Uma empresa ligada ao Wagner Group começou a explorar uma floresta tropical na República Centro-Africana, em troca de apoio militar dado ao governo no combate aos rebeldes. Na Europa, incluindo em Portugal, as autoridades não têm como impedir a importação desta madeira exótica. Uma investigação do Expresso com o consórcio EIC e com a equipa All Eyes on Wagner do coletivo
Os diamantes costumavam ser os melhores amigos dos mercenários internacionais em África. São muito pequenos e fáceis de esconder. Podem passar despercebidos em voos de regresso à Europa. Em Angola era assim que russos e israelitas eram pagos pela ajuda dada ao governo de José Eduardo dos Santos para eliminar as forças rebeldes de Jonas Savimbi. Mas os tempos mudaram. Para o Wagner Group, um exército privado de Vladimir Putin que tem sido uma das organizações paramilitares mais prolíficas dos últimos anos no Médio Oriente e no continente africano, a flexibilidade, o pragmatismo e uma grande dose de despreocupação abriram caminho a outras formas de pagamento.
Na República Centro-Africana (RCA), uma dessas formas é nova. Estão a deixar os paramilitares cortar e exportar madeiras exóticas do segundo maior pulmão do mundo, a seguir à Amazónia: a extensa floresta tropical da Bacia do Congo, que abrange seis países da África Central, entre eles a RCA.
Uma investigação desenvolvida nos últimos três meses pelo Expresso em colaboração com outros ‘media’ do consórcio European Investigative Collaborations (EIC), incluindo o Mediapart em França e a Der Spiegel na Alemanha, e com a equipa All Eyes on Wagner, do coletivo OpenFacto, revela como essa exploração da floresta tropical é feita e como as autoridades europeias não têm meios para saber ao certo se a madeira exótica cortada pelos mercenários de Putin está ou não ser importada por estados-membros da União Europeia.
Embora este país da África Central conte muito pouco para as importações de madeira tropical na Europa, representando menos de 1% do total, nalguns estados-membros esse peso é relativamente importante, como no caso de Portugal, onde desembarcaram no ano passado mais de dois milhões e meio de euros de madeira bruta extraída de várias espécies exóticas da RCA.
A opção estratégica de os mercenários russos de serem pagos através da exploração gratuita de recursos naturais está em linha com o que já acontecera antes na Síria, em que um contrato com o governo de Bashar al-Assad atribuiu-lhes 25% dos lucros obtidos com os campos de petróleo e gás conquistados ao Estado Islâmico, e também com as minas de ouro no Sudão e na própria República Centro-Africana.
UMA OFENSIVA ABERTA
O Wagner Group começou a instalar-se em Bangui há mais de quatro anos. A sua chegada foi assumida às claras e aconteceu na sequência de um acordo entre o presidente Vladimir Putin e o presidente centro-africano Faustin-Archange Touadéra, formalmente assinado pelo ministro da Defesa russo.
Touadéra procurou auxílio junto do Kremlin porque estava com dificuldades em controlar a oposição armada. Em março de 2018, o Kremlin anunciou o envio de uma equipa de 170 “consultores civis” para dar formação às forças militares e à polícia, depois de já ter fornecido algum armamento. “Em resposta a um pedido do presidente da República Centro-Africana, a Rússia decidiu prestar assistência técnico-militar a Bangui numa base gratuita”, dizia a declaração do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.
Pouco depois, em julho de 2018, o contingente teve um primeiro reforço de 500 paramilitares, vindos do Sudão, um país vizinho onde os homens de Putin têm também ajudado o governo local, tal como acontece também no Mali e na Líbia.
Os rebeldes não baixaram os braços e, na sequência das eleições de 2020, surgiu o movimento CPC (Coligação dos Patriotas para a Mudança), chefiado por François Bozié, quando seis grupos armados decidiram juntar-se numa frente única contra o governo.
O Wagner Group chegou à República Centro-Africana em 2018, para apoiar o presidente Faustin-Archange Touadéra a combater os rebeldesO Wagner Group chegou à República Centro-Africana em 2018, para apoiar o presidente Faustin-Archange Touadéra a combater os rebeldes D.R.
Como resposta à resistência militar, depressa o exército privado de Putin tornou-se uma presença forte na República Centro-Africana. Forte e polémica. Segundo a organização não governamental Human Rights Watch, homens armados identificados por testemunhas como russos têm torturado e feito execuções sumárias desde 2019 em várias zonas do país.
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