Lourenço Marques: um paraíso à margem da guerra
Em Novembro de 1899, Winston Churchill, futuro Lorde do Almirantado e futuro primeiro-ministro britânico, tinha 25 anos de idade e estava na África do Sul como correspondente de guerra do Morning Post. Grassava a segunda guerra anglo-bôer (1899-1902), particularmente violenta e desapiedada e no decurso da qual, às guerrilhas bôeres, os britânicos responderam com inusitada ferocidade, praticando a política da terra queimada e construindo campos de concentração onde viriam a morrer dezenas de milhares de mulheres e crianças.
Internado em Pretória, Winston Churchill esperou pacientemente durante semanas, antes de se decidir correr o risco de uma fuga espactacular. Aproveitando uma noite sem luar, escapuliu-se e procurou a estação de caminhos de ferro da capital da República do Transvaal.
Ouçamo-lo:
"No sexto dia de fuga, ofereceu-se-me a chance por que esperava pacientemente. Encontrei um comboio com a indicação "Lourenço Marques" estacionado num ramal lateral. Enchi uma garrafa com água para beber no caminho e preparei-me para a última etapa da minha jornada. O vagão em que me instalava estava carregado com grandes sacos de mercadoria, e entre eles encontrei uma fenda que me permitiu esconder-me com algum conforto. Se bem que o calor fosse quase sufocante, estava decidido a não abandonar o meu esconderijo até chegar a território português. Esperava que a viagem demorasse trinta e seis horas; porém, esta foi-se arrastando por dois penosos dias e meio. Eu quase não ousava dormir por medo de roncar.
Temendo que a composição fosse revistada em Komati Poort (fronteira entre o Transval e Moçambique) e minha ansiedade aumentou quando o trem se aproximou dessa localidade. Para prolongar a minha aflição, o comboio manteve-se imóvel na fronteira por dezoito longas horas. Subitamente, começaram a procurar no meu vagão, levantaram a lona que cobria os sacos mas, felizmente, não pesquisaram o suficiente, de modo que, providencialmente protegido, cheguei finalmente à baía de Delagoa (nome dado pelos britânicos a Lourenço Marques) e rastejei do meu lugar de refúgio e castigo, cansado, sujo, com fome, mas livre" (Winston Spencer Churchill, London to Ladysmith via Pretoria. London: Longmans Green, 1900).
Sujo e esfomeado, foi assistido pelas autoridades portuguesas e conduzido ao consulado-geral britânico, onde o Cônsul, acordado a altas horas, pensou estar na presença de um carvoeiro da frota britânica então fundeada na baía da cidade.
A fuga, largamente noticiada pelos jornais de todo o mundo, fez deste desconhecido jovem repórter uma notoriedade num momento em que os britânicos, humilhados por sucessivas derrotas frente aos bôeres, precisavam desesperadamente de boas notícias e de um herói. Se Churchill tivesse sido capturado, a sua sorte seria incerta, pelo que, se não tivesse sido fuzilado, não teria podido apresentar-se no ano seguinte ao eleitorado como o valente herói de África. Por algum motivo, a essa primeira eleição de Churchill para Westminster chamou-se a Eleição Caqui, em alusão ao uniforme de cor caqui das tropas coloniais.
O episódio da fuga de Winston Churchill para Lourenço Marques é evocado no filme Young Winston (1972).
MCB
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