Apesar de ter sido Moçambique, através da Procuradoria-Geral da República, a interpor o processo de pedido declaração de nulidade das garantias emitidas para as dividas ocultas e o pedido de indemnização contra o grupo "Privinvest", os bancos internacionais e entidades relacionadas com os primeiros e segundos, o processo parece estar a caminhar para uma via muito apertada e contra a estratégia adoptada pela República de Moçambique.
Estando agora o processo numa fase preliminar, denominada "gestão processual", para clarificar os termos e objecto do litígio, o Presidente da República, Filipe Nyusi, é cabeça de cartaz e é agora sobre ele que se resume o processo.
É, na verdade, uma estratégia maquiavélica que o grupo "Privinvcst", o "Credit Suisse" e VTB usaram para encurralar a Procuradoria-Geral da República, que terá de escolher entre seguir com o caso ou defender Filipe Nyusi. Para já, o juiz da causa, Robin Knowles, parece não aceitar que a Procuradoria-Geral da República faça as duas coisas em simultâneo.
Tal como noticiamos na última edição, por Despacho de 23 de Novembro de 2021, o juiz solicitou ao Estado moçambicano que fornecesse resposta "completa e adequada" sobre um conjunto de questões colocadas pelo "Credit Suisse" c o VTB sobre Filipe Nyusi.
Entre essas questões estava a de saber se as alegações de recebimento de suborno eram verdadeiras ou não, e justificar, no caso de resposta negativa, ou apresentar uma versão dos factos diferente da que foi apresentada pelas três partes.
Em relação as alegações de suborno c corrupção contra o presidente Nyusi, o juiz exigiu que a Procuradoria-Geral da República explicasse: (I) quem fez os pagamentos e quem foi o beneficiário; (2) se esses pagamentos foram subornos; (3) se esses pagamentos faziam parte de uma conspiração, conforme alegado pela outras partes; (4) se a Procuradoria-Geral da República acha que o facto de o presidente Nyusi ter recebido esses subornos ou ter tido conhecimento dos mesmos pode, em última instâmcia, ser cosiderado como responsabilidade do Estado.
As explicações da PGR
A resposta do Estado moçambicano (Procuradoria-Geral da República) foi apresentada ao Tribunal no dia 31 de Janeiro de 2022. Segundo o despacho do juiz que reproduz a resposta da Procuradoria-Geral da República e a que tivemos acesso, o Estado moçambicano confirmou o pagamento de um milhão de dólares à "Sunflower", mas diz que não sabe se foi, ou não, para Filipe Nyusi. "Em relação a um suposto suborno de USS 1 milhão pago pela Logisties International SAL (Offshore) ('Nono Ré') à Sunflower International Corp FZE ('Sunflower,)1 a República admite o facto do pagamento, mas não admite nem nega que foi um suborno ou que foi um pagamento em beneficio do Presidente Nyusi", lê-se no despacho.
Na sua argumentação, a Procuradoria-Geral da República alega que o Estado moçambicano não tem sob seu controlo os documentos da "Sunflower".
"A Sunflower não é representante, agente ou emanação da República de forma alguma. A República não tem controle sobre os documentos da Sunflower, incluindo, em particular, seus extratos bancários e contas", refere tudo quanto soube sobre a "Sunflower" foi através do julgamento de Jean Boustani em Nova Iorque.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, qualquer pessoa que esteve envolvida no recebimento de dinheiro pela "Sunflower", incluindo o suposto pagamento de um milhão de dólares, tal pessoa "não estava agindo como representante ou agente da República".
Mais adiante, a Procuradoria-Geral da República refere que, se o presidente Nyusi recebeu o pagamento de um suborno, o conhecimento que ele tem disso não pode ser atribuído ao Estado moçambicano.
A Procuradoria-Geral da República diz que, nestes termos, o Estado moçambicano "não sabe e, portanto, não pode admitir ou negar" a finalidade para a qual foi efectuado o pagamento admitido de um milhão de dólares norte-americanos pela “Logistics Offfshore à Sunflower”, nem "se tal pagamento foi em benefício do presidente Nyusi; e se tal pagamento representou um suborno ao presidente Nyusi".
PGR confessa que a Frelimo recebeu
Entretanto, a Procuradoria-Geral da República confessa que o grupo "Privinvcst" efectuou pagamentos numa conta em nome do Comité Central da FRELIMO, "que é o partido político do Presidente Nyusi", refere o juiz. Mas alega que o Estado moçambicano "não possui documentos sob seu controle relativos a esses pagamentos para além dos divulgados nos processos criminais dos EUA". Não admite se esses pagamentos foram recebidos ou qual a sua finalidade.
Segundo a Procuradoria-Geral “os intervenientes na campanha eleitoral do Presidente Nyusi não estiveram, no exercício de tais actividades, a actuar como representantes da República que qualquer conhecimento por eles adquirido no âmbito da campanha não é imputável à República".
A Procuradoria Geral da República repete que, "se o Presidente Nyusi recebeu um suborno, seu conhecimento não é atribuível ao Estado".
Juiz insatisfeito com as respostas
No seu despacho em relação às respostas da Procuradoria-Geral da República, o juiz disse que a República de Moçambique não cumpriu o que lhe foi pedido no despacho de 23 de Novembro de 2021 sobre a situação geral de Filipe Nyusi. Segundo o juiz, o que está claro é que a República de Moçambique não sabe dizer se obteve respostas, ou não, da boca do próprio Filipe Nyusi em relação às graves alegações que pesam sobre si. O "Credit Suisse", por sua vez, pede que o juiz considere que Filipe Nyusi se furtou a responder.
Isso porque, na óptica do "Credit Suisse" e do VTB, se as respostas dadas pela Procuradoria-Geral da República sobre o envolvimento, ou não, de Filipe Nyusi, foram dadas "com base no conhecimento e crença a partir de uma investigação razoável feita por ela e em seu nome", então todas as partes, incluindo o Tribunal, devem ter acesso a essas respostas. Mas a Procuradoria-Geral da República disse que não pode divulgar nada, porque está em segredo de Justiça e também que essa informação está classificada como segredo de Estado.
"Credit Suisse" e VTB querem Carlos Agostinho do Rosário, Basílio Monteiro e Agostinho Mondlane
Sobre a resposta da Procuradoria-Geral da República de que os que solicitaram os 10 milhões de dólares para a campanha do partido Frelimo não estavam em representação do Estado, o "Credit Suisse" respondeu, tendo informado ao juiz que essa posição de Moçambique é "artificial", pois, na sua óptica, há uma inevitável correlação jurídica útil entre aqueles que estiveram envolvidos na campanha e aqueles que passaram a compor o Governo, principalmente os que faziam parte do Comité Central à data do financiamento e sua posterior posição no governo.
E citam três exemplos que, na sua opinião, devem merecer tratamento igual ao de Filipe Nyusi. São eles: Agostinho do Rosário (que era primeiro-ministro), Jaime Basílio Monteiro (que era ministro do Interior) e Agostinho Salvador Mondlane (que era ministro do Mar, Águas Interiores e Pescas).
O juiz disse que não é relevante, nesta fase, exigir à Procuradoria--Geral da República interrogar os três ex-govemantes, pois, na sua opinião, basta interrogar Nyusi. "Nesta fase e no geral, não considero que deva exigir um procedimento semelhante ao do Presidente Nyusi em relação ao Primeiro-Ministro do Rosário, Ministro Monteiro e Ministro Mondlane", lê-se no despacho.
Tribunal quer respostas de Filipe Nyusi
No seu despacho, o juiz diz que, em geral, não está satisfeito com as respostas do Estado moçambicano, principalmente cm relação a Nyusi. "Cheguei à opinião de que não posso estar convencido de que o despacho de 23 de Novembro de 2021 foi cumprido, O que é necessário é maior clareza e transparência sobre o que foi feito e o que resultou".
Assim, o juiz Robin Knowles ordenou à Procuradoria-Geral da República que informe ao Tribunal se obteve respostas satisfatórias do presidente Nyusi sobre as alegações feitas pelo "Credit Suisse" e o VTB.
O juiz ordenou também que a Procuradoria-Geral da República responda se o seu argumento de que os actos praticados por Filipe Nyusi (recepção de um milhão de dólares da "Sunflower") não devem ser atribuídos ao Estado moçambicano, para não admitir ou negar se Nyusi recebeu, ou não, suborno.
O juiz, no seu despacho, admite a possibilidade de Filipe Nyusi não ter respondido às alegações que pesam sobre si. Mas exige que a Procuradoria informe ao Tribunal "o que pretende fazer para obter as respostas e que essas respostas sejam dadas ao Tribunal". Há mais: o juiz exige um compromisso de seriedade da Procuradoria-Geral da República no cumprimento desse despacho.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 18.05.2022
NOTA: Será que o povo moçambicano merece este Presidente da República? E um partido que recebendo 10 milhões de dólares de um valor que os moçambicanos ainda vão pagar nada diz?
Fernando Gil