Por Edwin Hounnou
O regime de triste memória do regime de Samora Machel (1975-1986), cuja governação era eminentemente híbrida entre a ditadura com características comunistas e a gestão popularizada das zonas libertada, provocou graves danos morais e humanos nas famílias de moçambicanos de todas as cores e estractos sociais, incluindo na vida de seus companheiros de armas que acreditavam na justeza da luta que haviam abraçado. A intolerância política era a pedra de toque do regime samoriano que, em grande medida, precipitou o país na guerra dos 16 anos que destruiu a economia nacional, ceifou vidas humanos e o tecido social. O atirar as culpas da guerra dos 16 anos aos então regimes racistas do Apartheid que vigorava na África do Sul e na Rodésia do Sul, hoje Zimbabwe, ignorando as causas internas, é uma fuga para frente, é mentir ao povo e à História.
Existem causas internas que desempenharam um papel preponderante para que o país pegasse fogo. O regime julgava-se acima de todos e dispunha do destino de cada moçambicano. Não havia espaço para uma opinião diferente para além da “linha correcta". O povo lutou contra o ocupante estrangeiro, o que aplaudimos, mas, a seguir não logrou a liberdade. O povo saiu de um opressor estrangeiro branco para ser oprimido por um preto nacional. O povo caiu em precipício onde não se podia falar, nem pensar diferente. As liberdades individuais como o movimento livre e de reunião foram eliminadas. Matava-se com base em intrigas. Uma mentira era quanto bastava para ser preso e morto. Passou-se a viver num país atípico onde o amanhã era uma incerteza.
No dia 30 de Janeiro de 1981, a força aérea sul-africana bombardeou Matola. Machel iniciou uma purga que, segundo ele, o feiticeiro só entra quando alguém de dentro lhe abre a porta, para com isso dizer que os militares sul-africanos levaram a cabo aquele ataque por ter havido de dentro a ajudá-los. Este sempre foi o argumento dos fracos que se recusam a reconhecer a sua fraqueza, pois só podia ser por uma unha negra que o exército moçambicano conseguisse enfrentar, com algum sucesso, as forças armadas sul-africanas, as mais bem equipadas e treinadas de todo o continente africano.
Moçambique tinha um exército ainda incipiente e mal equipado com o resto e obsoleto armamento da Segunda Guerra Mundial e Machel pensava que poderia enfrentar o exército sul-africano. Assessorado por violadores dos direitos humanos, Machel promove um comício, na Praça da Independência, em Maputo, onde tentou justificar o fracasso do exército alegando infiltração do inimigo no seio das forças armadas. Apresentou os presos que nada tinham a ver com os fracassos das forças moçambicanas. Os fracos nunca reconhecem as suas fraquezas, sempre procuram fazer vítimas.
Foi assim que o então chefe da Contra-Inteligência Militar, o odioso Lago Lidimo, arqui-inimigo do meu irmão – FERNANDES BAPTISTA – influenciou a Machel, que gostava de intrigas, deu luz verde para que, a 08 de Março, no âmbito de caça às bruxas, o meu irmão fosse preso, torturado e enviado para um campo de reeducação, em Cabo Delgado, para onde Lidimo e sua estirpe se deslocavam, com frequência, para as sessões de torturas. Decidiram transferir os presos para a Fortaleza da Ilha de Moçambique. Como o então presidente de Portugal, general Ramalho Eanes, ia visitar Moçambique e chegaria à Fortaleza da Ilha, ora transformada em cadeia política, os presos foram retirados para um outro centro. O meu irmão e seu colega, debilitados e com os olhos extraídos, Machel disse a Lidimo que os dois fossem eliminados fisicamente. Assim, postos em sacos de ráfia, com pedras no fundo, amarrados dos pés às mãos e jogados ao mar, ao largo da Ilha. Obtivemos estas informações através do marinheiro, já falecido, que conduziu a fragata da marinha que levou, ultima vez, o meu irmão e seu do colega do martírio.
Lidimo, agora está mais para lá do que para cá, assassinou FERNANDES BAPTISTA e JOSSIAS DHLAKAMA, em data não muito precisa, mas acredita-se que tenha sido entre Junho e Julho de 1981. Nos finais de Julho desse mesmo ano, o tenebroso SNASP – Serviço Nacional de Segurança Popular – tipo polícia nazi do regime samoriano, difundiu um comunicado em que apelava aos GD's, milícias, grupos de vigilância para capturarem dos perigosos espiões evadidos da cadeia". Era tudo falso para ludibriar. Eles não haviam fugido. Foram torturados, extraídos os olhos e jogados para o fundo mar. FERNANDES BAPTISTA e o seu colega JOSSIAS DHLAKAMA não foram julgados por nenhum tribunal ainda que o país estivesse independente. É impossível atribuir qualquer culpa a pessoas que não foram julgadas por um tribunal. A decisão de amigos não tem nenhum efeito legal. Um regime que se fundamenta em livre arbítrio é prática de um regime ditatorial.
O meu irmão e seu colega talvez tivessem cometido algum delito mas não foram presentes a nenhum tribunal. Se acham justo o que fizeram, que expliquem em que se fundamentaram para assassinarem dois cidadãos que deram o melhor de si em defesa da pátria. Os órgãos de justiça implantados em todo o território nacional, mas não foram chamados achados para apreciarem e avaliarem a existência qualquer indício criminal. Lidimo e seus amigos eram tudo quanto se podia imaginar : assassinos, bandidos e incompetentes.
O sistema político implantado a seguir a independência não garantia justiça, funcionava com base em grupos de assassinos e criminosos, muitos deles viraram lesa-pátria, afundaram a economia e empurraram o país numa guerra civil. Informações relevantes sugerem que Lidimo já vinha, desde da luta armada, assassinando pessoas inocentes alegando serem agentes do inimigo e essa prática continuou por muitos anos depois da independência nacional, pois corria-lhe nas veias o sangue de inocentes.
Depois da recolha de dados do que se passou com o meu irmão, escrevi uma carta ao presidente Machel com conhecimento dos então ministros da Defesa Nacional, Alberto Chipande e Comissário Político Nacional das FPLM, Armando Guebuza, em que procurava saber três coisas : 1. O que FERNANDES BAPTISTA fez de tão errado para merecer a morte? 2. Com quem ficou a casa dele? 3. Com quem ficaram os seus bens? Como resposta, Lidimo me mandou prender em plena sala de aulas, na Escola Militar Samora de Nampula. Fui encarcerado, torturado e depois levado para Maputo a fim de ser submetido a um interrogatório de Lidimo. Viajei algemado de ANTONOV. Depois de umas ameaças e me ter perguntado se também queria fugir, ordenou que eu regressasse e me mantivesse calado. Até ao momento nunca a família recebeu qualquer informação sobre o destino que lhe deram, 41 anos depois.
Tenho livros de um meu antigo cadete da Escola Militar de Nampula foi transferido de Boane para Zambézia. Pediu-me, em Maputo para ficar com os seus livros que, no regresso, os recolheria. Soube eu mais tarde que Lidimo mandou fuzilá-lo. Também não foi presente a nenhum tribunal. Os livros continuam no mesmo canto à espera pelo dono. Lidimo é um assassino de mãos largas que se julgava com poderes de decidir o destino a dar a quem quisesse. Machel dava-lhe a liberdade de matar a seu gosto.
A família ainda pergunta ao regime da Frelimo : onde está o nosso irmão FERNANDES BAPTISTA? Se o assassinaram, que é o mais provável, exige que lhe sejam entregues os seus restos mortais! A justiça não pode ser feita pelo tempo. Temos que agir ainda que tenhamos a consciência do perigo que isso representa.
CANAL DE MOÇAMBIQUE - 26.01.2022.