Os cerca de 700 militares da SAMIM envolvidos em operações de combate, pertencentes aos contingentes da África do Sul, Tanzânia, Botswana e Lesoto, complementados pelos militares das FADM, terão falhado na operação de cerco aos guerrilheiros, permitindo que estes se dividissem, mantendo a mobilidade
A criação de uma zona-tampão (buffer-zone) entre Mocímboa da Praia e Palma está a ser equacionada, a nível das autoridades e empresas multinacionais, como solução num cenário em que a actividade de guerrilha por parte de grupos armados presentes em Cabo Delgado se torne crónica e permanente.
A securitização dessa zona é essencial para a retoma do projecto de GNL em Afungi, assegurando ainda a mobilidade rodoviária em algumas vias, nomeadamente o abastecimento de matérias-primas a partir de Mueda em direcção a Palma, via Nangade e Mocímboa da Praia. A intervenção da SAMIM e do contingente ruandês (RDF) foi previamente definida com as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) através da marcação de zonas de intervenção e de “varrimento”, seguidas de posicionamentos estáticos para impedir o retorno das células armadas e garantir a mobilidade terrestre.
As RDF empenharam-se sobretudo no triângulo formado pelos distritos de Palma, Mocímboa da Praia e Nangade, empurrando os guerrilheiros para Sudoeste.
Contudo, os cerca de 700 militares da SAMIM envolvidos em operações de combate, pertencentes aos contingentes da África do Sul, Tanzânia, Botswana e Lesoto, complementados pelos militares das FADM, terão falhado na operação de cerco aos guerrilheiros, permitindo que estes se dividissem, mantendo a mobilidade.
Parte destes encontra-se na região do Rovuma, onde montaram zonas de refúgio e bases improvisadas de retaguarda (entre Pundanhar e Nangade), junto à fronteira com a Tanzânia. Outras células deslocaram-se para a província adjacente do Niassa através do distrito de Mueda. Em finais de Novembro de 2021, atacaram com violência várias localidades no distrito de Mecula (eixo Marrupa-Mecula), já no Niassa, região de onde saíram muitos dos guerrilheiros, conhecidos localmente como “al-shababs”, empenhados em Cabo Delgado.
A entrada dos guerrilheiros no Niassa não teve igualmente qualquer reacção imediata das FADM, havendo registo da sua permanência por mais de um dia em aldeias atacadas e saqueadas. Várias das aldeias permanecem sem população até hoje.
A dispersão das comunidades locais terá levado os insurgentes a regressarem a Cabo Delgado por falta de abastecimentos, disseminando-se agora ao longo da margem sul do rio Rovuma até Nangade. A persistência de focos de guerrilha levou em De[1]zembro de 2021 ao encerramento “preventivo” das ligações rodoviárias entre Afungi - Palma – Nangade – Mueda – Mocímboa da Praia à circulação de veículos civis não autorizados.
Criação de uma zona de contenção
O falhanço na criação de uma zona de contenção que permitisse impedir o recuo dos guerrilheiros é reportada como tacticamente grave, perdendo-se o momento para o cerco de parte significativa dos grupos armados. Esta situação voltou a repetir-se em inícios de Fevereiro deste 2022 em Pundanhar, ainda no distrito de Palma, a cerca de 55 kms da capital do distrito, quando os militares ruandeses das RDF organizaram operações de limpeza de bolsas de guerrilheiros que para aí se deslocaram numa tentativa de recuperar zonas anteriormente ocupadas.
As tropas de SAMIM e das FADM falharam na operação de cerco a sudoeste do distrito e as células conseguiram escapar e refugiar-se em diversos pontos da região, onde ainda se encontram. A falta de empenhamento das forças da SAMIM e das FADM em situações de confronto directo, agravada pelo desconhecimento das posições do inimigo e do próprio terreno por falta de informações, é considerada a principal causa da ineficácia das operações de cerco aos guerrilheiros.
O fracasso da estratégia de contenção representa meses de atraso numa eventual estabilização da segurança em Cabo Delgado, ao permitir aos grupos armados encontrar refúgios alternativos, ganhando tempo para preparar novos ataques. As bolsas armadas que persistem nos distritos de Macomia, Nangade e Ibo (arquipélago das Quirimbas) são consideradas um reflexo da persistência de um elevado grau de mobilidade das células.
Em Nangade, foram recentemente descobertos quatro corpos de agricultores assassinados por guerrilheiros.
Na ilha de Matemo (Ibo), várias habitações, comércio e alojamentos turísticos foram destruídos e pilhados em meados de Março, registando-se novo falhanço das FADM quando os atacantes tiveram tempo suficiente para fugir em pequenas embarcações, sem que tivessem sido interceptados.
As acções armadas no arquipélago das Quirimbas são recorrentes. Em 2020, a ilha de Vamizi foi toma[1]da pelos guerrilheiros, com registo de destruição de património, habitações e negócios turísticos.
A impossibilidade de regresso das populações está a agravar a situação humanitária em Cabo Delgado: os “centros de reassentamento”, onde se encontram os deslocados internos, carecem de abastecimento de bens alimentares, causando impaciência entre os refugiados.
O Programa Alimentar Mundial da Nações Unidas tem sido a principal agência externa no apoio aos deslocados de Cabo Delgado, tendo apoiado até agora mais de 500 mil pessoas e pretendendo atingir futuramente mais 250 mil.
As cheias (ciclone Gombe) em Março nas províncias adjacentes como Nampula e Zambézia obrigaram a ONU a desviar parte dos recursos destinados a Cabo Delgado para as populações afectadas.
A situação alimentar na Ucrânia constitui igualmente prioridade para a intervenção humanitária da ONU, podendo refletir-se negativamente em Moçambique. O agravamento da situação é susceptível de provocar o retorno precipitado de muitos dos refugiados às suas al[1]deias de origem, contribuindo para o agravamento do risco para a população civil.
O fraco empenhamento militar no terreno por parte da SADC, por razões políticas e financeiras, e um cenário de retirada do contingente da SAMIM em 2022, devolverá a responsabilidade da segurança em Cabo Delgado às FADM, complementada pelo contingente ruandês apenas em zonas-chave para o desenvolvimento do projecto de GNL em Afungi (Área 1, liderada pela Total). Perante esse cenário, o Presidente da República Filipe Jacinto Nyusi encontra-se já a pedir financiamentos, alegando que o país necessita de uma injecção anual de EUR 275 milhões, a pagar pelos “amigos de Moçambique”.
Apesar da melhoria das condições de segurança em Cabo Delgado, onde as zonas mais vulneráveis aos ataques dos grupos armados de inspiração islâmica estão actualmente circunscritas, a Total, cujo CEO Patrick Pouyanné se deslocou recentemente a Moçambique, impôs ao governo garantias de segurança acrescidas como condição para a retoma do projecto de construção do complexo de GNL em Afungi.
As zonas de segurança impostas são complementadas pelo perímetro de segurança no DUAT (zona concessionada em Afungi, Palma) que foi objecto de um memorando de entendimento assinado em 2020 envolvendo a Total, ExxonMobil e o governo moçambicano.
A força de segurança aí destacada é composta por elementos das unidades especiais da Polícia da República de Moçambique (UIR - PRM), militares do Batalhão de Fuzileiros Navais da Marinha (FADM) e unidades tácticas do Exército para segurança e combate em terra, complementados por unidades ruandesas.
Um muro em construção irá ainda reforçar o perímetro de proximidade ao parque de GNL.
Estes distritos são também aqueles onde se concentram os cerca de 2.000 militares e polícias do contingente ruandês em Cabo Delgado, cuja presença em Moçambique resulta de um acordo entre Paul Kagame e a Total, com apoio do PR francês Emmaneul Macron.
Holdings empresariais da Frente Patriótica do Ruanda (FPR), o partido-Estado do regime de Kagame, constarão no núcleo duro dos principais fornecedores de serviços para a Área 1, como contrapartida pela participação das forças ruandesas nas acções anti- -guerrilha em Cabo Delgado.
A par da Crystal Ventures Limited (CVL), é reportada a presença em Moçambique da holding Macefield Ventures, também associada ao partido FPR. Igualmente com sede em Kigali, e com um perfil semelhante à CVL, a CVL tem ligações estreitas ao regime, actuando em sectores como o agro- -indústria, logística, exploração mineira e construção.
A Macefield poderá ser a principal “marca” do Ruanda no sector da energia em Moçambique como parceira no desenvolvimento do “site” de GNL em Afungi. Vários quadros da empresa encontram-se já em Maputo para negociar futuras parcerias.
REDACTOR – 06.04.2022