ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
O que é intelectual. Bom! Primeiro todo homem é intelectual, ou seja, nenhum homem pelo simples facto de ser homem deixa de trabalhar com a inteligência. Portanto, intelectuais são todos os homens, mas claro essa definição não serve para nada. Então, vou tentar ajustar a definição e eu ajustaria da seguinte maneira: intelectual e eu me em apoio em J.R.dos Santos é todo aquele que vive das ideias cuja profissão são as ideias.
Então, nesse sentido um médico é um intelectual, um advogado é um intelectual, um jurista é um intelectual, um arquitecto é um intelectual, um agrónomo é um intelectual, um historiador é um intelectual, um advogado é um intelectual, um engenheiro é um intelectual, um enfermeiro é um intelectual, um Oficial do Exército/Policia é um intelectual, o Padre é um intelectual, um 'professor' evidentemente é um intelectual. Dizendo em outras palavras, qualquer profissional liberal é um intelectual e, aliás é curioso e eu me apoio mais uma vez em dos Santos, como profissional liberal é uma expressão que se consagra por oposição à profissão manual.
Note-se que, profissão liberal, profissão de quem é livre de quem não trabalha com as mãos e profissão manual, profissão de quem não é livre de quem trabalha por isso com as mãos. Logo, todo profissional liberal é um intelectual.
Mas, essa definição também não esgota a questão, porque nós sabemos que há um grupo na sociedade cuja especialidade é produzir ideias, conceitos, saberes e conhecimento esse grupo especializado é, o que nós reconhecemos comummente como intelectual como todo homem ele é intelectual.
Destarte, como ele é 'professor universitário' tem uma profissão liberal ele é intelectual, mas ele é efectivamente, porque ele é um 'especialista em ideias'. Mas…que tipo de ideias? Ideias universais. Ou seja, ideias que podem ser verificadas, discutidas, analisadas e podem circular em qualquer parte do mundo. Ou seja, em qualquer língua ele seria reconhecido como intelectual, porque as 'coisas que ele diz e pensa' são coisas universais.
Então, você vê, teríamos aí uma definição de intelectual. Destarte, pode-se dizer, o intelectual é um 'grupo social especializado' no trato [produção] das ideias universais. Ora! Uma questão que sempre se discutiu e se discuti entre nós intelectuais; professores, escritores, pensadores é a seguinte: qual é o grau de 'autonomia' que tem este intelectual definido por esta forma um 'especialista das ideias universais' com relação as outras classes sociais e com relação ao conjunto da sociedade. Os intelectuais eles próprios gostam de pensar, que eles são muito autónomos, que a autonomia deles é muito grande com relação as outras classes sociais e aos outros interesses sociais.
Todavia, quando se olha bem de perto se vê que não! Que a autonomia desse grupo é muito relativa. Dizendo por outras palavras, que dá a esse grupo a ideia de autónomo, de que, ele não se prende a nenhum interesse económico-social determinado é que, ele se refere a outros intelectuais, de antes que a cumularam ideias com as quais ele trabalha. Logo, esse tipo social que é intelectual pensa que ele está preso a história da inteligência e não a sociedade onde ele vive.
Mas, há muitos motivos para desconfiar que não é assim que o intelectual é um grupo social que presta um serviço importante à [dominação social], é isso que com tempo digamos [5] / [7] décadas para cá na história do mundo, principalmente ocidental se vem percebendo e vários pensadores vêm garantindo isso que, autonomia dos intelectuais é só 'aparente' uma vez que eles têm uma função social, precisa e importante na dominação social.
Em Moçambique, por exemplo; existe uma crença na Democracia e Boa Governação. Dizendo a coisa em outras palavras, nós moçambicanos gostamos muito de acreditar, que o nosso País é um bom exemplo da Democracia e Boa Governação e em uma certa altura se compara com Cabo Verde, Maurícias, Gana, África do Sul, Botswana e se concluía que apesar de termos alguns problemas de percurso o nosso Moçambique é um País de Democracia e Boa Governação.
Bom!... A Democracia e Boa Governação em Moçambique, essa ideia impacta com os factos. Dizendo em outras palavras, ela não confere com os factos e para não ser chato e deseducado é fácil demonstrar que não corresponde a verdade.
Ou seja, é fácil demonstrar que Moçambique não é bom exemplo de Democracia e Boa Governação. Então, a questão não está aí a questão está e porque é que nós moçambicanos acreditamos em geral que Moçambique é um caso de Democracia e Boa Governação? Quem produziu essa ideia!? Também seria fácil demonstrar que foram os intelectuais.
Dizendo em outras palavras, foi esse grupo 'especializado' em ideais universais que nas áreas de História, Diplomacia, Direito, advocacia, Sociologia, Economia, Ciência Política, Filosofia etc… ao longo de muitos anos, duas décadas produzia, inventaram, criaram e elaboraram esta ideia de Moçambique é um exemplo de Democracia e Boa Governação.
Ou seja, esta ideia foi posta a serviço da sociedade moçambicana com que intenção ou como é que ela funcionou. Quer dizer, qual foi a função dela? Foi manter os outros na «posição subalterna». Dizendo em outras palavras, foi 'fortalecer ideologicamente' da justificativa para dominação social.
Você vê, eu estou dando apenas um exemplo poderia dar outros tirados de outros campos da actividade social para demonstrar que os intelectuais, embora se creiam autónomos com relação aos interesses sociais, na verdade, são um grupo social 'especializado' na produção de ideais conveniente à dominação social no geral, porque se poderia dizer bom…e os intelectuais críticos!
Ou seja, e os intelectuais tendo 'consciência' do seu papel de sapadores, da dominação social, de bombeiros da dominação social, de remendadores da dominação social, de justificadores da dominação social, os intelectuais tendo consciência disso recusam este papel.
Certamente, a intelectualidade não é completamente homogénea. Dizendo em outras palavras, há os que servem deliberadamente, pacificamente à dominação social e há os que não! Ou seja, há os que se recusam a isso seguindo variados caminhos.
Há, também uma outra definição uma classificação interessante de intelectuais em Moçambique. Ou seja, há dois tipos de intelectuais. O intelectual contente e o intelectual irritado.
O contente é o que gosta de Moçambique como é. O irritado é o que não gosta de Moçambique como Moçambique é. Há intelectuais contentes, ou seja, há uma genealogia de intelectuais contentes ainda hoje em toda época há. É o intelectual indiferente, que não se importa de viver num País de pobres, é um intelectual para quem este problema não é um problema. O intelectual contente é capaz de [desenvolver] toda sua trajectória intelectual, toda sua carreira de intelectual por vezes ‘brilhante' sem incluir nas suas cogitações este facto; o facto de que, os pobres com os seus desejos sobrantes não realizados, frustrados está todo tempo junto a nós.
Contudo, há outros exemplos. Veja o exemplo do Professor N’goenha é bem oposto aos intelectuais contentes. N’goenha, apesar de estar destinado socialmente a elaborar as justificativas ideológicas da dominação está contrariando esse destino [estilo]. Ele é um 'anarquista', porque é o principal crítico do poder e maior crítico do poder é um 'anarquista'. Claro! Mas, ele não é um 'anarquista' se você pensar num grupo militante filiado com um cartão do Partido coisa assim. Não!
Mas… donde saem esses intelectuais? O lugar donde saem esses intelectuais é o Moçambique moderno, é o Moçambique naturalmente que sabe ler e escrever, Moçambique que frequenta a biblioteca, Moçambique que vai a Faculdade, Moçambique que vai a livraria, Moçambique que fala inglês, francês, espanhol, italiano, alemão… o Moçambique das Universidades e das Universidades globais [Europa e Estados unidos].
Ou seja, é o Moçambique moderno é dai que saem os intelectuais, mas excepcionalmente eles saem do mundo dos pobres, o exemplo que eu quero dar é do Wazimbo. Primeira ideia mas… como! O Wazimbo é um músico e compositor não é um intelectual. Mas, pode-se admitir que um músico e compositor popular, um artista, um pintor, um escultor, um dançarino, um desportista, um cozinheiro, um pedreiro, sapateiro, um electricista... Como!... O que é que é basicamente um intelectual? Em primeiro lugar, um intelectual é alguém que a partir de um grupo social determinado fala para sociedade, representa esse grupo para sociedade, em segundo lugar é alguém que para seu próprio [povo] estabelece algumas normas de conduta, tem uma função 'pedagógica'. Dizendo em outras palavras, intelectual é aquele que representa um grupo social para fora e educa o seu grupo social para dentro.
O mais famoso pensador a utilizar esse conceito de intelectual muito pouco conhecido em Moçambique é um italiano António Gramsci 18[91] / 19[37]. Gramsci criou a expressão intelectual orgânica, para designar esse intelectual que é o porta-voz do seu povo para fora, para sociedade no geral e ao mesmo tempo, educador do seu povo, pois bem, vejam se não são os casos de Muhamad Alí Faquí e da Zaida Chongo.
Ele [a] representa para sociedade geral. Ou seja, ele [a] fala para sociedade geral o sentimento e amargura, a paixão, o desejo, a emoção, o quotidiano do sofrimento dos pobres; dos pobres macuas e maputecos não de todos, porque os pobres macuas e maputecos, também são heterogéneos. Ou seja, há muitos tipos de pobres macuas e maputecos, mas aquele macua que vai vender peixe seco, mandioca seca, no largo dos CFM-Norte e aquela maputeca que vai gwevar e vender macove no passeio.
É aquele povo ali, aquela pessoa sem trabalho fixo e regular, aquela mamana que sem alternativas ocupa o passeio para depois de baixo do sol ardente, do frio, do vento e da chuva, vender sua mercadoria no passeio e logo depois vem a polícia camarária que alguém mandou confiscar tudo.
Bom! Só estou dando exemplos e de certeza vocês [s] conhecem as músicas que estou me referendo. Ou seja, todo reportório de Muhamadi Alí Faquí e da Zaida pode ser visto assim; é o pobre o ítalo macua e a maputeca falando para fora.
Vou dar exemplo de um outro intelectual dos pobres da Cidade de Lourenço Marques e mais tarde Cidade do Maputo, que também já mais seria reconhecido como um intelectual pelos intelectuais propriamente ditos, pela Academia e pelos especialistas de ideias universais das Universidade globais [Europa e Estados Unidos], mas ele é um 'legítimo intelectual'.
A marrabenta. Quem inventou a marrabenta? Aparentemente a marrabenta já nasceu pronta ou alguém diria, não! Foi o fulano ou a Rádio Clube de Lourenço Marques.
Quem inventou a marrabenta, foi um pequeno grupo de jovens indígenas em geral de filhos pobres que em diversos cantos da cidade de Lourenço Marques, foram substituídos outros ritmos folclórico por uma nova forma que vai ser mais tarde chamada marrabenta. Então, um grupo de jovens indígenas analfabetos e/ou semianalfabetos, filhos ou netos de escravos inventaram uma forma artística que hoje é reconhecida como uma das mais importantes formas artísticas populares de Moçambique. Quem diria, que a marrabenta não é coisa importante hoje culturalmente? É!
Quem inventou foi um grupo de negros indígenas da Cidade de Lourenço Marques entre eles, especialmente um chamado Lisboa Matavel, se tornou compositor, poeta popular e um grandíssimo dançarino. Lisboa Matavel, construi um nome e um mito; produziu várias músicas além de ser um grande improvisador, foi o responsável por trazer os primeiros ritmos da marrabenta que contavam uma história real e criou as alegorias.
Com Lisboa Matavel eu já estou terminando. A marrabenta rural de Lourenço Marques conquistou o respeito e admiração de toda a sociedade e entrou na história para ficar.
Resumindo, você vê, com ajuda de J.R. dos Santos e do António Gramsci, eu comecei por dar uma definição genérica do intelectual e preferi alargar a discussão e trazer a reflexão para vossa consideração sobre esses dois conceitos de intelectuais: o intelectual académico [tradicional] e o intelectual orgânico, do mesmo modo, mostrei para você [s] que o intelectual em Moçambique é uma pessoa contente ou ele é um irritado.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, [10] de Julho 20[22]