Novas vagas de deslocados têm surgido nos últimos dois meses, devido ao regresso e dispersão das células armadas de inspiração islâmica, para zonas anteriormente pouco afectadas pelo conflito, como a parte Norte do distrito de Mueda e de Nangade, a margem Sul do rio Messalo, Meluco e zonas de fronteira com as províncias do Niassa e Nampula
As consequências do conflito em Cabo Delgado para as populações locais têm vindo a alterar a histórica escassa presença de organizações da sociedade civil (OSC) na província. Há actualmente cerca de uma centena de OSC na província e cerca de 20 parceiros bilaterais e multilaterais, incluindo várias agências da ONU (PNUD, FAO, UNICEF), centradas no apoio aos programas governamentais e assistência humanitária.
Perto de 30 ONG’s presentes no território recebem apoio dos parceiros de desenvolvimento e prestam serviços ou trabalham em parceria com organizações da sociedade civil local como o CDD, MASC, IESE e outras, financiados pelos países nórdicos, União Europeia, Suíça, EUA, Reino Unido, entre outros.
O prolongamento do conflito tem vindo a comprometer o apoio humanitário externo, a reconstrução da província e o regresso organizado das populações. Novas vagas de deslocados têm surgido nos últimos dois meses, devido ao regresso e dispersão das células armadas de inspiração islâmica, para zonas anteriormente pouco afectadas pelo conflito, como a parte Norte do distrito de Mueda e de Nangade, a margem Sul do rio Messalo, Meluco e zonas de fronteira com as províncias do Niassa e Nampula.
As células armadas ainda se movem com intenções ofensivas nas zonas de implantação do contingente multinacional da SAMIM (SADC Mission in Mozambique) que, apesar do reforço gradual em homens e de meios, nomeadamente aéreos, revela dificuldades de progressão e de controlo sobre a vasta área da sua responsabilidade.
Ao contrário, tem sido notória a estratégia de não confrontação directa dos insurgentes com os militares ruandeses da Rwanda Defense Force (RDF), cujo número de elementos no terreno, assim como a preparação militar, supera a força regional. A presença de alguns estrangeiros, sobretudo tanzanianos, entre os insurgentes ainda persiste, tendo mesmo sido reportada a presença de três brancos (alegadamente sul- -africanos) por uma testemunha raptada pelos insurgentes.
A propaganda do Estado Islâmico/ ISCAP mantém-se activa, indiciando algumas ligações entre as células em Moçambique e a “máquina” do EI. Efectivos da SAMIM aquém do previsto
Num cenário de maior exigência, o número de tropas da SAMIM aproximar-se-ia dos 3.000 militares – mais do dobro do actualmente existente. No entanto, fontes militares defendem que a estabilização dos 17 distritos da província exige o reforço do empenhamento em homens no terreno e material de apoio inexistente.
A SAMIM previa destacar três batalhões de 620 operacionais, dotados de apoio aéreo e duas companhias das Forças Especiais em operações de perseguição e neutralização. A capacidade actual encontra-se aquém do previsto e especialistas militares consideram que, mesmo sendo alcançada, a falta de meios aéreos de combate e vigilância limita a capacidade operacional em terra.
Reforço do controlo sobre distritos ainda críticos e a necessidade de bloquear os acessos dos insurgentes às fronteiras externas e às províncias do Niassa e Nampula são prioridades para as quais é necessário o reforço humano e técnico da SAMIM.
A área de responsabilidade do contingente está a aumentar com a concentração dos militares e polícias ruandesas em Mocímboa da Praia e Palma/ Afungi. A visita a Maputo este Fevereiro do PCA da Total, Patrick Pouyanné teve como significado o empenhamento do grupo francês na retoma dos trabalhos do complexo de GNL em Afungi, mas os encontros mantidos serviram sobretudo para assinalar a necessidade de os ganhos alcançados, nomeadamente da recuperação de centros urbanos e de estradas antes controladas pelos insurgentes, serem consolidados.
Antes de escalar em Maputo, PP reuniu-se em Kigali com o PR ruandês Paul Kagame. A falta de clarificação da situação em Macomia pode ainda comprometer a ligação por terra Pemba - Mocímboa da Praia - Palma, um importante corredor logístico.
Está em curso a reconstrução de infra-estruturas socioeconómicas, com destaque para a reposição de energia, água e reabertura de algumas estradas. Apesar da confidencialidade do recente encontro entre chefias militares e policiais moçambicanas e ruandesas, o alargamento do empenhamento e da cooperação do Ruanda em Moçambique está decidido, a começar pela criação de equipas conjuntas da polícia moçambicana (PRM) e do Ruanda (Rwanda National Police/ RNP) para actuarem a montante das operações militares em curso em Cabo Delgado e nas províncias adjacentes.
Difícil prestar assistência
A segurança em Cabo Delgado não permite ainda o acesso das organizações assistenciais às zonas mais remotas, face à contínua falta de condições de segurança. A província é actualmente uma zona militar e as limitações de acesso ao pessoal civil estrangeiro prosseguem.
A circulação é feita sobretudo por via aérea, em particular em direcção a Pemba e Palma. As vias rodoviárias como a N380 e outras vias secundárias como Palma-Nangade, Nangade-Mueda e Mueda- -Mocímboa da Praia permanecem sob elevado risco.
A Sul, abrangendo os distritos de Macomia/ Quissanga mantém-se também uma situação de alto risco e circulação condicionada, normalmente possível apenas em grupos com segurança militar. O resultado tem sido a retenção dos funcionários das agências internacionais e ONG’s nas principais vilas de Cabo Delgado, contribuindo, por essa razão, para o crescimento da oferta da economia informal local, compensando a paralisação económica da província.
O crescimento da penúria alimentar, devido à interrupção da capacidade de produção e escoamento agrícola e piscatório, tem vindo a contribuir para a perda de peso das actividades de sectores produtivos relativamente à prestação de serviços de apoio ao universo de funcionários de ONG deslocados na província, com maior incidência em Pemba e Montepuez.
Entre estes serviços destacam-se o arrendamento de espaços para armazenamento, transportes de mercadorias e pessoas e alojamento; A falta de acomodação pelo governo dos cerca de 800 mil deslocados internos tem impelido as populações a regressarem a tempo da nova campanha agrícola, em especial nos distritos de Muidumbe, Mueda, Quissanga, Macomia ou Nangade.
O regresso desorganizado das populações tem provocado um aumento dos ataques de grupos armados contra os recém-regressados, assim como uma nova onda de raptos entre jovens e mulheres.
A emergência de conflitos locais entre deslocados e residentes pela posse da terra e perseguições a alguns líderes muçulmanos com influência local têm contribuído para o aumento de tensões sociais em algumas das principais localidades, dificultando crescentemente a eficácia da intervenção humanitária na região.
O papel de Celso Correia
Celso Correia, actual ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural e ‘braço direito’ de Filipe Jacinto Nyusi, actual Presidente da República de Moçambique, é responsável por dossiers junto de doadores e credores que lhe atribuem poder executivo e ‘músculo’ financeiro.
Em causa estão sobretudo fundos do Banco Mundial e outras agências para a agricultura e apoio às vítimas do terrorismo. Os dois principais instrumentos de Celso Correia são o Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS) - que desde que foi criado nunca apresentou um relatório e contas, muito menos de auditoria - e a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN). Fontes locais indicam que o dinheiro destes dois fundos está a ser usado para alimentar ‘sacos azuis’ para comprar apoios nas províncias e influenciar as eleições dos primeiros secretários e delegados ao nível da base do partido Frelimo, tendo em vista o próximo Congresso do partido, em que começará a ser decidido o sucessor de Nyusi.
REDACTOR – 21.02.2022