Eu preferia viver lá [na base], porque estávamos confortáveis, sem problemas de alimentação e convivíamos à vontade. Aqui só para ter de comer é um problema muito sério. Não esperava ficar por muito tempo em casa do meu filho porque ele precisa de estar relaxado com a sua família, mas hoje estou nesta situação desconfortável
Alguns desmobilizados da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) que falaram para o jornal Redactor dizem, de boca cheia, estarem “arrependidos” por terem aderido ao processo de Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração (DDR), igualmente classificado pelo próprio líder deste partido, Ossufo Momade, como “estagnado”.
Na terra natal de André Matadi Matsangaissa, fundador da RENAMO e palco de algumas das principais ofensivas militares protagonizadas por esta organização, o Redactor foi entrevistar alguns desmobilizados que agora estão estabelecidos na província central moçambicana de Manica.
Uns aceitaram gravar entrevista e se deixaram fotografar, mas outros declinaram fazer registos para a posterioridade.
Todavia, todos eles expressaram arrependimento por ter aderido ao DDR e dizem que, comparando com o que vivem hoje, para eles melhor se sentiam nas matas e armados. Manica conta, actualmente, com pouco mais de 400 desmobilizados da RENA[1]MO de um universo de pouco mais de cinco mil por desarmar, oficialmente até junho deste 2022.
Perto de 50 destes escolheram fixar residência nesta província. É neste grupo que encontramos os que aceitaram falar para a nossa Reportagem, com um denominador comum: “fomos enganados e abandonados” O sentimento de frustração é igualmente o manifestado pelo presidente da RENAMO, Ossufo Momade, que diz estar a trabalhar “dia e noite” para resolver este impasse, mas esbarrando com uma falta de lealdade por parte do Governo, ante a aparente indiferença da “comunidade” internacional que neste dossier tem como face o suíço Mirko Manzoni, representante do Secretário-Geral da Organização das Nações Uni[1]das.
“Não podemos enganar o povo moçambicano, dizermos que (o DDR) está a andar, enquanto não está a andar […]. Estão a brincar connosco”, desabafa Ossufo Momade.
Preferível viver na base
Já os desmobilizados por nós entrevistados se queixam do incumprimento das promessas por espaços para erguer as suas habitações, pensões vitalícias e apoios para iniciar projectos que garantam a sua subsistência e dizem que preferem estar nas bases ao invés de viver na indigência a que estão hoje votados.
Um dos exemplos é uma antiga capitã da RENAMO - aderiu à guerrilha em 1980 -, hoje com 54 anos e actualmente a viver em Chimoio, em casa do seu filho numa “habitação minúscula” e a enfrentar um quotidiano “simplesmente insuportável”. “Eu preferia viver lá [na base], porque estávamos confortáveis, sem problemas de alimentação e convivia.
Esconde o seu desencanto por ter aderido ao DDR, alegadamente porque está a passar por necessidades básicas para sobreviver, o que, repete, não acontecia quando estava nas matas e armado. “Mil vezes prefiro estar em Gorongosa, porque lá tínhamos uma convivência sã, estávamos folgados, nosso partido nos apoiava. Aqui me sinto traído porque não tenho casa, não tenho emprego. Estou a passar por maus bocados onde estou, até passo fome”, disse este homem hoje com 58 anos e nas fileiras castrenses da RENAMO desde 1984.
Este também diz que respondeu à chamada de regressar às matas em 2015, depois das emboscadas contra Afonso Dhlakama em Xibate, na província de Manica, a 12 de Setembro e em Gondola, na mesma província, no dia 25 do mesmo mês, nas quais espantosa[1]mente o então líder da RE[1]NAMO escapou ileso.
O nosso entrevistado diz, também, que regressou às montanhas “não para fazer guerra, apenas para reivindicar os nossos direitos que estavam a ser traídos e o nosso líder constantemente ameaçado de forma violenta”. “Hoje também me sinto traído porque quando nos convenceram a descer das montanhas e entregar as armas nos prometeram muitas coisas que não estão a cumprir. Nos disseram que teríamos pensões vitalícias, apoio para iniciar projectos se subsistência e espaços para erguer as nossas casas. Todo isso não está a acontecer. Para mim, isso é traição”, frisou o nosso entrevistado, devidamente identificado.
Ossufo Momade, actual presidente da RENAMO, disse na semana passada na província de Nampula que mesmo os 36 guerrilheiros recém-integrados na Polícia da República de Moçambique (PRM) em cerimónia pomposa foram dadas férias indeterminadas e estão entregues à sua sorte, sem sequer receber os devidos salários.
“Aquilo que foi acordado na mesa [negocial com o Governo] é que os desmobilizados da RENAMO estariam enquadrados na PRM, o que não está a acontecer. Nós estamos preocupados”, lamenta Momade, para quem o regime apenas se preocupa em desarmar e ficar com os dados pessoais de cada desmobilizado dos antigos seguidores de Afonso Dhlakama.
O actual líder da RENAMO diz que o seu partido está a honrar a parte que lhe toca relativamente ao Acordo de Paz Definitiva assinado aos 06 de Agosto de 2019 em Maputo. “Que o governo da Frelimo que pudesse também mostrar a boa vontade que nós temos hoje, porque se uma parte está a cumprir e outra parte está a deixar de cumprir estamos a violar o que foi acordado na mesa de negociação”, reclama Ossufo Momade.
REDACTOR – 15.02.2022