Querem que a religião deles tenha poder
Apesar do cenário de avanços e recuos no combate ao terrorismo e extremismo violento nas regiões centro e norte de Cabo Delgado, as Forças de Defesa e Segurança (FDS) de Moçambique, devidamente apoiadas pelas forças amigas do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) conseguiram, nos últimos dias, desmantelar diversas bases, recuperar material bélico e capturar alguns terroristas.
A descrição a que o mediaFAX teve acesso em termos de perfil de alguns capturados, sugere que dos que foram colocados fora de acção, há mesmo quem assumia funções de chefia e comando nos grupos atacantes. Nisto, na semana passada, recorde-se, uma lista, não oficialmente confirmada, indicava a captura de sete terroristas, na aldeia de Litingina, distrito de Nangade. Anfai Ceia; Zacarias Sumail; Ayuba Yassine; Selemane Nze; Sufo Maulana; Abdala José e Abudo Sele Anfai são os nomes partilhados referentes ao grupo dos sete terroristas que terão sido capturados ao longo da semana passada, em Litingina, uma aldeia que dista cerca de 20 quilómetros da sede distrital de Nangade.
Já nesta semana, circulou o relato da captura de dois outros terroristas. Um tanzaniano, somente identificado por Ali, e um moçambicano, identificado por Juma Saide Mussa.
O mediaFAX conseguiu obter detalhes do perfil deste último. O que se diz é que Juma Saide Mussa foi recrutado em Outubro de 2020, aquando do ataque à aldeia Pangane, posto administrativo de Mucojo, distrito de Macomia. Uma das razões de fundo que fez com que Juma Saide fosse levado pelos terroristas é o facto de uma das pessoas da aldeia ter dado informação de que ele dominava as técnicas de navegação marítima [era marinheiro].
Porque os grupos actuam bastante nas regiões costeiras e os barcos são um dos principais meios de locomoção e transporte, ele foi levado exactamente para assegurar que, nas incursões pelo mar, houvesse garantia de que se chegaria em porto seguro. Por dominar as técnicas do mar, rapidamente o raptado terá conseguido ocupar cargos de chefia nos grupos terroristas, a ponto de ter dirigido algumas bases e, consequentemente, comandado algumas operações.
Segundo conta Juma Saide, na primeira pessoa, um dos grandes objectivos do terrorismo em Moçambique passa por garantir que a religião islâmica tenha, nas palavras dele, “expressão”. “
Eu saí no distrito de Macomia, posto administrativo de Mucojo, localidade Pangane. É onde fui capturado, já passa um ano ou quase dois” – explicou ele, quando entrevistado depois de capturado pelas Forças de Defesa e Segurança. Na verdade, as imagens que circulam nas redes sociais, de um homem descamisado, falando enquanto procura comer alguma coisa, correspondem a Juma Saíde. Nada tem a ver com a figura de Ali, o terrorista de nacionalidade tanzaniana, aparentemente capturado, igualmente, nos últimos dias, no norte de Cabo Delgado.
“Quando me levaram de Pangane fomos até à região de Muera, distrito de Mocímboa da Praia. Eles, na verdade, querem que a sua religião tenha expressão [tenha poder]. A sua religião chama-se islão” – explicou ele, partilhando algumas notas que sabe sobre a actuação e interesses dos grupos terroristas. No concreto, no mesmo dia da captura, ele terá sido obrigado a comandar uma embarcação que, de Pangane a Mocímboa da Praia, transportou terroristas e bens roubados.
Ainda em relação à sua descrição do que ele é, diz-se que a mãe é descendente das Quirimbas e o pai de Pangane. Não foi além do ensino primário do primeiro grau. Já esteve na madrassa como outras crianças locais. Antes de ter sido captur[1]do, comentam os que o conhecem, nunca esteve ligado à radicalização. O pai é descrito como tendo sido um pequeno empresário local, ou seja, de Pangane. Esta é uma aldeia que está a 11 km de Mucojo sede e 65 km de Macomia sede.
Enquanto marinheiro de embarcação a motor, Juma Saíde trabalhava para um, também, empresário local, identificado por Achime Abubacar. Este empresário [Achime], que faleceu no ano passado, terá uma vez sido detido acusado de ligações ao terrorismo. No âmbito do processo que, ao que se comenta, não se apresentava prova nenhuma. Assim, acabou sendo obrigado a pagar 400 mil meticais para ser libertado. E assim aconteceu.
Diz-se que o esquema da soltura envolveu elementos locais dos Serviços de Informação e Segurança do Estado e da procuradoria distrital.
Ataques continuam
Entretanto, apesar das indicações da detenção de alguns terroristas, incluindo seus líderes, o facto é que os ataques continuam a ser o denominador comum no centro e norte de Cabo Delgado. Acredita-se que as acções estejam a ser protagonizadas por pequenos grupos. Com efeito, o ataque ocorrido sábado, 15 de Janeiro corrente, nas aldeias Unidade e Limualamuala [também conhecida por 3 de Fevereiro], distrito de Nangade, norte de Cabo Delgado, terá resultado na morte de seis pessoas.
De acordo com relatos locais, a indicação é que cinco pessoas terão sido mortas na aldeia Limualamuala, enquanto uma foi assassinada na aldeia Unidade. Em Limualamuala terão, também, de acordo com fonte local, sido incendiadas cerca de 200 palhotas.
Nestas incursões, coloca-se também em evidência o facto de ter havido uma resposta imediata das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique e da SAMIM, que foram a tempo de conseguir recuperar algumas pessoas que estavam a ser obrigadas a seguir o bando.
Os estrondos dos combates terão sido ouvidos na vila distrital de Nangade, facto que criou uma grande agitação. Chegou mesmo a ponto de obrigar algumas pessoas a pernoitarem nas matas. Por outro lado, na manhã desta segunda-feira, circulou a indicação de que a sede da aldeia Nkoe, em Macomia, estava a ser atacada.
Ainda não há indicações precisas das consequências do ataque na aldeia, mas o facto é que muita gente chegou à vila de Macomia, fugindo dos atacantes.
MEDIAFAX - 19.01.2022