Por Edwin Hounnou
O antigo presidente da Tanzânia (2005-2015), Jakaya Kikwete, esteve em Maputo, para falar da vida e obra do presidente da República da Tanzânia, um pan-africanista por excelência, Julius Nyerere que abriu as portas do seu país aos movimentos de libertação nacional, incluindo a Frente de Libertação de Moçambique. Graça Machel, antiga primeira-dama de Moçambique, como que advogando em causa própria, disse que nós temos, também, nossos heróis, como Joaquim Chissano e Armando Guebuza, antigos presidentes do nosso país. Graça Machel disse que tínhamos que olhar para o percurso histórico dos propostos a heróis não só vendo os erros que cometeram mas também para coisas boas que fizeram para o país e seu povo. É um convite à amnésia colectiva.
Graça Machel foi colega de Chissano e Guebuza no governo Samora Machel e acreditamos que concordavam com barbáries do regime. A proposta da Senhora Graça Machel não tem mérito e só faltou ela própria se propor a heroína. É tentativa de lavagem da história. Os heróis do povo não precisam de decretos nem de tumbas organizadas e protegidas por policiais. Eles vivem na memória do povo. É aqui onde começa a nossa divergência que reside na forma da condução do Estado. Não engolimos alguns actos protagonizados por esses heróis que marcaram, de forma negativa, a nossa História recente. Não descemos ao inferno para canonizar os que mataram nossos parentes por pensarem diferente ou por meras suspeitas, os que jogaram nas matas do Niassa e Cabo Delgado moçambicanos só por falta de um BI para serem homem novo.
Não pretendemos pôr em causa a participação de ninguém na luta de libertação, muito pelo contrário, admiramos a coragem de muitos jovens de então que deixaram suas famílias para correrem atrás da liberdade e independência. Foi bom que esses jovens tivessem abraçado a luta de libertação e estamos reconhecidos por tal facto. Não podemos esquecer os graves erros de governação que foram cometidos a seguir a independência que levaram uma franja de moçambicanos a pegarem em armas para o país se desfazer da tirania do regime. Ao invés de os moçambicanos celebrarem a paz, liberdade e desenvolvimento, ficaram enrolados em manto de asfixia. A linha correcta defendida pelos libertadores funcionou como um rastilho que conduziu o fogo para incendiar o país, transformando-o numa grande prisão em que as detenções, prisões, torturas e fuzilamentos arbitrários decorriam ao prazer de quem detinha o poder.
Nada pode justificar que o regime da Frelimo tivesse ordenado matar aqueles a quem chamavam de reaccionários, sem que tivessem sido julgados e condenados por qualquer tribunal conhecido, num momento em que as instituições da justiça já estavam presentes em todo o território nacional. Nada pode justificar que se mande fuzilar pessoas na calada da noite nem mande arrancar a vista e unhas a quem se desconfia que seja seu inimigo. As pessoas que participaram dessas decisões tão desumanas quanto demoníacas, em nenhum momento poderiam ser propostas à categoria de heróis e muito menos ainda elevadas ao pedestal de heróis do povo a quem submeteram ao martírio e ao rigoroso inverno do subdesenvolvimento socioeconómico.
O povo exige justiça que os assassinatos e as execuções ocorridos não podem ficar sem nenhum culpado. A responsabilização é fundamental. A guerra dos 16 anos foi uma resposta que o povo encontrou para se defender das loucuras de um regime endiabrado. Dizem que foram os regimes do Apartheid e da Rodésia do Sul que criaram o descontentamento nos moçambicanos. Isso é mentira. As causas da guerra dos 16 anos são internas. Estão na maneira ditatorial da governação a que o país e povo foram submetidos a seguir à independência, como a supressão das liberdades de pensar diferente, de expressão, de imprensa, de movimento e de associação.
Não é nossa pretensão incluir todos os dirigentes da Frelimo no mesmo lote de autoritários de ontem, e de corruptos de hoje. Há dirigentes da Frelimo que ocuparam lugares de relevo na administração pública que não se deixaram atingir pela corrupção, por isso, são respeitados pelo povo. Nunca precisaram de desenhar projectos que lhes permitissem saquear fundos públicos, nem de se furtarem do crivo do parlamento. A sociedade admira-os pela sua integridade ético-moral, que são a maioria. Para eles, vai a nossa admiração e simpatia!
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 29.06.2022