Por João Ribeiro-Bidaoui
Portugal tem doado centenas de milhões de euros em ajuda ao desenvolvimento dos países africanos de língua oficial portuguesa. Só o Programa de Cooperação 2018-2022, com apenas um desses nossos parceiros privilegiados, Angola, custou 535 milhões de euros.
Para Moçambique, e até 2026, estão previstos mais 170 milhões de euros. A que acrescem reestruturações e perdões da dívida externa, que, e apenas no que respeita a Angola, totalizaram em 2004 561 milhões de euros.
Nestes acordos de cooperação, e na Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa aprovada em Conselho de Ministros, vinca-se que a sua missão fundamental é “contribuir para a realização de um mundo melhor e mais estável [...], caracterizado [...] pela consolidação e o aprofundamento da paz, democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito”.
Ora, no passado dia 2 de março, membros da CPLP (Angola, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e Moçambique) representaram 10% do pequeno grupo de países que na Assembleia-Geral das Nações Unidas não votaram a favor da resolução que condenou a invasão da Ucrânia. E a 7 de abril apenas dois membros da CPLP, Portugal e Timor-Leste, se juntaram à larga maioria que suspendeu a Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Sublinhe-se que tais alinhamentos políticos são absolutamente legítimos. Mas tal legitimidade traz consequências e responsabilidades. Estas votações tornam letra morta princípios da CPLP como o “primado da paz, da democracia, do Estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”.
E parece também legítimo concluir que para alguns destes nossos parceiros de pouco valem valores, história e língua comuns. Sobretudo quando chega a hora de reparar os seus tanques russos, de ver aumentar as suas receitas do petróleo ou de alinhar com o país da alma mater de muitos dos seus dirigentes mais velhos, saudosos das bolsas soviéticas.
Os fundos portugueses para a cooperação parecem, por isso, estar a contribuir pouco para a construção de uma comunidade internacional mais responsável. Aliás, há muito tempo que outros indicadores nos convidam a revisitar a nossa cooperação.
Ao fim de décadas de apoio muito significativo, alguns desses países persistem no último terço de todos os rankings internacionais de desenvolvimento ou de respeito pelo Estado de direito. Nalguns casos, são repetidamente considerados Estados falhados.
Mas não estamos apenas perante um eventual problema de eficácia da nossa política de cooperação. Estamos perante uma possível ameaça existencial a um dos pilares da nossa política externa. Estas votações revelaram que Portugal está cada vez mais isolado na CPLP, a nossa segunda comunidade estratégica (depois da UE).
Tal implicará, a prazo, uma diminuição relativa da sua relevância política em quadros multilaterais, incluindo no âmbito da NATO e da política externa e de segurança comum da UE. Quiçá tais votos lusófonos teriam sido contra, em vez de meras abstenções, não fosse os bons ofícios da diplomacia portuguesa.
No entanto, nada parece indicá-lo – e, se fosse esse o caso, a situação política dentro da CPLP seria ainda bem mais grave. Uma coisa é certa: estas votações são uma clara violação do primeiro objetivo da CPLP, o da “concertação político diplomática entre os seus Estados- -membros, nomeadamente para o reforço da sua presença no cenário internacional”.
Neste contexto, talvez fosse uma boa ideia convocar uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros da CPLP – para apurar se aquilo que nos une ainda é mais do que aquilo que nos separa. Sem deixar de equacionar se, para lá de sentimentalismos e de conveniências, e num mundo mais polarizado, continua a servir os interesses nacionais a participação numa comunidade, com sede em Lisboa, em que praticamente todos os seus membros convivem bem com os abusos e as violações do direito internacional da Rússia.
DN(Lisboa) – 11.04.2022