das nações, no princípio transcendental do direito. Esse princípio transcendental do direito, ele pode ser entendido, a partir do imperativo categórico do direito. Eu devo lembrar, que o imperativo categórico do direito destaca três principais características do direito. O direito trata de relações externa entre indivíduos, e ele trata da relação entre dois arbítrios e não dum arbítrio como uma vontade e o direito informal.
O terceiro artigo, conhecido como direito cosmopolita e a hospitalidade destaco o seguinte: destaca que o direito cosmopolita trata da hospitalidade universal do respeito ao direito dos cidadãos mundo como seres humanos, do tratamento dos cidadãos dum Estado quando visita um outro Estado. É o direito de visitar e estar em qualquer parte do mundo e de não receber um tratamento [hostil] ao chegar num outro país.
Logo, esses são os três artigos definitivos em preparação a essa paz perpétua preconizada por Kant. Lembrando, que essa paz perpétua, essa obra de 17[95], ela serviu de base para que mais tarde no século [XX] pós-primeira guerra mundial, surgisse a Liga das nações, e pós-segunda guerra mundial, surgisse a Organização das Nações Unidas[ONU], na verdade, o que nós conhecemos hoje pela ONU, parte da Liga das nações, que parte dessa obra de Kant chamada a paz perpétua de 17[95].
Finalizo citando mais um trecho da obra de Kant:
«Dizer que a paz perpétua é uma tarefa cumprida, a passo a passo mesmo que nunca seja atingida é por isso, que a ideia duma Constituição nacional se completa pela ideia duma federação regida por uma Constituição cosmopolita encarregada de assegurar a paz perpétua».
Portanto, o Kant defende uma Constituição republicana, uma Constituição cosmopolita. O Hegel se afronta a essa ideia do Kant, ele se opõem a essa ideia, porque para o Hegel, uma República universal é algo impensado devido ao ethos [cultura] de cada povo. Cada povo possui a sua própria Constituição, não é possível pensar numa Constituição universal; o Kant por outro lado pensou sim, uma Constituição universal e por meio dela, concedesse o direito cosmopolita se asseguraria a paz perpétua.
De facto, o Hegel não aceita isso, porque os povos são regidos pela sua própria cultura e é impossível pensar uma Constituição externa do próprio do povo; a Constituição para o Hegel é o próprio espírito do povo.
Portanto, retomando o Kant diz ele que, o ideal da sociedade, das nações, dessa sociedade cosmopolita, dessa paz perpétua, dessa Constituição universal é garantir o entendimento entre os povos e buscar sempre essa paz perpétua. O sentido da história segundo o Kant, encontra-se nas Instituições do Estado de direito e duma conivência legal [pacífica] e justa entre esses Estados em constante pregresso do direito e toda humanidade até que finalmente, e aí, tem um aspecto teleológico da sua filosofia, se tenha formado nos limites duma federação de povos, uma comunidade de paz que abarque o mundo todo.
E qual é a importância do Kant na actualidade? Toda! Porque a questão da paz perpétua, a questão dum direito cosmopolita e principalmente a questão da hospitalidade é algo esquecido hoje em dia pelos Estados e não só.
Manuel Bernardo Gondola
Em Pemba, aos [04] de Outubro 20[21]