Preocupado com o agravamento da violência na província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, em consequência dos ataques mortais de um grupo de insurgentes conotado com jihadistas, António Juliasse Ferreira Sandramo, bispo da diocese de Pemba (que coincide com a referida província), considera que a situação não se resolverá se apenas for tratada como um assunto do foro militar. O bispo teme que a guerra na Ucrânia secundarize um grave drama que, aliás, já se prolonga para além das fronteiras da província de Cabo Delgado, tendo recentemente visado Nacala, na província vizinha de Nampula, quando há dias foi morta uma missionária.
Na conversa que teve com o 7MARGENS em Braga, onde esteve no contexto da renovação do acordo de cooperação missionária entre as dioceses de Braga e Pemba que vigora desde 2014 e que expiraria em 2024, D. António Juliasse explicou que um severo problema sentido em Cabo Delgado após o início da guerra na Ucrânia foi a falta do apoio do Programa Alimentar Mundial (PAM).
O trabalho do PAM, que faz chegar ajuda humanitária a zonas que dela carecem urgentemente, tinha permitido algo extraordinário: não haver mortes de fome entre os deslocados que fogem da violência. O fim desta ajuda impedirá o socorro de mais de 850 mil deslocados, diz o bispo de Pemba, indicando que, em consequência dos ataques mais recentes, há oito mil novos deslocados. “Sem a ajuda da comunidade internacional não é possível fazer nada”, afirma António Juliasse. Sublinha, por isso, que Moçambique tem de continuar a ser uma prioridade mundial. “Não pode haver vítimas de primeira linha e vítimas de segunda linha.” O conflito de Cabo Delgado não pode ficar esquecido, tornando-se um “assunto normal”, fazendo com que seja indiferente o azar dos que têm de andar 200 quilómetros a pé para tentarem ser hospedados por famílias em condições extremamente precárias.
Tem sido possível que não haja mortos por falta de alimentação e, pelo menos isso, tem de continuar a ser garantido, eis o que urge no imediato, declara o bispo, sublinhado a necessidade do voltar a contar com o auxílio do Programa Alimentar Mundial. Envolvida no combate à fome, a Cáritas Diocesana de Pemba, por si só, não a pode suprimir.
António Juliasse, bispo de Pemba, defende que o conflito em Moçambique não pode ser esquecido pela comunidade internacional. Foto © Eduardo Jorge Madureira
António Juliasse, bispo de Pemba, defende que o conflito em Moçambique não pode ser esquecido pela comunidade internacional. Foto © Eduardo Jorge Madureira
Quanto ao conflito, que se tem disseminado – há poucos dias, o ataque de homens armados à missão de Chipene, na diocese de Nacala, na província vizinha de Nambula, provocou a morte de uma religiosa comboniana italiana, Maria de Coppi –, suscitando uma generalização da insegurança, o bispo de Pemba considera equívoca a estratégia que tem sido seguida de o enfrentar apenas militarmente. Aos jovens, potenciais alvos de recrutamento pelos jihadistas, importa “oferecer horizontes”. É essencial criar empregos, eliminar a pobreza, proporcionar oportunidades, preconiza D. António Juliasse. “É preciso evitar que as pessoas se percam”, diz. Ou seja: “É necessário criar esperança.” Uma resposta exclusivamente militar pode eliminar dois, três ou quatro jihadistas, mas não impedirá novos recrutamentos”.
Para o bispo de Pemba, é preciso mudanças rápidas no modo de lidar com a violência. É preciso um vasto trabalho de prevenção, integrando as forças vivas, designadamente os líderes religiosos e os líderes locais. O Governo deve ter uma abordagem mais clarividente e falar com líderes muçulmanos e católicos. António Juliasse apresenta o seu próprio exemplo: “Nunca fui chamado para uma reunião” de reflexão.
Os problemas com a alimentação não são, evidentemente, os únicos. O rol inclui as dificuldades com os realojamentos e os problemas psicológicos. A violência tem também obrigado a encerrar muitas escolas e centros de saúde. Nos sítios de acolhimento de deslocados, as escolas preparadas para receber mil crianças têm agora de receber três mil, verifica o bispo. E muitas crianças não têm sequer motivação para ir à escola. Os mais novos vêem-se privados de um futuro.
A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa (em Agosto de 2023), afirma António Juliasse, deve conceder alguma atenção aos jovens que estão a ser mortos no mundo inteiro ou que são vítimas da pobreza e da corrupção. “Como pensar nisto?”, questiona o prelado, pedindo um alargado diálogo inter-religioso pela paz. E pedindo ainda que, na JMJ, não se ignore o que se passa em Moçambique. António Juliasse estará nos próximos dias no Vaticano também com o propósito de que a tragédia moçambicana não fique esquecida.
Campanha “Juntos por Cabo Delgado”
A diocese de Pemba tem, desde 2014, um acordo de cooperação missionária com a Arquidiocese de Braga, que inclui o cuidado pastoral da Paróquia de Santa Cecília de Ocua, no Sul da província de Cabo Delgado, por parte de uma equipa constituída por um sacerdote e duas leigas. Aqui foi lançada a Campanha “Juntos por Cabo Delgado”. A iniciativa dinamizada pelo Centro Missionário da Arquidiocese de Braga, com o apoio de várias organizações da sociedade civil, fez dois anos no dia 12.
No início de 2021, foi lançada uma campanha de recolha de bens. Os contentores com os bens doados chegaram a Pemba para serem distribuídos no final do passado mês de Março.
No final de Maio, foi enviada a última tranche do dinheiro recolhido, que perfez cerca de 100 mil euros. Este dinheiro foi utilizado em Pemba pelo fundo de emergência da diocese e pela Cáritas para a compra de materiais para construção de casas para os deslocados nos vários campos de reassentamento espalhados pelo território da diocese.
Embora a fase de recolha de bens tenha terminado, a recolha de dinheiro prossegue. Os donativos podem ser feitos através do IBAN: PT50 0010 0000 0276 7480 0020 8.
Um euro, disse o bispo D. António Juliasse ao 7 Margens, permite custear uma refeição.
In https://setemargens.com/atencao-ao-conflito-de-cabo-delgado-e-uma-estrategia-para-o-afrontar/