Por Edwin Hounnou
O Tribunal Judicial de Dondo cometeu injustiça ao decidir pela condenação de cidadãos acusados por crime que, em sede de produção de provas, não ficou provado - conspiração contra o Estado. Os seis réus – um foi restituído à liberdade, na última sessão da produção de prova - que vinham sendo julgados por aquele tribunal acabaram, contra todos os factos, sendo condenados a cinco de prisão por alegada preparação da conspiração e não pela conspiração contra a segurança do Estado. A trapaça não convenceu ao juiz da causa nem a nós. Vimos mais batota que um exercício da procura da verdade. Complicado quando a confusão é criado pelo Estado!
O princípio jurídico segundo o qual “in dubio pro reo", isto é, em caso de dúvida, deve-se decidir a favor do réu. Para cortar as possibilidades de os réus exigirem indemnização por terem sido privados de liberdade sem justa causa, o juiz condena os réus a cinco anos de prisão e convertidos em multa. Parece brincadeira de adultos pela falta de seriedade do tribunal. Fica claro que o Estado brinca com as pessoas quando interesses privados estiverem em causa, provocando recalcamentos. Neste caso, houve mais dúvidas que certezas, logo, o mais correcto seria absolver os réus e não condená-los.
Durante o julgamento, que assistimos minuto a minuto, dissemos que o maior erro seria a condenação, à excepção de, apenas, um que nos criou mais dúvidas que certeza, por não terem praticado qualquer crime, mas de que sabia que estava a concorrer para a efectivação de crime. A ser condenado seria na tentativa da prática de crime, pois foi a consumação do crime foi frustrada. O tal indivíduo recrutou, pagou as passagens de Marromeu para Dondo de candidatos a Junta Militar da Renamo. O visado já estava a caminho do local, distrito de Nhamatanda, localidade de Makorokocho, que ele bem sabia a fim de entregar os “recrutas". Isso ficou provado em sede de julgamento. O resto é conversa fiada do Ministério Público, MP, que tentou obter suco de fruta ressequida para agradar algum grupo político que torcia para ver os réus condenados.
O MP está convencido de que houve prática do crime, mas não apresenta provas. Abanou a árvore com a esperança de ver cair alguma prova que incriminasse os réus, principalmente o mais mediático, Sandura Ambrósio, por razões que podemos imaginar. A condenação baseou-se em outros motivos à excepção do criminal que o tribunal não encontrou. A condenação de Sandura Ambrósio é política, não se deve como consequência da prática de crime. O recurso do MP deveria corar de vergonha a classe, por ser infundado. É o inverso do julgamento de Inhambane em que o juiz reduziu as penas de ladrões confessos e converteu-as em multas, argumentando que era uma medida para safar os gatunos da pandemia da Covid-19.
Quando a política entra nos tribunais, a justiça sai pela janela. A política entrou pela porta da frente e isso justifica a sentença que o Tribunal Judicial nos presenteou. A culpa desta comédia vai para o MP que não tomava em conta tudo que se dizia na sala de audiências e sempre que falasse repetia tudo como se fosse pela primeira vez.
Para quem esteve presente nas sessões de julgamento ou tenha acompanhado, pela imprensa, a maneira tendenciosa como o teatro que se pretende judicial foi conduzido, não pode ficar espantado pela sentença. Era previsível que a intenção do juiz da causa e da representante do MP desaguasse na condenação, mesmo sem as provas, como alguém falou que era para desencorajar os que tentassem conspirar contra o Estado. Havia “ordens superiores" para condenar, com ou sem provas. A intenção de condenar era o fim da procuradora do princípio até ao fim do julgamento.
Isso faz-nos lembrar os tempos dos julgamentos do Tribunal Militar Revolucionário, que condenava inocentes a pesadas penas e mandava fuzilar sem provas da prática de crimes passíveis da pena de morte, abrindo feridas incuráveis nas famílias. Ainda que esse tribunal tenha sido extinto já há várias décadas, os rancores por si provocados persistem. Houve famílias que ficaram sem pais e destroçadas porque seus parentes foram condenados à penas por crimes não provados. Para recordar aos mais novos que as sentenças do Tribunal Militar Revolucionário eram irrecorríveis, nem mesmo os apelos de clemência do papa serviam para demover as decisões desse tribunal e dos governantes daqueles tempos para comutarem as penas de morte em prisão perpétua.
Há julgamentos e sentenças que servem, antes de tudo, para educar os implicados em algum crime. Há ainda outros que servem para, apenas, incendiar a sociedade e este parece ser o caso do julgamento dos “financiadores" da Junta Militar da Renamo porque nós não acreditamos que existam indivíduos que estejam a financiar com as suas economias e poupanças uma guerra. O que se diz que há pessoas que estão a financiar a guerra não passa de estórias para esconder um mal maior que dilacera o nosso país e ao invés de resolverem o real problema, limitam-se a intimidar as pessoas, fazendo-nas perfilar na procuradoria, vasculhando-lhes as casas e retirando-lhes os equipamentos informáticos e passaportes, aliás, como tem acontecido com frequência, no nosso país.
Precisamos de um antídoto da guerra, é uma reconciliação nacional que ultrapasse simples acordos e frenéticos abraços que terminam no simbolismo da entrega de armas, inclusão de todos e fazer a justiça sem olhar para as cores partidárias dos indiciados ou dos réus, porém, para isso, é fundamental a independência dos tribunais em relação ao poder político. Entre nós, a interferência do poder político é evidente a todos os níveis. A procuradoria é especializada neste tipo de expediente político, como se pode constatar no caso das dívidas ocultas e nos momentos quentes das eleições.
Os políticos devem parar de ditar suas agendas aos tribunais e a condenação de Dondo dos membros da Renamo demonstrou pertencer a uma agenda política obscura para intimidar e não para punir algum crime cometido nem o crime de conspiração contra o Estado que foi o motivo das prisões dos réus em causa. Quando se pretende silenciar alguém qualquer argumento pode servir e o Serviço Nacional de Investigação Criminal demonstrou estar eivada dessa apetência de prender para investigar depois.
Se o partido no poder não se despir dessas atitudes, vai a tempo de assinar mais acordos de paz e reconciliação nacional porque os erros que se cometem são os mesmos desde a independência nacional. O país pertence a todos os moçambicanos e não só, mas muitos vivem com medo do amanhã. Têm receios de que, a qualquer momento, lhes batam a porta e saiam arrastados pela gola para nunca voltar para casa. Isso é ruim para todos nós. O povo não pode viver na incerteza provocada pela ganância de alguns que se querem assenhorear de tudo: poder e riqueza nacional, em absoluto.
A democracia constrói-se com tolerância e justiça. A existência dos esquadrões da morte e do G40 é sinónimo da negação do outro. A inclusão não se limita em discursos de ocasião. O Estado de Direito e Democrático deve ser a maneira de governar o país e não para pedir esmola à comunidade internacional para que se aperceba que nós, também, somos democratas e respeitamos a quem tenha uma opinião diferente da nossa porque isso é uma mentira. A opinião diferente, na prática, é considerada como crime. Ser diferente é motivo para ser ostracizado e perseguido. Por isso, não temos paz nem sossego e sempre andamos aos tiros uns contra os outros, desde a independência.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 30.03.2022