Por Edwin Hounnou
Conheci Daviz Simango em 1985, na Faculdade de Engenharia da Universidade Eduardo Mondlane e nos fomos cruzando, pelos corredores da Faculdade, até 1990. Daviz estava a cursar Engenharia Civil e eu, a Engenharia Mecânica, portanto, estudávamos e departamentos diferentes. Juntos fizemos as cadeiras como Matemática Básica, Física Básica, Química Básica e mais tarde voltamos a nos encontrar nas cadeiras de Análise Matemática I,II, e III, Electrotecnia, Resistência dos Materiais I e II, entre outras, apenas em aulas teóricas. As práticas decorriam em turmas nos respectivos departamentos. Depois disso, cada um ficou confinado no seu departamento onde tínhamos muito bons professores, entre soviéticos, alemães e cubamos.
Simango era um estudante brilhante que chamou a atenção do Professor Doutor Engenheiro Carmo Vaz que o escolheu para seu assistente. Durante o curso nunca foi à recorrência a nenhuma cadeira. Limpava todas as cadeiras. Simango jogava a bola com colegas. Gostava de jogar futebol. Nunca manifestou aos colegas, pelo menos que a gente soubesse, que o regime machelista lhe assassinaram os pais por motivos até agora não explicados. Era isso que a mãe, a partir do campo da reeducação, pediu, através de Manuel Pereira, outra vítima do regime, que os filhos estudassem muito, escreve Barnabé Ncomo, no seu livro : “Uria Simango : um homem, uma causa”, em que deita abaixo a teoria de conspiração do regime machelista que chamava de reaccionários e ambiciosos a pessoas de bem e nacionalistas consagrados.
Eu soube do martírio do casal Simango queria detalhes de Lutero Simango, meu colega de turma de curso de Engenharia Mecânica (1985-1990) e irmão mais velho de Daviz. Lutero contou depois de muita insistência porque queria ouvir uma outra versão da nossa História. Queríamos entender a crueldade do regime samoriano, envolto em mito de libertador e bravura. Acabamos sabendo que o que se falava do Reverendo Uria Simango era tudo falso. Ficámos a saber da barbaridade de gente que dizia ter lutado para que o povo tivesse liberdade até de pensar diferente, porém, o regime machelista era pior que o sistema colonial.
Voltei a encontrar Daviz durante a sua primeira campanha, em 2003, para as eleições municipais, na Beira, como candidato da Renamo. Perguntei-lhe com quem iria governar em caso de vitória. Não se fez de rogado, naquela sua característica que lhe era peculiar, respondeu : John, vamos bater. Vou governar com estes que fazem campanha comigo. O povo está cansado de mentiras. Fiquei a entender que Daviz era de outra galáxia. Tinha qualidades para bem alto. A seguir a vitória de 2004, começamos a trabalhar juntos, pensando no que seria bom para Beira. A nossa amizade ganhou raízes cada vez profundas.
Em 2008, uma onda de intrigas fustigou a cúpula da Renamo que, à última hora, troca Daviz por Manuel Pereira para seu candidato na autarquia da Beira. As bases da Renamo mandaram passear a tal decisão e continuaram apostando em Daviz. Para mostrar o quão era querido, Daviz derrota os candidatos da Renamo e da Frelimo. Era preciso pensar em outros voos : um movimento para estender a experiência da governação da Beira por todo o país. Ao lado de Daviz, percorremos todo o país, anunciando que era possível mudarmos o nosso destino comum. As pessoas esperavam por Daviz até altas horas da noite, debaixo da chuva, a cantar e a dançar. Muitas vezes, altas patentes da Frelimo faziam vida negra à caravana de Daviz. Passámos noites debaixo da chuva e em carros, porque havia ordens superiores” para as penões não nos acolherem.
Em algumas cidades e vilas, todos os campos disponíveis estavam fechados, ocupados pela OMM, OJM e ACCLIN, como foi em Lichinga, Alto-Molócue e Gaza Não havia lugar para fazer comícios nem para se reunir com seus apoiantes. Em Lugela, Zambézia, a caravana teve ser recolhida por padres quando passava da meia-noite e o dono da pensão, banhado em lágrimas, devolvia o dinheiro pago de aluguer de quantos. As comunicações tinham sido desactivadas por alguma 'ordem superior'.
Fazes um ano que partiste no próximo dia 22 deste Fevereito, meu amigo, meu shamwary! Continuamos com o combate de construirmos um Moçambique para todos, onde todos possamos ter as mesmas oportunidades como filhos da mesma terra. Ainda choraremos por ti por muitos e longos anos, meu herói!
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 16.02.2022