Em meios diplomáticos, subsiste a preocupação quanto à ausência de responsabilização dos referidos elementos de milícias face a possíveis abusos que possam vir a cometer. A ACLIN é uma organização filiada na FRELIMO, partido-Estado, e uma das mais influentes internamente, devido ao seu estatuto de representativa dos combatentes pela independência do país
As milícias populares criadas para defenderem algumas localidades em Cabo Delgado, concentradas sobretudo nos distritos de Mueda e Macomia e em zonas maioritariamente habitadas pela etnia Maconde, começam a preocupar os comandos militares face ao descontrolo da sua actividade.
As milícias, apelidadas de “forças locais”, são compostas actualmente por elementos armados, muitos dos quais militares veteranos reformados. São empenhadas em operações de protecção às localidades ou em apoio local às FADM e polícia.
O número de elementos que as compõem é desconhecido, mas fontes no terreno apontam para mais 500 efectivos. Em regra, são forças populares desorganizadas e descontroladas, lideradas localmente, não se conhecendo sequer a identidade dos seus membros, nem existindo qual[1]quer levantamento sobre o armamento usado ou sequer se está legalizado.
O porte de armamento militar por parte das milícias não se encontra igualmente regulado. A participação das forças locais em Cabo Delgado, com armas e uniformes fornecidos pelo Governo à Associação de Antigos Combatentes de Luta de Libertação Nacional (ACLIN), que funciona como grupo de pressão próximo dos chamados “generais do Norte”, liderado por Alberto Chipande, tem sido criticada ao nível das forças de segurança, que consideram que, legalmente, essa missão pertence às forças armadas e policiais e não a milícias ou forças irregulares.
Em meios diplomáticos, subsiste a preocupação quanto à ausência de responsabilização dos referidos elementos de milícias face a possíveis abusos que possam vir a cometer.
A ACLIN é uma organização filiada na FRE LIMO, partido-Estado, e uma das mais influentes internamente, devido ao seu estatuto de representativa dos combatentes pela independência do país.
Apoios & reservas
Há poucos meses, o secretário-geral da ACLIN, Fernando Faustino, saiu em defesa das milícias populares, dando cobertura às suas actividades e autonomia, face a suspeitas de actuarem por iniciativa própria e de cometerem diversos abusos dos direitos humanos, incluindo execuções sumárias de suspeitos militantes de grupos armados de inspiração islâmica e de alegados “colaboracionistas” e também contra as populações locais, com o argumento de cumplicidade com os insurgentes.
O actual ministro da Defesa e ex-chefe de Estado Maior do Exército, General Cristóvão Chume, nomeado para o governo em Novembro de 2021, começou por se posicionar a favor das “forças locais”, referindo mesmo que a defesa proporcionada por estes grupos de voluntários é prioritária e encontra-se para além das questões legais.
O próprio Presidente da República, Filipe Nyusi, também ele maconde, chegou mesmo a distinguir mais de duas centenas de membros das milícias populares de Cabo Delgado, por ocasião do Dia dos Heróis Moçambicanos, em Fevereiro de 2021.
As reservas crescentes de alguns comandos militares resultam sobretudo da presença de forças estrangeiras em Cabo Delgado, no âmbito do contingente do Ruanda e da SADC (SAMIM), que não reconhecem às milícias populares qualquer legitimidade para operações armadas na província, respondendo apenas aos canais com as autoridades.
As dificuldades na identificação dos membros das milícias, o desvio de armas das milícias para os grupos armados activos na região e o receio de infiltração por estes dos voluntários, susceptíveis de servirem para emboscadas, são situações encaradas como de alto risco.
Também a comunidade internacional, parte da qual doadora, tem vindo a pressionar no sentido da extinção das milícias populares, face à falta de enquadramento e descontrolo, conforme apurado. Chume está a ser pressionado a avançar rapidamente para a regulação da respectiva actuação e funcionamento, através da criação de um estatuto próprio ou, em alternativa, para a sua extinção.
O ministro da Defesa já admite que as milícias deverão ser extintas com a estabilização da situação de segurança, defendendo que os seus elementos poderão ser empenhados noutras acções a favor do Estado, nomeadamente na fiscalização de parques e reservas de caça na província, evidenciando uma mudança de posição sobre o assunto em poucos meses.
É ainda objectivo de Cristóvão Chume colocar em prática uma reforma do sector da defesa que passará por mais investimento, em especial a aquisição de mais equipamentos militares, e mais formação.
Outras das ideias do actual MDN é reorganizar a carreira militar, aumentando o recrutamento, e alterar a estrutura das forças, que se revelou desapropriada e caduca no conflito em Cabo Delgado. Porém, as mudanças não terão lugar antes da estabilização total da província. Cristóvão Chume admite as dificuldades do Serviço de Inteligência de Segurança do Estado (SISE) na previsão e gestão do conflito em Cabo Delgado e pretende reforçar a vertente das informações tácticas militares.
A situação de segurança permanece volátil em distritos como Macomia, Nangade, Muidumbe e zonas interiores de Mocímboa da Praia e Palma. A criação de uma zona-tampão (buffer-zone) entre Mocímboa e Palma está a ser equacionada como solução num cenário em que a guerrilha se torne crónica e permanente.
REDACTOR – 19.04.2022