Max Tonela, ministro de Recursos Minerais e Energia, sugeriu que o projecto poderá gerar USD 24.500 milhões, muito longe das previsões das Finanças e de analistas externos. A receita geral do Coral Sul FLNG deverá situar-se acima dos USD 1.500 milhões/ ano
A entrada em funcionamento ainda este 2022 da unidade de liquefação de gás natural Coral Sul FLNG deverá gerar uma receita para o Estado moçambicano, segundo fontes independentes, de cerca USD 16.600 milhões durante o ciclo de vida do projecto (20 anos) tendo por base o preço do barril de petróleo (referência) em USD 70.
O aumento do preço para os USD 85 (o preço actual aproxima- -se dos USD 80) traduz-se no aumento da receita do Estado para USD 19.000 milhões. Tendo por base um preço médio de USD 70/ barril, o governo avançou no passado com duas previsões de receita muito díspares: o Ministério das Finanças, liderado por Adriano Maleiane, defendeu que o Coral Sul FLNG poderia gerar cerca de USD 11.500 milhões em receita; Max To[1]nela, ministro de Recursos Minerais e Energia, sugeriu que o projecto poderá gerar USD 24.500 milhões, muito longe das previsões das Finanças e de analistas externos.
A receita geral do Coral Sul FLNG deverá situar-se acima dos USD 1.500 milhões/ ano. O Contrato de Concessão de Exploração e Produção (CCEP) entre a Área 4 e o Estado estabeleceu uma duração de 30 anos a partir da data de aprovação do Plano de Desenvolvimento. As condições negociadas com o governo indiciam ganhos para o Estado abaixo do normalmente acordado entre os produtores de petróleo/ GNL e Governos.
Em regra, os países produtores do petróleo/ GNL obtêm 65%- 85% das receitas totais dos projectos. No projecto Coral Sul FLNG, devido ao eleva[1]do investimento em causa e à fraca capacidade negocial do governo, os ganhos do governo moçambicano não deverão exceder os 50%. A receita do governo resultará do imposto sobre a produção, do “gás de lucro” (remanescente para ser partilhado entre a concessionária e o governo no início do projecto no caso dos custos da concessionária a serem recuperados excederem as receitas totais do projecto), do Imposto sobre Rendimento de Pessoa Colectiva (a taxa de imposto era de 32% mas tudo indica que a taxa de IRPC aplicada será 24%), e da participação do Estado na produção, através da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH).
Condições mitigadoras do encaixe financeiro para o Estado moçambicano, no arranque da Coral Sul FLNG: - Na fase inicial do projecto, o consórcio não terá qualquer lucro, não devendo assim qualquer imposto ao Estado. - A ENH está ainda a pagar a sua dívida aos seus parceiros, não gerando qualquer fonte de receita para o Governo. Os parceiros do consórcio acordaram com a ENH o chamado “tratamento parcial”, pelo qual os parceiros assumem todos os riscos de exploração, enquanto que a ENH tem a oportunidade de retirar a sua participação de 10% quando o projecto entrar para a fase de desenvolvimento.
Caso não o faça, como é expectável acontecer, a ENH poderá ter de financiar a sua participação nos custos de desenvolvimento do projecto com juros. Tendo em conta que a ENH não é capaz de cobrir a sua participação nos custos de desenvolvimento, foram negociados dois empréstimos com os parceiros: um no valor de USD 500 milhões para cobrir despesas de capital e outro de USD 640 milhões para cobrir a participação de ENH no serviço de dívida do consórcio.
Neste contexto, as fontes de receita do Governo resultarão dos pagamentos de royalties (taxa de produção de 2%) e da participação do governo no “gás de lucro” de 3,7%. As condições que definem a partilha das receitas entre o consórcio da Área 4 e o governo foram negociadas11 anos após a 2ª Ronda de Licenciamento de Moçambique sobre os blocos do Rovuma, lançada em 2005.
A italiana Eni garantiu os direitos à Área 4 e assinou um CCEP em finais de 2006, iniciando-se a perfuração de 15 poços entre 2011- 2014, daí resultando a descoberta de dois campos separados: Mamba no Norte (ainda sem decisão final de investimento) e Coral no sul. O campo Mamba será desenvolvido através do GNL em terra, liderado pelo parceiro do empreendimento, ExxonMobil. O consórcio propôs então desenvolver o projecto com a utilização de plataformas flutuantes de GNL tendo em conta a distância do litoral e a existência de um desfiladeiro de fundo do mar de 13 Km de largura e 300 m de profundidade, que dificultaria a colocação de gasodutos para o transporte de gás até à costa.
Embora o governo fosse inicialmente contrário ao conceito de plataformas, constatando os efeitos limitados sobre a economia local, acabou por aprovar o Plano de Desenvolvimento da Coral FLNG no início de 2016.
A FLNG, construída pelo consórcio TJS (Technip, JGC, Samsung), será a primeira plataforma ultra-profunda do mundo, operando a c. 2.000 m. O objectivo é a produção de 3,4 milhões de ton. de GNL por ano (MTPA) num período de vida de 25 anos. Os custos para a produção e instalação da FLNG estão estimados em cerca de USD 8.000 milhões.
Na prática, o projecto é executado por três empresas pertencentes ao consórcio. Num primeiro momento, todos os direitos originais da Área 4 foram concedidos à Eni através da subsidiária italiana Eni East Africa SpA. O acordo com o governo concedeu à ENH o direito de adquirir uma participação de 10% no projecto, se os esforços de exploração fossem bem-sucedidos, o que veio a acontecer.
Em Abril de 2007, a Galp Energia adquiriu uma participação de 10% no projecto e em Setembro de 2008, a Korean Gas Corporation (KOGAS) comprou 10% da Área 4. C. cinco anos depois (2013), os chineses entraram no consórcio através da China National Petroleum Corporation (CNPC) que comprou 20% da Área 4 por USD 4.200 milhões, através de uma participação de 28,7% na Eni East Africa. Em Março de 2016, a Eni vendeu à ExxonMobil uma participação de 25% na Área 4 por USD 2.800 milhões, assegurando 35,7% na Eni East Africa, que se passou a chamar Mozambique Rovuma Venture.
Num momento posterior, os parceiros decidiram criar uma segunda empresa exclusivamente para deter e operar a plataforma FLNG, registada em Moçambique como Coral FLNG SA. Essa empresa cobrará uma “taxa de pedágio” paga pelos parceiros upstream aos parceiros midstream para processamento, liquefação e armazenamento de gás. O cliente único da FLNG Coral Sul será a British Petroleum (BP) que compra[1]rá toda a produção por um período de, pelo menos, 20 anos, com possibilidade de prorrogação por 10 anos. ~
Para facilitar o financiamento por dívida de terceiros na construção do navio FLNG, o consórcio criou uma terceira empresa como veículo de propósito específico (SPV) nos Emirados Árabes Unidos (EAU), denominada Coral Sul FLNG DMCC. A empresa está sediada na Zona de Comércio Livre (ZCL) do Dubai Multi Commodities Center (DMCC). A criação da empresa visa não só aproveitar os benefícios fiscais da ZCL, como também beneficiar de isenções de impostos retidos na fonte sobre dividendos e pagamentos de juros previstos pelo Tratado de Dupla Tributação entre os EAU e Moçambique.
A Coral Sul FLNG DMCC obteve financiamentos na ordem dos USD 4.700 milhões, cobrindo cerca de 65% dos custos do projecto. A Coral Sul FLNG será, nos próximos anos, o único projecto de gás natural a produzir no norte de Moçambique.
Apesar das receitas importantes para o Estado, serão insuficientes para cobrir os elevados encargos resultantes do pagamento da dívida externa do país, inflaccionada pelos mais de USD 2.000 milhões de crédito resultantes das chamadas “dívidas ocultas”, envolvendo empresas criadas para o efeito (EMATUM, MAM e Proindicus).
A reestruturação dos títulos da dívida da EMATUM em 2016 sustentou-se no pressuposto de que os reembolsos seriam feitos por completo em 2023, suportado nas receitas do gás natural. Actualmente, apenas a Coral Sul FLNG tem potencial para produzir até essa altura, com receitas anuais inferiores a USD 100 milhões/ ano nos primeiros nove anos de funcionamento.
O falhanço das previsões do governo, em parte devido à situação de insegurança em Cabo Delgado e às condições económicas internacionais, levou o governo a propor a emissão de um novo Eurobond para pagar os juros dos empréstimos, começando a reembolsar os credores apenas em 2029 e prometendo aos credores o equivalente a 5% das receitas de GNL até 2033 e até um máximo de USD 500 milhões.
A suspensão do projecto Mozambique LNG, liderado pela Total, comprometeu essa solução, acabando por ser descartada, já que o gás produzi[1]do nos próximos anos - USD 760 milhões de receita do governo até 2030 - será apenas uma parte do necessário para amortizar os empréstimos. O projecto da Área 4 continuará em fase de reavaliação, estando assim definitivamente comprometidas as expectativas de uma decisão final de investimento (FID) no curto prazo e início da produção em 2025 do projecto, Rovuma LNG.
Segundo estimativas no sector, o melhor cenário actual é o início da produção na Área 4 em 2027, caso a FID venha a ocorrer em 2022. O operador irá refazer o projecto no sentido de o tornar menos poluente e mais eficiente, estimando-se que se acentue a articulação de prazos com o consórcio da Área 1, liderado pela Total, cujo “site” será partilhado com a Área 4.
As operações da Área 1 estão suspensas e com previsão de retoma a partir de 2022. Outros factores como a situação de segurança em Cabo Delgado, o horizonte de retorno dos investimentos e a carência de infraestruturas na província constituem elementos presentes na decisão de reformulação do projecto.
REDACTOR – 07.01.2022