A sucessão de ataques em Macomia nos últimos dias, também atribuído à captura de armas e munições às FADM em alguns pontos do distrito como Quiterajo, resulta do aumento da presença da população em actividades agrícolas
A persistência da actividade de grupos armados de inspiração islâmica visando a população em alguns distritos de Cabo Delgado é atribuído à maior “disponibilidade” dos alvos civis em várias regiões, fruto da necessidade de regresso aos locais de origem, prescindindo de instruções do Governo, normalmente pouco claras, sobre as condições de segurança na região.
A avaliação dos recursos disponíveis para cultivo e subsistência das famílias, baseada em notícias informais, tem prevalência sobre outro tipo de avaliação de terceiros, incluindo do Governo, levando a população a regressar paulatinamente.
Segundo avaliações locais, a política de “reassentamento” do Governo, que procurou fixar as famílias em locais mais seguros, tem vindo a perder eficácia face à gradual diminuição de terras disponíveis.
Os centros de “reassentamento” estão em zonas compostas por terrenos agrícolas e em matas, voluntariamente cedidas pelas populações locais por proposta do Governo. Estas áreas foram divididas em parcelas para serem usadas pelos deslocados.
A atribuição inicial de lotes que chegavam a um hectare está, no entanto, reduzida a pequenas porções ou a par[1]celas demasiado distantes dos centros de deslocados, após a tomada massiva de terras por deslocados provenientes de várias regiões da província, esgotando a oferta disponível.
Esta situação contribuiu para o agravamento do risco, ao incentivar a população a regressar aos locais de origem por falta de alternativas e não permitiu aliviar a sobrelotação dos mais de 80 centros de refugiados espalhados por diversos pontos da província, albergando c. de 210 mil deslocados.
Apostar no apoio militar externo
O Governo moçambicano continua a apostar no apoio externo para a resolução da situação de segurança em Cabo Delgado, sendo já mais de 4.300 os militares estrangeiros no terreno (apoio e combate), com tendência para envolvimento de novos actores a prazo.
A reforma das forças armadas (FADM) consta entre os planos do actual ministro da Defesa e ex-Chefe de Estado-maior do Exército, General Cristóvão Chume, nomeado para o Governo em Novembro de 2021, assumindo a impreparação militar do Estado para enfrentar sublevações deste tipo e assegurar o controlo sobre a totalidade do território nacional.
Tem prosseguido a actividade dos grupos armados de inspiração islâmica nos distritos de Macomia, Nangade e Muidumbe, mas a um nível considerado “controlado” e disperso. Elementos de informação locais indiciam a perda gradual de capacidade de reorganização e preparação de ofensivas em maior escala.
As células activas são compostas por menos de 20 elementos em média. A sucessão de ataques em Macomia nos últimos dias, também atribuído à captura de armas e munições às FADM em alguns pontos do distrito como Quiterajo, resulta do aumento da presença da população em actividades agrícolas.
Nesta zona, foram identificados pelo menos quatro ataques por um grupo composto por cerca de 10 de insurgentes com o registo de vários mortos - alguns dos quais por decapitação - sequestros, desaparecidos e destruição de habitações e campos agrícolas cultivados (“machambas”).
O regresso da população às áreas de cultivo torna-a um alvo fácil para as células armadas.
Em 22 de Maio ocorreu um novo ataque em Olumbe, distrito de Palma, dias após um primeiro ataque. As informações disponíveis indicam que se tratam de acções de saque para roubar alimentos, tendo em conta que os disparos efectuados visaram assustar as populações e posteriormente saquear lojas de alimentação e bebidas numa operação que durou c. de 90 min.
O ataque teve lugar após a distribuição de alimentos. Apesar dos precedentes, a vila encontrava-se desprotegida.
Atacantes recuam para zonas inóspitas
Apesar da melhoria geral da situação de segurança em CD, com o recuo de grupos armados para zonas inóspitas e a rendição de pequenos grupos, a situação de segurança permanece comprometida pela existência de bolsas armadas e pelo retorno gradual das populações, fora do controlo do governo, tornando-as novamente vulneráveis à violência dos insurgentes.
Em alguns casos, a melhoria gradual do abastecimento das povoações com a reabertura de vias de comunicação poderá contribuir para o aumento de relações entre a população e os grupos armados como opção de coexistência, assegurando a logística necessária à sobrevivência operacional das células armadas.
O fracasso na criação de zonas de contenção para impedir o recuo dos grupos armados é reportada como grave, perdendo-se o momento para o cerco de parte significativa dos grupos.
A falta de empenhamento das forças regionais da SAMIM e o baixo nível de operacionalidade das FADM em situações de confronto directo, agravada pelo desconhecimento das posições do inimigo e do próprio terreno por falta de informações, são considerados como as principais causas da ineficácia das operações de cerco.
Este falhanço representa meses de atraso numa eventual estabilização da província, ao permitir aos insurrectos encontrar refúgios alternativos, ganhando tempo até ao retorno das populações.
REDACTOR – 31.05.2022