O adiamento da leitura da sentença do processo principal das "dívidas ocultas" divide as opiniões em Moçambique. Juristas questionam as razões invocadas pelo juiz da causa; a oposição fala de motivações políticas.
O juiz do processo das "dívidas ocultas", Efigénio Baptista, anunciou esta segunda-feira (18.07) o adiamento da leitura da sentença, que estava marcada para o dia 1 de agosto. A nova data é 30 de novembro.
Face ao adiamento, o jurista e jornalista Tomás Vieira Mário fala em "frustração pública".
"É um adiamento que cria muita especulação e muita frustração, que também coloca em prova a credibilidade do sistema de justiça moçambicano, quanto à sua independência em relação ao poder político nacional", afirma Vieira Mário.
Congresso da FRELIMO à porta
A oposição moçambicana acredita que o adiamento tem pendor político.
Para Augusto Pelembe, porta-voz do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a segunda força política na oposição, "todas as decisões que o juiz está a tomar são orientações políticas".
A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o principal partido da oposição, lembra que há no país uma desconfiança generalizada relativamente às instituições de Justiça.
No entender de José Manteigas, porta-voz do partido, "é por isso que os moçambicanos não veem com bons olhos este adiamento", até porque decorrerá brevemente "um evento que vai ser decisivo para o partido FRELIMO, para a sua própria sobrevivência".
Nas redes sociais, muitas pessoas relacionaram o adiamento da leitura da sentença com a realização do congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), em setembro.
A sentença pode ter sido adiada para "evitar realizar um congresso desavindo", diz Augusto Pelembe, do MDM. "A ala do ex-Presidente Armando Guebuza está entre os arguidos [no processo das 'dívidas ocultas']. Sendo ela condenada e caso se ache injustiçada, certamente [poderia] criar fissuras no congresso".
O jurista Baltazar Fael, do Centro de Integridade Pública, considera legítima a desconfiança dos cidadãos, mas aconselha muita ponderação, porque, neste momento, o juiz "não sabe muito bem como agir"
"Por um lado, ele pode precipitar a leitura da sentença e ser ilegal. Por outro lado, também está pressionado por questões de natureza política", observa Fael, salientando que a Justiça precisa sempre de tempo para decidir.
Um processo complexo
O juiz da causa, Efigénio Baptista, justificou o adiamento da leitura da sentença das "dívidas ocultas" com a complexidade do processo, de mais de 30 mil páginas.
Mas este argumento não convence o jurista Tomás Vieira Mário, que, "quando marcou a data [de 1 de agosto], já conhecia o processo e sabia o quão complexo era".
O jurista João Filipe insiste, no entanto, que é preciso dar tempo ao juiz Efigénio Baptista para estudar todo o processo, para que possa apresentar uma sentença bem fundamentada.
"Depois do julgamento, ouvidos cerca de 60 declarantes e 19 arguidos, claro que o processo ficou mais volumoso. Ainda que lesse a sentença no dia 1 de agosto, me parece que diríamos que essa sentença foi despachada", diz Filipe
Ainda assim, para o jurista Tomás Vieira Mário, os quatros meses anunciados pelo juiz é um período longo, independentemente das 'nuances' do processo.
"Tendo em conta a natureza do processo, a qualidade dos arguidos, era de esperar que, qualquer que fosse o empecilho, fosse abordado num período mais curto", sentenciou Vieira.
As dívidas ocultas lesaram o Estado moçambicano em mais de 2 mil milhões de dólares.
DW – 19.07.2022