Por Edwin Hounnou
Entre 08 a 14 dias de Novembro, teve lugar a segunda sessão ordinária da Conferência Episcopal de Moçambique, no Centro das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição, em Mumemo, arredores da Vila de Marracuene, na província de Maputo. O comunicado, assinado pelo Arcebispo de Nampula, na qualidade de seu presidente, emitido no fim dos trabalhos, mostra uma lamentável pobreza quanto à reflexão havida nesse encontro dos bispos moçambicanos. Os bispos da Igreja Católica evitaram falar das dificuldades por que o país passa ainda que haja muitos e graves problemas, tais como a guerra terrorista em Cabo Delgado, a instabilidade na Zona Centro de uma guerra mal resolvida. A corrupção engoliu toda a máquina da administração do Estado. Nem as instituições vocacionadas à defesa da soberania nacional sobrevivem aos ataques da corrupção. Há, no norte, a crítica situação humanitária dos deslocados de guerra.
Os problemas do país são imensos devido à desastrosa governação. Somos considerados como o país mais atrasado do mundo, em todos os rankings, apesar de tantos recursos que possuímos. Somos um país para dar tudo certo. Por que não dá? Existe algo de muito errado. A falta de liberdade, no país, está na ordem do dia. Qualquer pessoa pode notar que as liberdades de expressão e de imprensa estão cada vez mais afuniladas. As janelas da liberdade estão a fechar-se. É proibido pensar diferente da cartilha frelimista. Nunca, depois da independência, estivemos tão mal. Tudo está do avesso e os bispos – vozes predilectas do povo – não podem fingir que tudo está bem, escrevendo um comunicado social e politicamente irrelevante. Porquê tal posicionamento? Longe de nós a pretensão de impor ou sugerir qualquer agenda de trabalho seja a quem for e muito menos ainda aos bispos.
Achamos que Igreja, em particular a Igreja Católica, por nos ser a mais próxima de entre as demais grandes religiões, deveria se confundir com o sofrimento do povo, acalentar a ansiedade do povo e alimentar a esperança de que essas dificuldades poderão ser ultrapassadas. Isso não está, por incrível que pareça, reflectido no comunicado dos bispos, o que provoca um sentimento de desilusão e frustração. A sociedade espera uma actuação mais proactiva de uma Igreja que ajuda o povo a se libertar das práticas nefastas de um regime apodrecido.
A História recente da Igreja Católica, em Moçambique, tem bons exemplos de bem servir a comunidade que deveriam servir de inspiração. O primeiro bispo da Beira, D. Sebastião de Resende (1906-1967, em condições difíceis daqueles tempos, denunciou com o sistema colonial que descaracteriza os moçambicanos, por isso, teve uma colecção de inimigos que o odiavam. A seguir, D. Manuel Vieira Pinto (1923-2020), arcebispo de Nampula, caracterizava-se pela sua frontalidade, por ter sido grande amigo do povo, não aceitava injustiça do sistema e isso lhe valeu a expulsão de Moçambique, nas vésperas da independência. Por nossa experiência, estivemos, entre os anos de 1981/1983, sob a sua protecção, quando o regime nos tentou fazer desaparecer. Fomos preso e torturado pela Contra-Inteligência Militar procurarmos saber o destino dado ao nosso irmão cujo paradeiro continua segredo e por razões desconhecidas.
Jaime Pedro Gonçalves (1936-2016), o destemido arcebispo da diocese da Beira pela sua voz inconformada com a injustiça. Muito ajudou a terminar a guerra civil que arrasa o país (1976-1992). Bateu-se pela justiça social, por isso, teve muitas fricções com o regime que se julgava senhor absoluto dos nossos destinos. Por último, tivemos o bispo da diocese de Pemba, Luiz Fernando Lisboa (1955-). A sua presença em Cabo Delgado era um estímulo e símbolo de que o povo pode lutar pelo seu bem-estar e a guerra era um mal abominável a superar. As suas constantes denúncias à violência do extremismo radical e ao silêncio do governo, foi odiado pelo regime e o Papa Francisco, vendo o perigo que o prelado corria, teve que o retirar, às pressas, do país antes que o pior lhe acontecesse. Os insultos e ameaças de morte contra o bispo chegavam de todos os cantos dos guardas do regime, chamando-o de estrangeiro mal agradecido e outros nomes pejorativos que evidenciavam um perigo maior à espreita.
Ficou registada a passagem dos Padres Brancos que ensinavam aos seus alunos que eram moçambicanos e não portugueses de pele negra. Criaram escolas como a Missão de São Benedito da Manga, na cidade da Beira, Marromeu, Missão de Chupanga, Murraça e leccionavam no Seminário Menor do Zóbuè de onde saíram importantes figuras da nossa História que se foram juntar ao movimento de libertação. É, igualmente, incontornável o papel de consciençalização das comunidades desempenhado por Padres de Burgos, nas províncias de Tete, Manica e Sofala. Alguns deles foram nossos educadores directos, a quem muito devemos e reconhecemos pelo trabalho que fizeram pelo país e, sobretudo, pelo povo. Essa postura valeu a esses sacerdotes perseguições, prisões e expulsões, pela parte da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), secreta do regime colonial-fascista português do regime de Salazar/Caetano que durou até 1974.
Os bispos e padres que aqui mencionamos estiveram sempre do lado das pessoas, da sua dignidade, dos seus valores mais genuínos e da sua luta pela liberdade, pela democracia e pela paz em terras de gente de bem que têm de ser feliz. Porém, hoje vemos raptos e assassinatos da nossa gente e a Igreja continua calada no seu canto. Em Caho Delgado, o jornalista Ibraimo Mbaruco, da Rádio Comunitária de Palma, foi cercado por militares, segundo uma mensagem enviada por si a um amigo. Desapareceu s 07 de Abril de 2020, até hoje não há notícias sobre o destino. A violação dos direitos humanos não é um problema grave para a Igreja Católica?
Em Gaza, a 07 de Outubro de 2019, agentes da polícia assassinaram, a tiro, Anastácio Matavele, um defensor dos direitos humanos e obsevador das eleições. Pessoas próxima a ele dizem queķ Anastácio Matavele foi morto por que possuia provas bastantes sobre as fraudes eleitorais. De novo, ouvimos um silêncio ensurdecedor dos bispos da Igreja católica. Isso nos incomoda muito porque nós fomos educados numa igreja interventiva e combatente.
Achamos que a igreja tem uma palavra a dizer. Não podemos ser torturados e mortos como se fossemos ovelhas para ninguém protestar. Uma Igreja que não defende os mais fracos e os pobres, não tem muita importância na sociedade. Uma Igreja que se limita a ensinar a catequese e a celebrar missas, que não se preocupa pelo Homem, não é relevante na vida das comunidades. Não sabemos a razão da tal postura tão estranha quanto irrealista. Não sabemos se é por medo, para ficar tranquila ou por ética de não ofender as autoridades civis. Porém, anda desalinhada com o que o povo espera dela. A Igreja tem o dever moral de ajudar o povo a alcançar a paz, liberdade e desenvolvimento.
Não pode continuar a ser uma Igreja de simples observadores dos fenómenos. A Igreja tem que estar com o povo lado a lado – comer a mesma farinha e passar pelas mesmas dificuldades. Não pretendemos ensinar o Pai-Nosso ao vigário, como se diz. Ficar calado perante injustiças incomoda. A igreja dos pobres defende os pobres. Perante a justiça, a igreja puxa pela espada e mostra o peito. Em luta desigual, aquele que ficar em silêncio, identifica-se com o opressor. Quando se anda aos rodeios, concluímos de que a Igreja não está a cumprir a sua missão.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 24.11.2021