Por Edwin Hounnou
Não há dúvidas de que o nosso país nunca teve, desde a independência (25 de Junho de 1975) e, até hoje, ainda não tem uma liderança à altura dos seus desafios e problemas. Devido à ausência de uma liderança forte e comprometida, com uma visão a longo prazo e firme, o país vive hoje, à deriva. Está ao sabor de quem estiver no poder e se faz alguma coisa, fá-lo à maneira de caranguejo. Assim, vai o nosso país – tímido e a passos de camaleão. Está a atrasar-se casa vez mais na medida em que o tempo vai passando. A qualidade de vida das nossas populações está a deteriorar-se sempre, desmentindo a razão da luta pela independência. Ninguém pegou em armas para substituir colono branco por colono preto. O povo recusou-se morrer entre os dentes de um crocodilo branco mas prefere sucumbir engolido por uma jiboia preta, por ser animal da terra?!
Em Moçambique, é crónica a falta de uma liderança inteligente e aglutinadora capaz de pacificar o país e trazer desenvolvimento socioeconómico. A falta de liderança à altura dos desafios do país começa com Samora Machel que Imprimiu um misto de liderança entre o populismo e ditadura, que ressaltou numa guerra civil dos 16 anos de incalculáveis consequências económicas e sociais. Samora Machel não conseguiu assumir a postura de um chefe de Estado moderno e inclusivo. Permaneceu nos métodos de guerrilha e quis fazer uma administração do país como se fosse uma zona libertada. Aparece com foice a ceifar arroz, no Chókwe, e com , em Boane, a derrubar árvores para machamba. Enquanto o seu regime cometia violações dos direitos humanos contra as populações como prisões arbitrárias e fuzilamentos extrajudiciais.
Para mostrar que os desmandos que ocorriam não eram do seu consentimento, num comício popular, Machel apresentou ao povo os ministros da Defesa e da Segurança como os culpados pelas arbitrariedades que aconteciam. Os mais atentos chamaram aquilo de uma peça teatral mal ensaiada. Mariano Matsinha, um guru da Frelimo, disse, em entrevista ao SAVANA de 04 de Setembro de 2009, que : Aqueles que morreram, morreram porque pediram para morrer…e fuzilamos muito mais. Todos aqueles que ‘saltassem’ para o inimigo eram todos como inimigos e eram fuzilamos. Era norma na FRELIMO fuzilar pessoas. Quem assim o afirma não é gago. É uma voz de dentro. Esta era a verdadeira face de Machel : carrasco e autoritário. Muito sangue de inocentes derramado em defesa dos interesses de um grupo de tribalistas.
A ausência de uma liderança forte e inclusiva prossegue e ainda prossegue. A seguir tivemos a era de Joaquim Chissano em que vimos muita poeira a baixar, a animosidade a refrear, as armas a cederem lugar à paz. ‘Nasceram’ todo o tipo de partidos e o sistema multipartidário foi implantado. Veio o tempo de Armando Guebuza, pouco dado ao diálogo, voltou a pairar a sombra da guerra sobre o país. A discriminação e a intolerância tomaram conta do nosso destino comum contra quem não fosse ‘nosso' e a canção “o problema" virou escárnio. Os poucos passos dados pelo seu antecessor foram jogados ao caixote de lixo. A contratação das dívidas ocultas fechou a porta de Moçambique. Os fundos de cambalacho não beneficiaram ao país, agraciaram ao grupo ‘Ali Babá e os 40 ladrões’, entre os quais alguns estão em julgamento na BO e outros a passearem a sua classe cá fora, a indicarem quem deve ser preso e quem continua em paz e tranquilo.
De 2015 até 2024, estamos a carregar a cruz com o timbre de Filipe Nyusi. Este, para além de ser um dos promotores das dívidas ocultas, é, também, patrão dos esquadrões da morte e patrono do G40 (grupo de intelectuais e académicos que impingem a ideia de que a Frelimo é a tábua de salvação do país). Durante muito tempo tentou esconder a guerra terrorista, em Cabo Delgado, que atinge Niassa. Vedou Cabo Delgado a investigadores. Mandou prender jornalistas e um deles continua desaparecido depois de interceptado por militares do governo. O bispo de Pemba, D. Luiz Fernando Lisboa, teve que abandonar o país, às pressas, depois de ameaças do regime e enxovalhado por cães de guarda do palácio. Nyusi recusou nossos aconselhamentos para pedir apoio militar estrangeiro devido à incapacidade das Forças de Defesa e Segurança. Já debilitado, foi buscar tropas ruandesas a título “gratuito". Pensa que nós acreditamos.
Parece que o povo abraçou a luta de libertação para se tramar a si mesmo porque a qualidade do ensino baixou, a todos os níveis. Os hospitais e centros de saúde andam sem medicamentos essenciais e equipamentos cirúrgicos. Estamos sem a rede viária em condições, quase todas as estradas, incluindo as das grandes cidades, estão todas esburacadas. Precisamos de coragem para nos fazemos à estrada com as nossas viaturas, devido a crateras. As nossas crianças, desde o ensino primário ao secundário, continuam, na sua maioria, a estudar encurvadas ao chão e algumas sentadas sobre troncos, por falta de carteiras, ainda que o país seja um excelente exportador de madeira não processada. As escolas feitas de material precário indicam o défice da mente de quem governa o país. Muitos dos pais dessas crianças não passaram por situações como por que atravessam seus filhos. Passam 46 anos da independência, as coisas estão a piorar. Há sinal de que o povo lutou para se mergulhar em mar de pobreza.
Um país pode possuir milhares de terra arável, dezenas de rios com curso de água permanente e não conseguir produzir o suficiente para se alimentar. Nós somos o exemplo desta incapacidade. Temos três complexos ferro-portuários e mais três portos de águas profundas que de nada nos servem. Possuímos uma das maiores barragens do mundo de geração de electricidade mas menos de 35 porcento de moçambicanos se beneficia da corrente eléctrica. Os nossos recursos são pilhados por estrangeiros em conluio com pessoas ligadas ao partido no poder. O carvão de Moatize e de Cahora-Bassa, em Tete, ninguém sabe para que serve. Ficamos com o ar poluído, populações retiradas dos seus locais de residência e ficam buracos a céu aberto. Esta será a única recordação na memória do povo para lembrado que já tivemos carvão.
Nas províncias da Zambézia e Gaza, as multinacionais estão a explorar areias pesadas e não vemos qualquer retribuição do que têm levado para fora do nosso país. Nem mesmo aquelas migalhas destinadas às comunidades locais vale a pena contabilizá-las. Tudo termina nas mãos das multinacionais e dos que nos governam. Ainda é uma miragem pensar que os recursos de que o país dispõe estão ao serviço do país e do povo. Para quem anda pelo país, como nós o fazemos, deve-se ter apercebido de que Moçambique já está uma verdadeira carcaça pela forma como estão sendo saqueados os seus recursos. É um erro pensar que os desastres naturais, como os ciclones, que se abatem sobre nós sejam provocados, apenas, por factores externos. Os rios estão a secar, a vegetação a desaparecer e as machambas a produzirem cada vez menos devido ao corte indiscriminado de árvores por empresas estrangeiras aliadas a cidadãos chineses e por agentes que derrubam árvores para exploração de lenha e carvão vegetal.
Uma liderança comprometida com o país traz paz e desenvolvimento. Uma liderança com ideias difusas é fonte de conflitos, é um sério obstáculo. Por falta de liderança, Moçambique dá um passo em frente e dois para trás. O país vai de cambalhota em cambalhota. O nosso atraso socioeconómico é resultado da incapacidade da nossa relação e da ausência de lideranças ao tamanho dos nossos desafios.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 29.12.2021