Pelo menos quatro pessoas ficaram esta terça-feira feridas na sequência da tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau, no palácio do Governo, disse à Lusa fonte do Hospital Simão Mendes, em Bissau.
De acordo com a mesma fonte, todos os feridos foram transportados do Palácio do Governo para aquele hospital, sendo que três são ligeiros e um está em estado grave.
Os militares entraram cerca das 17:20 no palácio governamental guineense e ordenaram a saída dos governantes que estavam no edifício. Segundo fonte governamental, “cerca das 17:20 [hora local e em Lisboa], os militares chegaram ao Palácio do Governo e disseram aos membros do Governo para saírem” e o local ficou apenas com militares, acrescentou a mesma fonte, indicando desconhecer o paradeiro do primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam, e do Presidente, Umaro Sissoco Embaló.
No entanto, horas depois foi revelado que o Presidente da Guiné-Bissau saiu mas entretanto voltou ao Palácio Presidencial e vai falar ao país às 19.00 locais (mesma hora em Lisboa). Antes, em declarações à AFP, Embaló disse que está “tudo bem” e “sob controlo”.
De acordo com declarações à CNN do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, o golpe de Estado terá “falhado”. A mesma versão foi avançada por uma fonte da Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal: “A serenidade voltou a Bissau. A tentativa de subversão da ordem Constitucional fracassou”.
Quando começou o ataque, no decurso do Conselho de Ministros desta terça-feira, alguns membros do Governo conseguiram fugir por um muro de vedação nas traseiras do palácio e confirmaram à Lusa que estão em segurança.
Vários tiros junto ao Palácio do Governo da Guiné-Bissau foram ouvidos às 15:00 desta terça-feira e em redor da zona militares colocaram um perímetro de segurança e não deixam passar civis.
Desde a hora do almoço, já tinham sido ouvidos tiros de bazuca e rajadas de metralhadora junto ao palácio do Governo da Guiné-Bissau, onde decorria um Conselho de Ministros, com a presença do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, e do primeiro-ministro, Nuno Nabiam.
Num perímetro de cerca de 500 metros à volta do edifício, os militares colocaram barreiras para impedir o acesso da população à zona, onde também não circulam carros.
Segundo testemunhas contactadas pela Lusa, perto do Palácio da Justiça está uma brigada de intervenção e vários militares e elementos das forças de segurança, um sinal de golpe de Estado em curso.
Homens armados impedem também o acesso à zona do Palácio Presidencial em Bissau.
A tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau, com os militares a ocuparem os palácios do Governo e Presidencial, acontece após meses de tensão entre o Presidente e o primeiro-ministro.
As relações tensas entre Umaro Sissoco Embaló e Nuno Gomes Nabiam agravaram-se nos últimos meses de 2021 por causa de um avião Airbus A340, que o Governo mandou reter no aeroporto de Bissau, onde aterrou vindo da Gâmbia, com autorização presidencial.
O avião, um Airbus A340, aterrou em Bissau em 29 de outubro a pedido do gabinete do chefe de Estado. O primeiro-ministro decidiu impedir o avião de sair do país por suspeita de que teria armas a bordo e anunciou uma investigação externa.
Dias depois, perante os deputados no parlamento, Nuno Nabiam afirmou que a peritagem internacional, por si solicitada, concluiu que não havia armas a bordo, mas não deu mais detalhes.
Este incidente levou mesmo o Presidente a ignorar o chefe do Governo na cerimónia das comemorações do 56.º aniversário da criação das Forças Armadas, em 16 de novembro.
Ao levantar-se tribuna de honra para se dirigir para um palanque instalado na pista de tartan do Estádio Nacional 24 de setembro, Sissoco Embaló estendeu a mãos a vários dignitários nacionais e internacionais convidados, mas ignorou por completo Nabiam, que se encontrava na mesma fila.
Na ocasião, o primeiro-ministro desvalorizou e disse que as suas relações com o Presidente eram “normais”, embora admitindo alguma “divergência de pontos de vista”, que considerou “conjuntural”.
Na sequência do incidente, Sissoco Embaló chegou mesmo a ameaçar demitir Nabiam, lembrando que aquele não chegou ao cargo por via de eleições legislativas, mas por indicação sua.
Na semana passada, um novo clima de tensão gerou-se em torno da remodelação governamental, decidida pelo Presidente da República, e que foi contestada inicialmente pelo partido liderado por Nuno Nabiam. Posteriormente, o líder do Governo disse que concordava com a remodelação feita.
Entre os governantes afastados na remodelação está o ex-secretário de Estado da Ordem Pública guineense Alfredo Malu, que disse que a sua saída está relacionada com a sua atuação no caso do avião retido no aeroporto de Bissau.
Nas declarações aos jornalistas, o ex-secretário de Estado sublinhou que o Presidente da República considerou que foi da sua autoria a ordem de inspeção ao aparelho por parte de uma equipa de peritos norte-americanos.
No entanto, o clima de tensão estendia-se também ao parlamento, com Sissoco Embaló a ameaçar várias vezes com a dissolução.
Entre as divergências, está o projeto de revisão constitucional. O Presidente nomeou uma comissão para elaborar uma proposta de revisão e o parlamento realizou um trabalho paralelo, argumentando que cabe à Assembleia Nacional essa iniciativa, de acordo com a Constituição em vigor.
Nova crise institucional surgiu depois com a polémica da assinatura, por parte do Presidente, de um acordo sobre partilha de recursos naturais com o Senegal, que o parlamento considerou nulo e que foi também contestado pelo primeiro-ministro, que disse que só teve conhecimento do acordo ‘a posteriori’.
Apesar destas crises, o Presidente defendeu perante deputados, membros do Governo, chefias militares e elementos da sociedade civil que lhe foram apresentar cumprimentos de Novo Ano, em 05 de janeiro, que a Guiné-Bissau “conseguiu reerguer-se em 2021 ao sair de crises cíclicas”.
Dirigindo-se aos deputados, o Presidente guineense destacou que a partir de 2021 a Guiné-Bissau “deixou de ser um país que se sujeitava ao acompanhamento permanente da comunidade internacional”.
Mas Sissoco Embaló voltou, nesta ocasião, a lembrar aos deputados que de acordo com a Constituição apenas o chefe de Estado tem poderes para operar mudanças nos outros órgãos da soberania, deixando novamente a ameaça de dissolução.
“O parlamento deve contribuir para prevenir a radicalização política, deve promover o debate sereno das questões de interesse nacional, sem cair na agitação social. Os guineenses precisam do apaziguamento social e não do agravamento das tensões sociais e menos ainda de fraturas políticas”, notou Umaro Sissoco Embaló.
Estes quase dois anos de mandato do Presidente foram, assim, marcados por sucessivas crises internas e de conflito institucional.
Sissoco Embaló autoproclamou-se Presidente em 27 de fevereiro de 2020, numa cerimónia realizada numa unidade hoteleira de Bissau, enquanto ainda decorria um contencioso no Supremo Tribunal de Justiça sobre os resultados das eleições, interposto pelo seu adversário na segunda volta das presidenciais, Domingos Simões Pereira.
Embaló demite então o Governo liderado por Aristides Gomes, do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), vencedor das legislativas de março de 2019, e nomeia Nabiam como primeiro-ministro.
O Presidente só viria a ser reconhecido pela comunidade internacional em 23 de abril de 2020, numa cimeira extraordinária da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Marcelo falou com Sissoco e condena “atentados à ordem constitucional”
O chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, falou por telefone com o Presidente da Guiné-Bissau, Sissoco Embaló, a quem transmitiu a sua condenação dos “atentados à ordem constitucional” neste país africano.
Esta informação consta de uma nota publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet, que tem como título “Presidente da República condena ataque ao Palácio do Governo em Bissau”.
Segundo esta nota, o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, “acompanhou a par e passo, com preocupação, a situação em Bissau, tendo já falado telefonicamente com o Presidente Sissoco Embaló, a quem transmitiu a sua condenação veemente, que é a mesma do Governo português e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a estes atentados à ordem constitucional na Guiné-Bissau”.
Guterres pede “fim imediato” dos “combates violentos” em Bissau
O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, apelou ao “fim imediato” dos “combates violentos” em Bissau e ao “pleno respeito pelas instituições democráticas do país”.
Num comunicado distribuído pelo seu porta-voz, Guterres disse estar “profundamente preocupado com a notícia de combates violentos em Bissau”, onde está a decorrer um golpe de Estado, com o palácio do Governo e do Presidente da República cercados por homens armados.
Na mensagem, o antigo primeiro-ministro português pede também “o fim imediato dos combates e o pleno respeito pelas instituições democráticas do país”.