ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Olá… amigos, estamos vivendo um momento realmente muito tenso, na madrugada de [24] / [02] / [22] a invasão da Rússia na Ucrânia remexe a situações futuras possíveis de serem catastróficas, e realmente é aquele dia que se torna histórico.
E pensando justamente nisso, e sendo este um canal de opinião como nós podemos reflectir sobre questões de guerra, de paz, sobre questões da relação política entre os povos e muito se debate na filosofia sobre isso especialmente na parte da filosofia política, da parte da filosofia moral, da filosofia jurídica.
Diria assim, na parte da filosofia prática; a filosofia prática tem muito interesse nesse tipo de debate e há muitos, muitos filósofos que tratam deste assunto que tratam do assunto da guerra, do conflito, do conflito armado, da luta, da morte e da paz, especialmente da paz.
De facto, temos muitos autores na filosofia que acabam discutindo e nos ajudando bastante nesse debate e inclusive não só autores antigos, mas de todos os períodos: medievais, modernos e contemporâneos como o Santo Agostinho por exemplo, na antiguidade, vários autores que falam da luta; na modernidade nós temos muitos como os contratualistas ou mesmo o Maquiavel.
No período contemporâneo nem se fala, tem toda uma linha que vai discutir essas questões de geopolítica dentro da filosofia. Então, mesmo não sendo uma ciência, mesma não tratando dos factos a filosofia pode nos auxiliar para entender esse [s] momento [s]; apontando luz ou pelo menos fazendo essa análise um tanto quanto, mais abstracta sobre o cenário que agente está vivendo agora.
Todos caminhos podem ser discutidos, por exemplo; a questão do caminho político, das negociações, agora estamos já no caminho das sanções, ou seja, da via mais económica, podemos entrar na via militar, infelizmente…
Quer dizer, a filosofia pode nos ajudar a [reflectir] sobre essas questões, por isso, decidi escrever esta carta, tratando justamente deste problema da guerra, da possível «terceira guerra» ou não, não se sabe o que vai acontecer ainda ao certo, se têm luzes +– pelos analistas políticos, pelos que fazem análises de maneira série eles estão apontando vários caminhos. Mas, aqui não vou entrar nesse debate particular, e não vou também analisar pontualmente questões práticas desse conflito, dessa guerra da Rússia com a Ucrânia.
Porém, vou apresentar um autor, poderia apresentar vários, mas escolhi um autor para falar um pouco com você [s] sobre o actual momento, que é o Immanuel Kant, a partir do livro dele, Opúsculo, um ensaio chamado «A Paz Perpétua». Destarte, pelo titulo do livro que foi publicado em 17[95] nós já sabemos qual é a grande proposta, posta aqui por Kant essa busca duma paz perpétua.
É interessante, Kant vive momento das Revoluções; nós temos a Revolução inglesa, temos a Revolução americana, Revolução francesa. Realmente, o período moderno é marcado por Revoluções claro que não vive as grandes guerras como as que ocorrem no século [XX], como a primeira e a segunda, mas nós podemos pensar via esse projecto kantiano um pouco dessa ideia duma paz perpétua.
E, o que Kant disse nesse pequeno Opúsculo que eu vou mencionar aqui algumas teses centrais, nos ajudam a entender um pouco também o que foi a Liga da Nações inicialmente e o que é a ONU hoje.
O Kant nos apresenta inicialmente artigos preliminares sobre a preparação a paz perpétua. Ele fala dos artigos preliminares que são seis e depois ele apresenta artigos definitivos que são três em relação a efectivação da paz perpétua. Primeiro ele trata da preparação da paz perpétua e depois daí a efectivação. Então, aqui o que motivou esta carta foi o conflito, foi a luta, foi a guerra, mas a minha proposta nesta carta é reflectir sobre a paz. E o que o Kant diz:
No primeiro artigo preliminar como preparação a paz perpétua o Kant diz: «não se deve considerar como válido nenhum tratado de paz, que tenha sido feito com a
reserva secreta de elementos para uma guerra futura» muitíssimo claro e sem comentários.
Artigo dois: «nenhum Estado independente poderá ser adquirido por outro mediante herança, troca, compra ou doação». Neste artigo, nós temos a ideia do Estado sendo um fim em si mesmo. Ou seja, o Estado não é um meio, mas um fim em si mesmo. Daí, isso que ele declara nesse segundo artigo.
Terceiro artigo: «os Exércitos permanentes devem com o tempo desaparecer totalmente». Bom!... Aqui parece meio utópico, mas justamente pela tese central do Kant, que é a busca dessa paz perpétua não tem sentido existir Exército, se há uma paz perpétua. Contudo, ele vai dizer, que essa paz perpétua é impossível, mas devemos sempre estar no caminho buscando ela.
Quarto artigo, ele diz: «não se deve emitir dívidas públicas em relação aos assuntos de política exterior». Aqui o que Kant está falando sobre o problema de financiamento da guerra e o problema de manter os respectivos Estados em condição de dependência económica, política e cultural. Então, aqui sobre essa questão do financiar a guerra e manter esses Estados nessa dependência; numa dependência económica, numa dependência cultural. E o que se percebe muito aqui é justamente a questão da económica.
Quinto artigo, ele diz: «nenhum Estado deve intervir pela força na Constituição ou no Governo de outro Estado». E aqui nós temos o princípio da autonomia dos Estados, e tudo isso é visando a paz perpétua, é nos preparando a paz perpétua. Nós alcançamos ela hoje? Não! Porquê, porque talvez faltou isso.
Sexto e último artigo: «nenhum Estado em guerra com outro deve permitir tais hostilidades que tornem impossível confiança mútua na paz futura como por exemplo; emprego no outro Estado de assassinos e envenenadores a instigação a traição etc.».É mais do que actual.
Portanto, esses são seis artigos que Kant está apresentando para a preparação a paz perpétua e novamente eu ressalto que quando há guerra, conflito como esse que estamos vivendo é justamente pela falta disso, pela falta do respeito desses seis artigos, que o Kant apresenta.
Cito logo a seguir os artigos definitivos para efectivação da paz perpétua.
O primeiro é o artigo da constituição republicana: «a Constituição civil deve ser republicana. Na Constituição republicana se requer o consentimento dos cidadãos para declarar guerra». Kant defende uma Constituição republicana, primeiro e segundo uma federação de Estados de Estados livres, e ele diz: «o direito dos povos deve fundar-se numa federação de Estados livres”. A ideia de autonomia, essa ideia do Estado sendo um fim em si mesmo, essa ideia do Estado livre em relação a sua autonomia.
E terceiro e último; Kant fala do direito cosmopolita e a hospitalidade. «O direito cosmopolita trata da hospitalidade universal do respeito ao direito dos cidadãos do mundo como seres humanos, do tratamento dos cidadãos de um Estado quando visita um outro Estado». É o que falta! É justamente o que falta hospitalidade. Óbvio, se há uma guerra não há hospitalidade e essa efectivação da Paz Perpétua, segundo Kant, por meio duma Constituição republicana, depois vai falar dos Estados livres e por fim vai falar dessa questão da hospitalidade, do direito cosmopolita ou nessa ideia do cosmopolitismo é o que de facto nós efectivamos essa paz perpétua.
Bom… pessoal, eu apenas quis mencionar isso e destacar justamente que essa busca pela paz perpétua é algo que deve ser [cumprido] passo a passo mesmo que ela não seja atingida. E eu diria inclusive que seria algo impossível devido a humanidade, devidas as características que a humanidade possui.
Porque sempre vai existir conflito, isso é inevitável e aqui eu faço uma leitura mais hegeliana, mas mesmo destarte, essa ideia do Kant é interessante justamente para tratar da questão da dignidade, do respeito aos povos, da autonomia dos Estados e mesmo não sendo cumprida nós podemos passa a passo nos aproximar sempre mais disso.
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo, aos [27] de Fevereiro 20[22]