Trata-se de uma obra de suma importância para a História de Moçambique. O estado Moçambicano é de origem colonial, por isso, todos os registos que permitam determinar o seu percurso histórico, quer do ponto de vista de definição territorial, quer do ponto de vista das incidências humanas de povos que, ao longo dos tempos, habitaram esses mesmos territórios, são de ter em conta.
A forma como Moçambique acedeu à independência de Portugal, em 1975, trouxemos algumas fracturas no tratamento dos documentos que atestam a construção da nossa identidade histórica e geográfica.
Quando o governo da Frelimo proclamou o escangalhamento do estado colonial, o entendimento generalizado foi o de que se devia apagar a memória do tempo colonial. Na prática, esse entendimento levou a destruição generalizada de documentos da administração colonial. Não cabe, neste prefácio, analisar nem interpretar as causas que fundamentaram tal proclamação. Mas podemos afirmar que as suas consequências foram nefastas.
A historiografia moçambicana ficou circunscrita ao período pós-independência, apagando-se o registo documental de quase toda a memória histórica do Estado Colonial. Felizmente, uma parte considerável desse mesmo acervo, foi recolhido e conservado pelas autoridades coloniais, quer no arquivo Histórico Ultramarino, mas também em vários outros organismos, como a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Biblioteca Nacional, a Torre do Tombo e muitas outras instituições académicas e de investigação que de alguma forma ou doutra lidaram com assuntos das Colónias.
A prática de relatórios dos governantes nos diversos escalões remonta do sec. XIV e sobre Moçambique, encontramos inúmeros escritos do género que, sistematizados, permitiram aos pesquisadores de várias disciplinas dissertarem sobre a situação do território e suas gentes, sua evolução e construir um olhar mais científico.
Carlos Lopes Bento tem vindo a demonstrar a sua paixão pelas fontes primárias de vida administrativa do estado colonial através da recolha e sistematização do espólio constituído pelo conjunto de relatos e relatórios dos dirigentes cimeiros, no escalão da governação do Estado Colonial, sobretudo respeitantes aos sec. XVIII e XIX.
Assim, dos "Relatórios Anuais dos Governadores de Distrito - A situação socio-económica e política de Cabo Delgado 1850-1894," é uma recolha e sistematização dos aludidos relatórios, todos eles tendo como destinatário o Governador Geral da província. Encontramos também alguns relatórios do Governador Geral dirigidos ao conselho Ultramarino e ao próprio Rei de Portugal. Trata-se de fontes primárias que permitem aos historiadores, sociólogos, antropólogos, cientistas políticos, juristas e até médicos e economistas estudarem e produzirem um conhecimento científico sobre a terra e as gentes, bem como, de que maneiras eram exercidas as relações de poder nas diversas esferas da vida, no chamado Distrito de Cabo Delgado, bem como a delimitação do território sob jurisdição portuguesa e as relações com as chefias das terras fora do controlo da coroa portuguesa.
Trata-se de um valioso contributo e seguramente uma ferramenta que vai servir para resgatar a nossa memória histórica da componente colonial na formação de Moçambique, História e Geografia, duas componentes fundacionais para a identidade de uma sociedade.
Aos estudiosos só posso esperar que tirem o máximo proveito do contributo que Carlos Lopes Bento lhes coloca à disposição para elaborarem os seus trabalhos sobre esta parcela de Moçambique, que é Cabo Delgado.
Lourenço do Rosário
Encomendar à Sociedade de Geografa de Lisboa em [email protected]
NOTA: Pela situação prevalecente em Cabo Delgado escolhi o Capítulo "Do Regimento de Milícias de Cabo Delgado" que apresento mais abaixo.
Muitos se interrogam "porquê Cabo Delgado e não em outra província"? Como venho escrevendo há muito, Cabo Delgado não tem comparação com qualquer outro lugar em Moçambique. É preciso conhecer a sua história e o seu povo e, como verão, embora em épocas diferentes, basicamente é sempre o mesmo que está em questionamento. Portugal teve o Império Ultramarino mais antigo do mundo e o último a terminar. É que sempre foi apoiado por populações locais. Em 1974 os seus efectivos eram maioritariamente de naturais de Moçambique.
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