Por: Albino Forquilha
A eleição de Moçambique a membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, representa o estágio de falhanço global da Organização em conceito e operacionalização da matéria de Paz e Segurança Mundiais - consentindo crise de legitimidade e confiança públicas.
Ao serviço da Paz e Segurança nacionais, com experiencias de ex-criança soldado e membro formal das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), íntegro como "expert" hoje, várias organizações e grupos temáticos de trabalhos internacionais, parceiras das Nações Unidas, a exemplo da International Action on Small Arms (IANSA), Global Action on Armed Violence (GAAV), International Campaign to Ban Landmines (ICBL) e ArmControl (AC), as quais me colocaram mais perto das Nações Unidas e dos seus blocos regionais por mais de 20 anos.
Colaborei em processos de análise-conceptuais, advocacias nacionais, regionais e globais com vista à aderência, assinatura, ratificação, domesticação, avaliações bienais/anuais de implementação pelos Estados e nalguns casos, harmonização legal regionais dos seguintes instrumentos de direito internacional, visando garantir a Paz e Segurança, um dos eixos do trabalho que Moçambique passará a exercer a partir do 1° de Janeiro de 2023, integrando o Conselho de Segurança das Nações Unidas, na qualidade de membro não permanente:
1- Convenção sobre Proibição de Armas Biológicas;
2- Convenção sobre Proibição de Armas Químicas;
3- Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoal e sobre sua Destruição;
4- Programa de Acção das Nações Unidas para Prevenção, Combate e Erradicação do Comércio Ilícito de Armas Ligeiras e de Pequeno Porte em todos seus Aspectos;
5- Protocolo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral sobre o Controle de Armas de fogo, Munições e outros materiais conexos na Região da Comunidade;
6- Protocolo contra o Fabrico Ilícito e Tráfico de Armas de Fogo, suas peças e munições suplementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime organizado transnacional;
7- Convenção sobre Bombas Fragmentárias;
8- Tratado Africano para formação de uma zona livre de Armas Nucleares - Tratado de Pelindaba;
9- Tratado do Comércio de Armas Convencionais; e agora,
10- Tratado de Proibição de Armas Nucleares.
Com excepção do Tratado de Proibição de Armas Nucleares, ainda em processos interno algo atrasados, Moçambique ratificou todos estes instrumentos, que tem que ver com Paz e Segurança internacionais, sendo esta, uma das importantíssimas valências que as Nações Unidas recorreram para votar favoravelmente a candidatura moçambicana à membro não permanente do Conselho de Segurança, numa votação acima de outros concorrentes, além do considerado success story -General Peace Agreement (estória sucedida - Acordo Geral de Paz de 1992), que pós fim a guerra civil dos 16 anos.
Com justiça e reconhecimento, devo dizer que os processos negociais de alguns dos instrumentos de direito internacional que fiz menção, todos relativos a paz e segurança, com dimensões bastante sensíveis e complexos, foram exactamente confiados a diplomatas moçambicanos, que com mestria conduziram a resultados esperados, superando em muitos casos expectativas dos restantes membros da ONU.
Já agora, me lembro do Embaixador Carlos dos Santos, diplomata de gabarito e prestígio internacionais, foi eleito Presidente-Negociador da fase preparatória, fase mais difícil, da Conferência das Nações Unidas sobre a Prevenção, Combate e Erradicação do Comércio Ilícito de Armas Ligeiras e de Pequeno Porte em todos Seus Aspectos, da qual surgiu o Programa das Nações Unidas em vigor desde Julho de 2001.
A eleição do Carlos dos Santos, foi no valor da sua excelente diplomacia, mas sobretudo, em reconhecimento a posição assumida pelo Presidente Alberto Joaquim Chissano (1995), diplomata de gema e conceptor da política externa moçambicana, segundo a qual e em nome da Paz e Segurança do País, actores não-estatais moçambicanas (sociedade civil) podiam/deviam igualmente pesquisar, identificar, remover, transportar, armazenar e destruir armamento bélico remanescente da guerra civil, desde que esteja (i) qualificado no campo balístico, (ii) proceda avaliações periódicas do seu desempenho com instituições relevantes do Estado (Ministério do Interior e da Defesa Nacional), e (iii) haja resultados do interesse do Estado nas mesas intervenções.
Está posição do Chefes de Estado, foi vista no campo externo como de inclusão, confiança e preventiva a conflitos, pois, foi pela primeira vez na história das Nações Unidas que tal aconteceu. No Mundo inteiro, havia registos apenas de actores não estatais autorizadas a actividades de sensibilização, educação cívica ao desarmamento ou desmilitarização, porém, quem fazia pesquisas, recolha física do armamento e destruição se necessário, eram as instituições do próprio Estado, diferentemente de Moçambique onde tudo era da responsabilidade de actores não estatais, sublinhavam as Nações Unidas.
Lembro ainda que pelo destaque e simpatia que Moçambique grangeava, numa das viagens, o PNUD em Maputo, me assistiu (2001) no transporte de cerca de 800 kgs de obras de arte feitas de fragmentos de armas, por nós recolhidas e destruídas, para exibição e educação a paz e Segurança pública durante na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque. Pelo facto, a IANSA e em coordenação com o Embaixador Carlos dos Santos, quem chefiava nossa missão junto as Nações Unidas, agendaram durante a Prepcom meeting, a minha primeira apresentação na plenária, versando sobre a importância da colaboração entre governos e actores não estatais em processos práticos de garantia da Paz e Segurança, sobretudo em Estados emergentes de longos conflitos armados.
CRISE DE LEGITIMIDADE E CONFIANÇA PÚBLICA
A realidade é que no presente quadro conceitual e operacional das Nações Unidas, de que Moçambique é membro de pleno direito, a matéria de Paz e Segurança é baseada na doutrina inalterável de 1945, no qual infelizmente está um clamoroso contraste, pois, há membros com acentos permanentes no Conselho de Segurança que simultaneamente, são principais desestabilizadores da Paz e Segurança Mundiais, aqueles que desde a fundação da ONU, vem invadindo militar e economicamente outros Estados em nome da sua segurança, distorcendo completamente o real conceito de defensores da paz e segurança internacionais, da doutrina da organização, todavia, sem alguma medida sancionatória da própria ONU.
É neste estágio de falhanço global em conceito e operacionalidade em matéria de Paz e segurança Mundiais que a diplomacia moçambicana vem exercendo a sua política externa, inspirada no fazer amigos, no princípio de não-alinhamento e solidariedade humanitária, e diga-se, com diplomatas de reconhecido mérito, com os quais cruzei e trabalhei em vários fóruns internacionais e, mercê da sua capacidade, fizeram valer uma incontestável eleição de Moçambique ao mais importante órgão de decisão das Nações Unidas em matérias de Paz e Segurança, parabéns.
Todavia e embora eu próprio reconheça que durante a sua história, a ONU tenha prestado importantes serviços para a realização dos seus objectivos, é inegável que existe um amplo consenso internacional de que, após mais de 70 anos de existência, ela precisa duma profunda reforma conceitual, operacional, monitorada, avaliada e com medidas sancionatórias aos Estados que prevariquem a doutrina.
O suplemento sobre agenda para a paz lançado pelo Boutros Boutros Ghali em 1995, numa visão reformista do Conselho de Segurança, dentre outras áreas igualmente importantes, propunha uma maior institucionalização da área da paz e segurança e sugeria a criação de estruturas de ligassem desenvolvimento e segurança, medida acertiva quanto a mim, olhando para os objectivos e desafios das Nações Unidas aquando da sua fundação como (i) instrumento para assegurar a Paz no Mundo, (ii) fazer valer o Direito Público Internacional, (iii) Promover a Cooperação Internacional e (iv) Proteger os Direitos Humanos.
Do ponto de vista político, a institucionalização da área de Paz e Segurança e criação de estruturas que liguem o desenvolvimento e segurança, propostas pelo Boutros Boutros Ghali, bem continuados e desenvolvidos por Koffi Annan, "obrigariam" as Nações Unidas a operar substanciais mudanças doutrinárias, baseadas no conceito da segurança humana, com enfoque sobre o indivíduo, e não sobre os Estados, como basicamente é desde 1945, sendo esta matriz que favoreceu Moçambique, como membro do falhanço global, o mesmo falhanço que favorece a manutenção permanente e intocável dos cinco (5) membros (Estados Unidos da América, Federação Russa, França, Reino Unido e República Popular da China) desde a fundação da ONU, com todas consequências que conhecemos.
Tal enfoque sobre o indivíduo em matéria de segurança, se justifica pelo facto de que a maioria dos conflitos atuais, ocorrem dentro dos limites de territórios nacionais, constituindo portanto, conflitos internos, e não directamente de Estado para Estado.
Em alguns casos, não poucos, sobretudo em África, são os próprios Estados perpetuadores e incubadores de principais factores de risco a Paz e Segurança, caracterizados por má governação, nomeadamente, violação sistêmica e sistemáticas de Direitos civis, políticos e socioeconómicos dos cidadãos, que desembocam em conflitos armados, se furtando então, do seu principal dever de garantir a Paz e Segurança aos seus cidadãos.
Nesta prisma, olhar para construção da Paz na perspectiva simbiótica desenvolvimento e segurança, é trazer o melhor conceito, mas também demandar e monitorar o correcto exercício e deveres dos Estados membros quanto a construção da paz e segurança.
Vendo as coisas neste ângulo, infelizmente Moçambique não teria mínimas condições para se eleger a membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pois, não teria história referencial, consequentemente, contribuição substancial a dar ao Mundo.
Tratando da matéria de Segurança, entendo que prevenção e mitigação de conflitos requer a combinação de políticas, programas e técnicas que reflictam as causas e estágios dum vasto campo de ameaças a paz, sejam elas latentes, efectivas, directas, indirectas ou já declaradas, como é o caso da insurgência armada em Cabo Delgado.
Significaria também um contínuo de acções que vão desde a diplomacia preventiva, passando pela acção propriamente preventiva, pela prevenção da crise e até a construção da Paz incluindo prevenção da recorrência dos mesmos conflictos, um pacote que de forma programada, efectiva e consistente não faz parte do meu País infelizmente
Em sua intervenção de setembro de 1999, na quinquagésima Quarta Sessão da Assembleia Geral da Nações Unidas, o Secretário Geral afirmou que "cada intervenção armada é resultado do fracasso da prevenção". Segundo ele, é necessário passar de uma abordagem em termos de maneio de crises de emergências para uma uma abordagem mais proactiva de vise impedir a erupção de conflictos violentos.
Cada vez mais, um dos desafios da ONU deve ser de prevenir conflictos violentos, atacando as causas profundas da instabilidade e da violência política, tais como a pobreza, a falta da educação, saúde, disparidades e desigualdades sociais entre e entre comunidades e povos, claras responsabilidades de Estados membros.
Hoje, existe um reconhecimento crescente de que o desenvolvimento, baseado na distribuição equitativa dos recursos do Estado, é instrumento mais eficiente de prevenção de conflictos violentos e de re/construção da Paz, de maneiras que o epicentro das actividades da ONU, UA, SADC e em suma, dos Estádios/Nações individualmente devia estar na necessidade de "passar de uma cultura de reacção para cultura de prevenção".
Enquanto a prevenção operacional sempre fez parte do leque de actividades da diplomacia clássica, a prevenção estrutural, não me parece fazer parte do mainstream dos assuntos diplomático-governativos moçambicanos, sobretudo, ao contexto interno referente a segurança humana.
Se todos estamos de acordo esforços devem ser realizados para evitar que situações cheguem ao ponto de violência iminente em Moçambique, então, agir sobre as condições estruturais que alimentam as raízes profundas dos mesmos conflictos, dos latentes aos declarados, vai muito além da compreensão clássica da paz e segurança, pois, a prevenção estrutural de conflictos destruidores, que recorrentemente vem ceifando o País, supõem estabelecimento de sistemas legais, nacionais e internacionais, referentes a mecanismos de solução de controvérsias e arranjos cooperativos, a provisão das necessidades económicas, sociais, culturais e humanitárias básicas para todos, bem como reconstrução psico-social de comunidades e sociedades que foram devastadas por guerras ou desastre de outra índole, desafio longínquo para Moçambique, vejamos as condições relegadas a ex-criancas soldado em 1993/4, aos desmobilizados de guerra em 1993/4, aos desmobilizados do decorrente DDR, aos processos eleitorais, a governação em si, aos ex-trabalhadores e estudantes moçambicanos na extinta RDA, aos trabalhadores dos CFM, dentre vários.
Notemos que quando sucessivos conflictos armados eclodem num Estado, sucessivas negociações (diálogo) são exercidas e consequentemente acordos de Paz assinados, não é algo inteligente da qual possamo-nos orgulhar como nação, e pior, quando catalogamo-las de experiência brilhante a partilhar no concerto das Nações, pois, e fique claro, que se trata de indicadores inequívocos duma incompetência preventiva estrutural aguda à conflictos, que no fim, se transformam em guerras.
Ninguém no Mundo estará interessado em apreender das sucessivas falhas de governação que originam sucessivos conflictos armados e acordos não duradouros a Paz, ainda que chamemo-los de Paz definitiva.