DÍVIDAS OCULTAS
O banco russo VTB voltou ontem a estar representado no caso moçambicano das dívidas ocultas no Tribunal Comercial de Londres, após seis meses ausente devido ao impacto das sanções britânicas sobre empresas russas na sequência da invasão da Ucrânia. A sociedade de advogados Rosenblatt substituiu a Freshfields, que desde Março deixou de intervir nas audiências de gestão processuais que têm decorrido pontualmente e deixou de trabalhar com o VTB.
Numa audiência que teve lugar ontem, o advogado Timothy Howe, em nome da Rosenblatt, disse que, resolvidos os trâmites que até agora impediram o envolvimento no processo, o VTB espera participar no julgamento previsto para começar em Outubro de 2023.
O VTB, o segundo maior banco russo, foi alvo de sanções financeiras pelo Reino Unido e Estados Unidos da América (EUA) logo em 24 de Fevereiro, no primeiro dia da invasão russa da Ucrânia, juntamente com outras empresas e indivíduos associados ao regime do Presidente Vladimir Putin. De acordo com um documento apresentado ontem, o VTB obteve em Março uma licença de “necessidades básicas” do Gabinete de Implementação de Sanções Financeiras (Office of Financial Sanctions Implementation, OFSI) para poder pagar honorários e despesas associadas à prestação de serviços jurídicos.
Porém, deparou-se com “dificuldades práticas em efectuar tais pagamentos”, tendo optado por nomear o administrador fiscal Teneo para desbloquear o processo, o que foi aprovado pelas autoridades britânicas.
O banco russo disse ter “autorização do OFSI, do Banco de Inglaterra e das autoridades reguladoras financeiras do Reino Unido para aceder aos seus fundos para efectuar determinados pagamentos a terceiros, de modo a permitir-lhe pagar directamente os seus honorários legais e profissionais para efeitos da condução contínua destes procedimentos”.
Uma autorização do Departamento do Tesouro dos EUA está “pendente”, mas o VTB “não tem razões para crer que esta licença não será concedida”, indicou no documento apresentado ao tribunal.
A República de Moçambique iniciou em 2019 no Tribunal Comercial de Londres, parte do Tribunal Superior [High Court], uma acção judicial para anular dívidas contraídas de 622 milhões de dólares ao banco Credit Suis[1]se, alegando que foram resultado de subornos a altos funcionários públicos.
Por seu lado, o VTB apresentou a própria queixa contra Moçambique por incumprimento do contrato, exigindo o pagamento de 670 milhões de dólares acrescidos de juros.
Em causa estão empréstimos contraídos entre 2013 e 2014 superiores a 2.000 milhões de dólares para financiar projectos de pesca de atum e protecção marítima das empresas públicas Ematum, ProIndicus e MAM, fornecidos pelo grupo naval Privinvest.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado por Armando Guebuza, sem conhecimento do Parlamento e do Tribunal Administrativo.
Em consequência, o país viu a ajuda internacional ser suspensa e as relações com o Fundo Monetário Internacional, por exemplo, foram retomadas este ano em termos de programas de ajuda financeira, e outros doadores, como Portugal, continuam sem dar apoio directo ao orçamento, como faziam até então, tendo optado por financiar programas específicos à margem do controlo do Governo.
O caso das dívidas ocultas também está a ser julgado nos tribunais moçambicanos, em Maputo, estando a sentença agendada para 30 de Novembro. O processo envolve 19 arguidos, incluindo Ndambi Guebuza, filho mais velho de Armando Guebuza, que era Presidente da República à época da contracção das dívidas ocultas, Gregório Leão, antigo director-geral dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE), António Carlos do Rosário, antigo director da Inteligência Económica do SISE, Cipriano Mutota, antigo director do Gabinete de Estudos e Projectos do SISE, e Renato Matusse e Inês Moiane, antigos conselheiro e secretária pessoal de Armando Guebuza, respectivamente.
DN – 29.09.2022