Por Dr. André Thomashausen*
Há seis semanas, dia 17 de dezembro de 2021, a Rússia apresentou duas propostas de segurança muito específicas, para garantir a paz global. Esta semana, a 26 de janeiro de 2022, foram arrogantemente rejeitados.
A primeira proposta é para um Pacto de Paz entre as superpotências Rússia e os EUA.
As cláusulas-chave são o compromisso de um direito à segurança igual a cada nação; a confirmação dos princípios da Carta das Nações Unidas que proíbem a ameaça ou o uso da força; o abandono da "expansão leste da NATO (OTAN)" e a rejeição da adesão à NATO por estados que faziam parte da extinta União Soviética.
O compromisso operacional é que os EUA e a Rússia limitam a presença das suas forças armadas aos seus territórios e que não pilotem aviões equipados para transportar bombas nucleares, nem naves de guerra, dentro das áreas a partir das quais possam atacar a outra parte; e ainda informar-se-ão mutuamente dos movimentos desses sistemas de lançamentos de armas nucleares, a fim de evitar situações perigosas e imprevistas.
Do mesmo modo, a Rússia e os EUA comprometer-se-iam a não lançar mísseis de alcance intermédio e de curto alcance lançados em terra ou armas nucleares, fora dos seus territórios nacionais, nem em áreas dos seus territórios nacionais, a partir dos quais essas armas atingiriam alvos de ataque no território nacional da outra parte.
Esta cláusula específica aborda a recente instalação de armas nucleares e sistemas de lançamento americanos na Alemanha, República Checa, România, Polónia, Suécia e agora, mais recentemente, na Ucrânia.
O segundo tratado de segurança proposto pela Rússia em 17 de dezembro de 2021 seria assinado pela Rússia e pela NATO/OTAN. Propõe um acordo no qual as partes não se considerem adversárias ou "inimigas" e, por conseguinte, realizarão consultas regulares sobre questões de segurança e fornecer-se-ão mutuamente informações sobre exercícios e manobras militares, bem como o estabelecimento de "linhas diretas" ou "telefones vermelhos" entre as partes. Os destacamentos de forças militares limitar-se-ão aos que estavam em vigor à data de 27 de maio de 1997 e não haverá um alargamento da NATO, especialmente não por uma adesão da Ucrânia ou de outros Estados da Europa Oriental. As partes comprometer-se-iam igualmente a não instalar mísseis intermédios e de curto alcance em zonas que lhes permitam chegar ao território da outra parte (ou partes).
Ambas as propostas dos pactos de segurança recordam especificamente o "Processo de Helsínquia", nomeadamente o Acto Final de Helsínquia de 1975 da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). A CSCE lançou as bases para pôr fim à Guerra Fria que vinha dividindo o Mundo desde a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962.
O processo da CSCE foi também fundamental para pôr fim ao confronto nuclear entre as superpotências, estabelecendo um conjunto abrangente de acordos de desarmamento, incluindo para as forças nucleares de alcance intermédio (INF), o Tratado Anti-Míssil Anti-Balístico, o Tratado da Não Proliferação de Armas Nucleares (TPT), os Tratados da Limitação de Armas Estratégica (SALT I e II) e o Tratado da Lua e de Outras Corpos Celestiais.
Desarmamento foi o factor que desfez o medo da Rússia de ser militarmente cercada. Permitiu a mudança política secular na Rússia que estabeleceu a democracia multipartidária e pôs o fim à União Soviética.
Então porque é que o Ocidente está agora a rejeitar as disposições-chave das propostas Russas de dezembro de 2021? Desde então ouvimos senão ameaças beligerantes a fazer referência às armas nucleares. Os EUA colocaram uma força de intervenção de 8.500 homens num estado de prontidão. O Canadá já posicionou forças especiais na Ucrânia. Uma armada liderada por um porta-aviões maciço já se aproxima do Mar Negro. Tanto o Reino Unido como os EUA estão a transportar diariamente numa "ponte aérea" centenas de toneladas de mais armamento a Kiev e pediram aos seus cidadãos que saíssem da Rússia "imediatamente".
Os líderes ucranianos – fortemente motivados pelos seus amigos americanos vendedores ambulantes da indústria de armamento - exigem mais mísseis capazes de serem equipados instantaneamente com ogivas nucleares, apontadas às principais cidades russas, incluindo Moscovo.
Não existe qualquer ameaça à Ucrânia que justifique tal violação do dever geral, nos termos do direito internacional público, de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais. A Rússia não tem nada a ganhar com uma responsabilização pelos destinos de uma Ucrânia economicamente e politicamente falida.
A última vez que o Mundo esteve tão perto da auto-destruição nuclear foi durante a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, quando uma liderança soviética excessivamente confiante instalou mísseis em Cuba, para reduzir Washington a cinzas. O Presidente dos EUA, J F Kennedy, preferiu arriscar a III Guerra Mundial à presença de um tal risco. A Rússia recuou e retirou os mísseis.
A União Africana, que aspira a um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, deveria fazer ouvir a sua voz e exigir às antigas potências coloniais americanas e antigas em África que abandonem pôr em jogo a Paz Mundial. A NATO, uma relíquia da Guerra Fria, é pelos seus Estatutos autorizada a operar unicamente sob o comando militar dos EUA. Os comandantes supremos das forças NATO unicamente podem ser generais Americanos. A Europa tem de encontrar a coragem se desfazer desta tutela humiliante. A Aliança Europeia de Segurança Colectiva deve ser finalmente estabelecida e a obsessão americana de iniciar novas guerras em intervalos cada vez mais curtos deve ser inviabilizada.
Como ambas as propostas dos pactos de segurança Russos de Dezembro de 2021 afirmam nos seus preâmbulos: "... a guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve ser travada, e todos os esforços (devem ser feitos) para evitar o risco de uma guerra deste tipo entre estados que possuem armas nucleares".
* Dr. André Thomashausen é advogado e professor emérito de Direito Internacional UNISA).