Assim começa esta obra sobre a Ilha em que nasci:
A Ilha de Moçambique foi sendo comida pelas águas do mar aos poucos. O silêncio começou a habitar toda a Ilha; já não era uma ilha, mas sim uma ruína de pedras gastas pela água do mar e lapidadas pelas mãos do vento. A madeira velha de restos de canoas flutuava em todos os cantos como se pescasse pedaços de um tempo passado. O mar tinha consumido toda a Ilha; a espuma do mar colada em pedras velhas parecia mussiro suavizando o rosto de uma macua qualquer; uma macua que se dobra e rebola a cintura pelo chão dançando tufo.
Da porta branca da Fortaleza de São Sebastião restava apenas um pilar que tinha mais ferros que cimento. Era por aquela porta que a água, costurada em tecidos de ondas, se movia sem precisar de chave para entrar. Enquanto entrava podia ouvir-se passos de outra água saindo apressada.
O canto das gaivotas já tinha secado sobre o pano da água. Ao longe uma parte metálica da ponte ainda se punha à vista; era como um buraco sobre a água, um sinal de que houve passos antes do tecido da água estender-se em todos os cantos da Ilha. Fosse o que fosse aquela parte, o certo é que tinha aspeto de um esplendor de resistência ao tempo e à memória que se afogava.
O branco da Capela da Nossa Senhora de Baluarte só existia na mente de quem conheceu a Ilha. Ainda sobrava um grão de terra na Ilha. Era nesse grão que repousavam os meus restos mortais. Era nesse grão que muitos da Ilha repousavam. Todos metidos em caixões roendo o caroço da morte com unhas, dentes e veias.
Estava ali enterrado e esquecido por todos que já não os tinha ou nunca os teve. A fala dos mortos é complicada demais para ser percebida por um simples leitor vivo. Vou moderar a linguagem; falar como se fosse vivo. As ervas, os lagartos de cabeças multicolores e a cal gasta pelo tempo tomavam toda a minha sepultura.
Recordo-me, agora, da sepultura dos meus pais, perdidos em toda a cidade de Nampula. Meus pais que temiam muito os mortos antes de morrerem. Não sei se agora temem a si próprios.
Sim, na Ilha ninguém tinha percebido, mas a Ilha foi sendo comida pelas águas do mar aos poucos. Metro a metro a água esmagava os ossos das paredes da Ilha e comia em molhos as fatias de areia. E a Ilha deixaria de existir, ou por outra, diluía-se na bruma da praia e ficava na sua profundeza da água acumulada como conteúdo de um xarope não agitado.
O silêncio começou a habitar toda a Ilha; já não era uma ilha, mas sim uma ruína de pedras gastas pela água do mar e lapidadas pelo vento. A madeira velha de restos de canoas flutuava em todos os cantos como se pescasse pedaços de um tempo passado. O mar tinha consumido toda a Ilha; a espuma do mar colada em pedras velhas parecia mussiro suavizando o rosto de uma macua qualquer; uma macua que se dobra e rebola a cintura pelo chão dançando tufo.
Podíamos começar a nossa história por aqui. Mas por questões de rigor dos vivos, iremos seguir um outro trilho. Eu prometi que ia falar como se fosse vivo. E falar como um vivo é tomar as coisas como os vivos as tomam. Contá-las seguindo a sua lógica. A terra serve apenas para isso: saber como as coisas são feitas quando se é vivo. A fala dos mortos é complicada demais para ser percebida por um simples leitor vivo.
Começaremos como quem não precisa de terminar para ter a certeza que teve algum início. Dizíamos que o silêncio começou a habitar toda a Ilha; já não era uma ilha, mas sim uma ruína de pedras gastas pela água do mar e lapidadas pelo vento. Então, comecemos pelo início, por onde o silêncio deixou pegadas de vozes...
Sim, na Ilha ninguém tinha percebido, mas a Ilha foi sendo comida pelas águas do mar aos poucos. Metro a metro a água esmagava os ossos das paredes da Ilha e comia em molhos as fatias de areia. E a Ilha deixaria de existir, ou por outra, diluía-se na bruma da praia e ficava na sua profundeza da água acumulada como conteúdo de um xarope não agitado.
(Edição da Casa da Moeda(Lisboa)