Ser historiador não é ser apenas repórter, embora de factos e situações passadas. Talvez que encadear factos e ligar as situações que os provocaram e as suas consequências, seja mais de analista.
Vou, pois, tentar “historiar”. Não para concluir, apenas deixando “pistas”. Não duvidando dos acontecimentos.
Dois factos aconteceram em Moçambique durante a Guerra do Ultramar/Colonial/Libertação para os quais tenho procurado explicação e justificação: o Massacre de Wiriamu e o aprisionamento de uma Companhia de militares portugueses em OMAR (Namatil).
Sobre Omar poderão encontrar tudo em
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/omar_01081974/
Por aí se pode deduzir que houve que criar um facto consumado a apresentar ao General Spínola, de conluio entre a FRELIMO e Melo Antunes/Almeida Santos. Afirma o então Comandante de Companhia nunca ter proferido as palavras que lhe são atribuídas na cassete entregue por estes ao General Spínola e que nunca foi ouvido, não sendo pois o relatório militar deste acontecimento da sua responsabilidade e lavra. Porquê?
Porque era preciso “dobrar” o General Spínola e “obrigá-lo” a aceitar a solução Melo Antunes/Mário Soares/Almeida Santos da entrega do poder à FRELIMO, sem consulta popular.
Sobre Wiriamu consulte
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/wiriamu/
Atentemos então no seguinte quadro cronológico:
- 15.12.1972 – Briefing da “Operação Marosca” em Tete.
- 16.12.1972 – Massacre
- 05.01.1973 (+-) – Cerca de 20 dias depois, é ordenado o regresso ao local da 6ª de Comandos para enterrar os corpos (tendo-lhes sido ordenado irem desarmados, a Força Aérea se “esqueceu” de os ir buscar e sofreram uma dura emboscada (vídeo Regresso a Wiriamu) …
- 19.02.1973 – Pe. Miguel Buendia leva o relatório consigo para a Europa (in vídeo Regresso a Wiriamu)
- Maio de 1973 – Reunião entre os secretários-gerais do Partido Socialista Português e do Partido Comunista Português, em Paris, com a presença de representantes da URSS, FRELIMO, PAIGC e MPLA. Ora, a presença destes elementos nesta reunião, ao mais alto nível, mostra um permanente contacto entre o PS, o PCP e estes movimentos independentistas.
Veja
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2005/10/ainda_a_entrevi-1.html
(A veracidade desta newsletter foi-me há pouco tempo confirmada pelo seu autor John C. Wahnon)
- 04.06.1973 – Cesare Bertulli publica através dos serviços da «Cable Press» de Roma o relatório completo (In “a cruz e a espada em Moçambique”).
- Neste período o Pe. Vicente declara (in vídeo “Regresso a Wiriamu” (SIC)) que publicitou o relatório na Holanda, Alemanha, Bélgica e outros países.
- 10.07.1973 – Publicação do relatório no jornal Times de Londres.
- Julho de 1973 – Der Spiegel publica fotos que “alguém” de Moçambique lhe enviou.
- 11.07.1973 - Conferência do Pe. Hastings (Londres) com a presença de Mário Soares (in vídeo 1 de 7) onde afirma que só “agora publiquei, porque só agora o tive” (o relatório).
http://ultramar.terraweb.biz/Imagens/Moçambique_MassacredeWiryamu.htm
- 16.07.1973 – Visita de Marcello Caetano a Londres, há muito programada para a celebração dos 600 anos da aliança Luso-Britânica.
Era pois necessário “fabricar” um facto, o mais repugnante possível, que denegrisse a imagem de Portugal aos olhos do mundo ocidental e propagandeado em altura propícia: nada melhor que aproveitar a visita de Marcello Caetano a Londres.
Não acredito, porque também fui militar, que quando a ordem de “limpar” foi dada à 6ª de Comandos, não o fosse por um motivo “muito forte”. Nem acredito na tese de vingança, por emboscadas anteriormente sofridas. E qual foi esse motivo assim tão forte: a grande probabilidade de apanhar o Comandante “Raimundo” e os guerrilheiros que comandava. Por isso o desencadear da operação em menos de 24 horas.
Mas o que levou o Inspector Sabino da DGS a convencer o Comando da ZOT da urgência da operação?
Escreve Inácio de Passos, ao tempo jornalista e residente em Tete:
………………..
“Mas também por ele (Comandante Machava) tomei conhecimento de factos que sei que até hoje não foram por ninguém revelados.
Quem dirigiu os militares portugueses a Wiriamu, ao «massacre» que serviu de ponta de lança à propaganda anti-portuguesa, encetada com sucesso pelo padre Hastings?
Quem os guiou num pequeno «Volks Wagen», protegido por aperradas armas até ao acesso da picada e os acompanhou até ao local?
Quem assassinou, após o 25 de Abril, o seu serviçal, conhecedor do seu segredo, para que a sua criminosa atitude não fosse divulgada aos dirigentes da Frelimo?
O seu nome é Raul Frechaud Fernandes, primo carnal de Sérgio Vieira, um dos homens que dirige e automatiza Samora Moisés Machel.
— Mas a Frelimo não sabe isso? — interroguei-o.
— Eu próprio informei o comandante José Moiane e ele como comandante provincial não procedeu. O velho afirmou que atitudes antigas eram para esquecer. Eu creio que ele não quer tocar na família de Sérgio Vieira... — respondeu-me.
Raul Frechaud Fernandes, mestiço asiático, é dirigente do Departamento Distrital da Frelimo de Informação e Propaganda. Mas apenas ocupa esse cargo após a Independência. Possuía uma pequena cantina comercial de onde o povo de Wiriamu se abastecia. Desse povo veio a adquirir os meios de fortuna que hoje possui, pois lhe furtava o gado que vendia a militares portugueses em candonga.
Colaborou no assassinato do povo moçambicano que mais intimamente lhe esteve ligado mas hoje é um dos dirigentes do Partido. O povo, porém, sabe que os seus inimigos de ontem são os de hoje. São seus inimigos desde que as teorias e as atitudes do dr. Eduardo Mondlane foram silenciadas pelo deflagrar de um livro armadilhado.
(Moçambique – A Escalada do Terror (1977))
Em “O Anjo Branco”, de José Gomes dos Santos, podemos ler:
……………….
“Os quatro anuíram com movimentos afirmativos de cabeça. O chefe militar de Tete voltou a consultar os documentos onde a operação estava planificada.
"O bombardeamento dos Fiats será efectuado às sete da manhã do dia 18 e logo a seguir..."
"Tem de ser amanhã", cortou Aniceto Silva.
O coronel Varela arregalou os olhos, espantado com a interrupção.
"Como?"
O inspector da DGS tinha uma expressão convicta no rosto.
"Se queremos ter a certeza que apanhamos os turras, temos de avançar amanhã o mais tardar."
"Amanhã?"
"Já, amanhã."
O coronel suspirou; parecia um pai a lidar com o capricho de uma criança.
"Inspector, todos queremos antecipar a operação", disse. "Mas ninguém quer antecipá-la assim tanto. Porquê essa urgência?"
"Já lhe expliquei, senhor coronel", argumentou o inspector da DGS.
"Se queremos ter a certeza de que apanhamos os turras, temos de avançar amanhã o mais tardar."
"Mas porquê amanhã? Porque não dia 18?"
"Porque são essas as informações de que disponho, senhor coronel.
Estou a falar de informações seguras."
Angelino apoiou-se noutra perna, impaciente e irritado com tanta certeza.
"Eu conheço muito bem as informações seguras da PIDE!", exclamou o chefe dos comandos num tom de desprezo. "Estou farto de andar à caça dos gambozinos à custa das vossas informações seguras!
Ainda noutro dia a PIDE nos garantiu que havia no Zoboé um acampamento de turras e, quando lá chegámos, só vimos impalas!"
"Estas informações são seguras", insistiu Aniceto Silva, quase rangendo os dentes. "Seguríssimas!"
O coronel Varela inclinou-se sobre a mesa, apoiando-se nas mãos.
"Já, mas seguras a que ponto, senhor inspector? O nosso alferes tem razão. Não tem conta o número de missões que enviamos à custa das informações seguras da PIDE e que se vêm a revelar um completo fiasco..."
O inspector suspirou.
"As nossas informações indicam a presença do Raimundo na zona."
A referência ao nome teve o condão de calar os quatro militares na sala, garantindo ao inspector a melhor atenção. "Não preciso de vos recordar o prestígio desse chefe maconde que veio aqui para Tete desestabilizar o distrito, pois não?"
O coronel Varela cruzou os braços e mordeu o lábio inferior, considerando a informação.
"Tem a certeza de que o Raimundo está neste sector?"
O rosto do homem da DGS abriu-se num sorriso sibilino.
"Quem mais se atreveria a atacar os comandos à luz do dia?" Fez uma pausa, deixando a ideia germinar na mente dos militares. "Ele comanda trezentos guerrilheiros que se infiltraram nas aldeias desta área. E eu sei que o tipo vai estar amanhã numa delas."
Angelino soltou uma gargalhada céptica.
"Como pode o senhor saber uma coisa dessas? Falou com ele?"
Aniceto Silva estreitou ligeiramente os olhos, com ar de quem estava na posse de matéria confidencial.
"É uma informação que tenho."
"Desculpe, senhor inspector", interveio o coronel Varela.
"Considerando o que está aqui em causa gostaria de saber qual a fonte dessa informação."
O responsável da DGS respirou fundo, sabendo-se derrotado.
"É o Mendes", disse. "O gajo foi esta manhã comprar cabritos às aldeias e os turras apanharam-no."
"Qual Mendes? O da Toyota vermelha?"
"Esse mesmo."
"Os turras apanharam-no?"
"Sim, mas não lhe fizeram mal", apressou-se o inspector a esclarecer. "Os tipos disseram-lhe que não o matavam mas que precisavam de ser abastecidos de farinha e sal e mandaram-no ir a Tete buscar esses produtos e entregá-los amanhã na aldeia." Consultou uma anotação. "Marcaram encontro junto a uma pedra chamada... tombonhapangara... ou lá como se diz essa merda! Só sei que o coitado do Mendes apanhou um cagaço dos antigos! Foi a correr para Tete e veio logo falar comigo."
Os quatro militares estavam boquiabertos, os olhos presos no inspector; era demasiado bom para ser verdade! Passada a surpresa inicial, o coronel Varela acercou-se de Aniceto Silva e desferiu-lhe uma sonora palmada nas costas.”
(“O Anjo Branco”(2010))
Será que Raul Frechaud Fernandes é o “Mendes” aqui referenciado. Tudo leva a crer que sim. Aliás é fácil colocar os nomes reais na maioria dos usados por José Rodrigues dos Santos neste seu trabalho. Excepto, talvez, o do “Mendes”. “Raimundo” – Raimundo Dalepa (maconde) era o comandante do grupo que atacou os comandos. Foi mais tarde assassinado pela própria FRELIMO. Como o “Chico Feio” da DGS. Ainda vivo, Zeca Caliate, o então comandante e chefe de operações do 4º sector, região sul, da província de Tete, que se entregou à tropa portuguesa quando foi sentenciado à morte pela FRELIMO e que me confirmou existirem contactos com oficiais portugueses do Songo e não só.
E também porque a apenas cerca de 25 Kms da cidade de Tete?
Assim se compreende a ordem de “limpar”, pois seria a maneira de, não podendo separar os guerrilheiros da população, estes serem apanhados. Só que não estavam lá. E não acredito que a DGS confiasse de tal forma num informador ocasional. O mesmo já antes tivera que ganhar a confiança dos Inspectores da DGS para que tal operação tivesse lugar com ordem de “limpar”. Quantos guerrilheiros da Frelimo e elementos da população teria sacrificado para a conquistar?
Em aparte, o agente Chico Feio da DGS “foi morto em meados de 1973, com uma granada defensiva lançada por um elemento da FRELIMO, que acaba sendo detido e liquidado pela polícia.” (Dalila Cabrita Mateus – A PIDE/DGS Guerra Colonial 1961-1974, pág.83). Posso acrescentar tratar-se de Check Banda, cujo corpo apareceu a boiar no Rio Zambeze.
Depois temos que, cerca de vinte dias após o massacre, é dada ordem à 6ª de Comandos para voltarem ao local e enterrarem, queimando-os a seguir, os restos mortais que encontrarem. São levados de helicóptero. E, é-lhes ordenado que vão desarmados, pois a operação será rápida, sendo recolhidos cerca de 3 horas depois. Qual a intenção de mandar militares desarmados para fora do aquartelamento, para pleno mato? E qual terá sido essa pessoa, esse militar que deu tal ordem? Gostaria de saber.
Acontece que várias horas depois, não sendo recolhidos, ao aproximar da noite, regressam a pé ao quartel e são violentamente emboscados. A reacção deu-se, pois que, desobedecendo, tinham ido armados. E assim chegaram ao aquartelamento, sãos e salvos.
Resta agora saber porque não foram os helicópteros recolhê-los, porque os mandaram desarmados e quem “combinou” a emboscada a que foram sujeitos.
Não pega a ideia de querer justificar o massacre pela morte de comandos “desarmados”, provando assim a existência de guerrilheiros na zona, cerca de 20 dias depois.
Provado que não foram encontrados guerrilheiros, também estranho não ter sido feita qualquer limpeza imediata ao local do massacre. As provas tinham que continuar a existir. Porquê e para quê?
E calar testemunhas tornara-se impossível, tantas eram elas.
Verificamos depois que a data escolhida para a grande divulgação pública do relatório foi nas vésperas da visita de Marcello Caetano a Londres.
O relatório saiu de Moçambique em Fevereiro de 1973 e foi divulgado pela “Cable Press” (Roma) em 4 de Junho.
Assim, é de presumir que o mesmo já estaria nas mãos de Mário Soares, quando da reunião em Paris, em Maio de 1973, com o PCP e a presença de delegados da URSS, MPLA, PAIGC e FRELIMO.
Como terá ficado acordado nessa reunião, seria Mário Soares o “cabeça de cartaz”, pelo que aparece em Londres ao lado do Padre Hastings e cartazes do Partido Socialista Português sobressaíam entre os manifestantes.
Como acreditar no Padre Hastings, sempre tão activo contra Portugal, quando afirma que “só agora o divulgo, porque só agora o tive”? Porque não outra pessoa, outra data, outra imprensa ou televisão?
Veja-se:
“No início de 1973, quando se tornou público o convite endereçado pelo Governo conservador de Edward Heath a Marcelo Caetano para se deslocar a Londres como forma de assinalar o VI Centenário da Aliança Luso-Britânica, Hastings e o Instituto decidiram "espalhar os feijões" e promover, à margem das celebrações oficiais, um debate sobre a política portuguesa em África. Para esse efeito, convidaram Mário Soares, então exilado em França, e Lord Caradon, representante britânico nas Nações Unidos durante os governos trabalhistas da década de 60, e, para reforçar a notoriedade da iniciativa, tentaram que esta se realizasse num local deliberadamente identificado com o establishment britânico – a Câmara dos Lordes ou, em alternativa, Chatham House. No entanto, para captar as atenções dos media para os aspectos mais brutais da guerra colonial portuguesa, os organizadores sentiam que algo de diferente seria necessário 16.
E foi então que, no decurso de uma viagem de Hastings à Rodésia, esse pretexto acabou por surgir. Missionários espanhóis (Padres de Burgos) puseram-no ao corrente das atribulações de dois irmãos seus, os padres Alfonso Valverde e Martin Hernandez, que se encontravam detidos na prisão da Machava, em Moçambique, por terem denunciado as atrocidades cometidas pela tropa portuguesa em Mucumbura, no distrito de Tete.
Hastings conseguiu aprofundar melhor essas alegações em Espanha, onde, por coincidência, estava convidado a participar numa conferência ecuménica de católicos e anglicanos. No espaço de poucas semanas, encontrou-se na posse de um conjunto de relatórios que documentavam, de forma aparentemente muito fiável, vários massacres em aldeias moçambicanas no distrito de Tete, no âmbito das operações de contra-insurreição das forças especiais portuguesas (e rodesianas). Destes massacres, o cometido em Wiriyarnu, pertencia, segundo o próprio Hastings, a uma categoria à parte - uma aldeia inteira fora arrasada e quase todos os seus habitantes haviam sido mortos, muitos deles com requintes de sadismo e crueldade ". Como o próprio confessaria uns meses mais tarde, a posse desses elementos fê-lo sentir-se como «Guy Fawkes junto dos seus barris de pólvora, embora evidentemente não pudesse prever toda a amplitude que a explosão iria ter».
Curiosamente, alguns dos massacres ocorridos em 1972 haviam já sido reportados em diversos órgãos de comunicação italianos, mas a sua repercussão internacional havia sido praticamente nula. Pela mão de Hastings, porém, os relatos dos missionários espanhóis alimentariam uma formidável campanha de imprensa, com sérias implicações para a reputação do regime português. No espaço de poucos dias, Wiriyarnu tornou-se o "My Lay" português - a demonstração acabada de como as tácticas de contra-insurreição acabavam por castigar sobretudo as populações cuja segurança e bem-estar deveriam constituir a razão de ser da presença portuguesa em África,
O impacto destas revelações deveu-se a duas circunstâncias. A primeira foi a sua publicação num jornal com o prestígio e a influência do The Times; a segunda foi a coincidência entre essa publicação e a visita de Caetano ao Reino Unido. As duas combinadas produziram um efeito explosivo.”
(In “Adrian Hastings e Portugal: Wiriyamu e outras polémicas”, de Pedro Aires Oliveira – Todo o documento em http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/11/adrian-hastings-e-portugal-wiriyamu-e-outras-pol%C3%A9micas-de-pedro-aires-oliveira.html )
Não sei qual o nome de código desta operação, bem montada, fora de Moçambique e que tantas vítimas inocentes causou.
E para os que ainda duvidam que tudo estava já feito para e com a FRELIMO vejam os dois documentos abaixo:
“A carta que mais abaixo ides ler é prova mais que provada que o conluio MFA (Melo Antunes/Mário Soares/Almeida Santos) com a FRELIMO já há muito existia.
Sempre pelos descolonizadores portugueses foi referida apenas a existência de um único movimento armado em Moçambique quando existiam dois: a FRELIMO e a COREMO.
Eis agora a explicação de como a COREMO foi silenciada, com a ajuda da Zâmbia e da Tanzânia.
Já faleceu o autor da carta e está sepultado em Moçambique.”
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2006/03/contribuies_par.htm
“Em telegrama endereçado ao governo zambiano, o governo provisório português indicou que uma delegação liderada pelo Dr. Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, deveria estabelecer conversações em Lusaka com ambas forças – Frelimo e Coremo. Essas conversações não incluiriam questões relacionadas com a independência dado que as mesmas careciam da participação de outras forças políticas no interior do país.
Por razões por nós desconhecidas, na véspera das primeiras conversações as tropas zambianas atacaram as bases militares do Coremo em Moçambique, tendo procedido à detenção dos nossos combatentes. Os dirigentes do partido que na altura se encontravam em Lusaka foram detidos e posteriormente encarcerados.
As informações que obtivemos junto das autoridades prisionais são de que esses dirigentes foram transferidos para a Tanzânia, não sendo possível obter directamente quaisquer notícias dos mesmos.
Não nos causará surpresa ouvir dizer que todos eles acabaram por ser entregues a Frelimo, às mãos de quem a morte é o destino certo.
No decurso do mês transacto, tropas da Zâmbia e guerrilheiros da Frelimo, numa acção combinada penetraram no distrito de Tete no encalço das nossas forças que não haviam sido destruídas durante a primeira operação.
Não restam dúvidas de que a eliminação física do COREMO foi planeada de modo a manter a FRELIMO como o único interlocutor nas negociações com o governo português. Não cremos que as autoridades zambianas tenham agido de forma prudente, independentemente das suas melhores intenções.”
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2006/02/contribuies_par.html
Seria natural que Mário Soares perguntasse pela COREMO. Parece que não (pois já o saberia) e à sua ausência não fez qualquer alusão. Como sempre, tudo já pré-definido.
Destaco igualmente as declarações abaixo, proferidas entre Maio e Junho de 1974 e pergunto-me: a quem estavam a enganar Costa Gomes e Almeida Santos?
Palavras de saudação aos moçambicanos do General Costa Gomes, à chegada a Lourenço Marques, no dia 10/05/74:
«Quis a Junta de Salvação Nacional significar o seu alto apreço ao povo moçambicano e fazer sentir ao Mundo que Portugal europeu continua firme e determinado no seu apoio aos irmãos ultramarinos. Nesta intenção radica a minha viagem e do general Diogo Neto que, em nome da Junta de Salvação Nacional, saudamos um povo irmão que desejamos próspero, feliz e pacífico.»
Extracto da conferência de imprensa dada pelo General Costa Gomes, em Lourenço Marques, no dia 11/05/74:
«Teria havido quem admitisse que o Movimento das Forças Armadas tudo planeara para fugir ao sofrimento da guerra, teria havia quem se convencesse que esta revolução equivaleria à entrega imediata e incondicional dos povos irmãos do Ultramar, teria havido desesperos doentios de onde brotaram planos inconsequentes de independências unilaterais, teriam também existido ingénuos que trocaram pesadelos de tímidos pelo sonho de um navio com apartamento familiar e com porão largo para bagagens abastadas. Pois bem, que fique definido de uma vez para sempre que os homens do Movimento das Forças Armadas e a Junta de Salvação Nacional que elegeram são o conjunto humano com provas dadas no mato e na retaguarda, jamais negaremos apoio em todos os campos aos povos irmãos do Ultramar.»
«Desde o inicio que Portugal subscreveu a Carta das Nações Unidas, em cujo clausulado se vincou ao respeito pela autodeterminação dos povos. A Junta de Salvação Nacional é garante desse princípio entendido em termos de direito internacional à luz do qual o povo moçambicano oportunamente decidirá o seu destino. Poderão, então, escolher entre um extremo da independência completa e outro extremo da integração total. Verdade seja que não é nos extremos que reside a virtude e que pessoalmente acredito que o povo de Moçambique saberá encontrar o equilíbrio num figurino original de enquadramento político no grande espaço português.»
E, a terminar:
«... Portugal europeu está disposto a apoiar incondicionalmente o povo de Moçambique em todos os campos e em todas as dificuldades. Repetindo a ideia: por um Moçambique livre e auto determinado estamos mais do que nunca dispostos a todo o tipo de sacrifício. Saudamos a nova era, em que homens de todas as cores, etnias e credos, são mais livres ao saudar a bandeira verde-rubra.»
Durante a conferência de imprensa que se seguiu e em resposta à questão posta por um jornalista estrangeiro («Se a Frelimo não aceitar as condições propostas, o exército estará preparado para continuar indefinidamente a luta e aumentar a sua intensidade»), respondeu o General Costa Gomes:
«Se a Frelimo não aceitar esta oferta que é feita com a maior sinceridade e com o espírito mais aberto, o exército não tem outra solução se não continuar a luta e intensificá-la se possível.»
E, quando outro jornalista lhe perguntou «qual a reacção do povo português e dos partidos políticos em formação em Portugal no caso da guerra se intensificar por a Frelimo não aceitar as condições estabelecidas», respondeu:
«O povo português está preparado exactamente para mais essa prova que, por todos os meios, desejaríamos evitar, dando as maiores facilidades a todos os partidos para entrarem numa era de paz, numa era onde todos possamos esquecer amarguras antigas e realmente dar as mãos para a construção de um futuro novo.»
Palavras do Dr. Almeida Santos, aos Órgãos de Informação, no dia 04/06/74:
«Angola e Moçambique aceitaram com júbilo auto determinarem o seu destino.»
«Receiam alguns que as negociações ponham em risco aquilo que são, que têm, ou de que dependem. Afligem-se sem lógica, e o mais das vezes sem razão. Antes da ofensiva de paz, em boa hora encetada, e que começou a produzir os seus frutos, repousavam sobre uma bomba de espoleta retardada.»
«O movimento de 25 de Abril despoletou-a e pôs em marcha de edificação de novos equilíbrios políticos, sociais e económicos.»
Palavras do General Spínola, na qualidade de P.R., ao conferir posse aos novos Governadores Gerais de Angola e Moçambique, General Sílvio Silvério Marques e Dr. Soares de Melo, em 11/06/74:
«... entendo por autodeterminação o exercício da capacidade dos cidadãos de uma sociedade para elegerem o estatuto por que hão reger-se, a soberania que desejam reconhecer e a forma de vida em comum que pretendem prosseguir --- enfim, para praticarem actos decorrentes de uma vontade individual ou social livre e conscientemente formada.»
e mais adiante:
«Temos, assim, de concluir que, não se encontrando instituições democráticas em funcionamento nos territórios ultramarinos, e estando por isso as suas gentes ainda privadas de formas eficazes de expressão e de participação o que hoje se entende por independência imediata seria a mais gritante negação dos ideais democráticos universalmente aceites e nos quais se inspirou o Movimento das Forças Armadas.»
e continuou:
«Poderão, pois, estar tranquilos os africanos que se mantiverem neutros, porque não lhes será negado, por essa razão, o direito de optar. Poderão estar tranquilos os africanos que se nos confiaram e ao nosso lado combateram, tendo já feito a sua opção. Poderão estar tranquilos os europeus que chamam à África a sua terra e ali se sentem cidadãos como quaisquer outros: não os abandonaremos na cobarde procura do fácil e na demagógica busca de popularidade. Poderão também estar tranquilos quantos vêm lutando pelo direito à autodeterminação, pois que a sua vontade será feita pela vontade das maiorias. A todos garantiremos que nessa hora grande serão chamados, sem excepção, a dar o seu voto.»
In http://www.espoliadosultramar.com/ip7.html
Como outro exemplo, chamo a atenção para as novas leis de nacionalidade portuguesa e moçambicana então criadas.
Sobre a Lei da Nacionalidade de Portugal, decretada após o 25 de Abril, afirmou Almeida Santos, num colóquio na Casa de Moçambique, na presença de Manuel Tomé (na altura SG do Partido FRELIMO), ter sido ele o responsável, pelo seu pêndulo "Jus sanguinis" e não "jus soli", como estava no projecto inicial do Dr. Salgado Zenha. Mais se justificou e acrescentou que as previsões, só em Moçambique, seriam de que 2 milhões de moçambicanos pretenderiam manter a nacionalidade portuguesa. Por isso a lei moçambicana de nacionalidade então aprovada: não principalmente por causa dos brancos (ali nascidos ou não), mas essencialmente para que os nativos negros se tornassem forçosamente moçambicanos.
Relembro ter Moçambique na altura menos de 10 milhões de habitantes.
Mal pareceria nascer um Moçambique independente com cerca de um quarto de população estrangeira.
E, se tudo isto não foi concertado, diabos me levem...
Agora reparem neste depoimento do Rev. Daniel Shitole de 23 de Agosto de 1981:
“Francisco Ndewe, alias Muthamanga, foi vice-comandante do departamento de defesa e chefe de operações para as províncias de Manica e Sofala com sede na Beira. Em Outubro de 1975, depois de examinar os relatórios mensais enviados a ele por seus subordinados, Francisco Ndewe, numa reunião pública no Dondo, acusou as suas forças de violar direitos humanos diariamente. No seu discurso acusou-os de matar pessoas inocentes. Ele passou a dizer que o número daqueles que tinham sido presos e as pessoas executadas desde 20 de Setembro de 1974 a Outubro de 1975 foi mais do que o número de pessoas que tinham sido torturados e executados pelos colonialistas portugueses durante 500 anos. Ele finalmente disse: se as nossas forças em 12 meses podem matar mais do que os portugueses em 500 anos, o que esperamos ganhar fazendo isso? Ndewe alertou suas forças para parar com torturas e assassinatos de pessoas inocentes.
No mesmo dia as pessoas realizaram um comício para apoiá-lo. O comício foi feito por moradores da Beira e Dondo. Alguns soldados Frelimo também apoiaram o comício. Outros soldados opuseram-se ao comício. Para acabar com ele, o governo enviou tropas da província de Manica com forças leais. 90 soldados, que estavam entre os manifestantes, foram presos. 60 deles mais tarde foram executados. 40 civis também foram presos e 15 deles também foram executados. Eles foram executados na área de Inchope na província de Manica. Após as detenções, os presos foram levados para o quartel de Chimoio na capital da província de Manica, onde foram colocados sob o controle do comando provincial do quartel-general das forças populares de libertação de Moçambique, fplm.”
(A decisão de matar as pessoas acima foi tomada por Marcos Sebastião Mabote, Ismael Mangueira, Joaquim Munhepe, José Chalo Jauma e Pedro Gavião. Ndewe foi executado em Cabo Delgado, depois de vários incidentes, em 25 de Junho de 1977, data da comemoração do segundo aniversário da Independência de Moçambique.)
Tradução livre de “The Mozambique Tragedy” de Daniel Shitole, in http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/08/o-mo%C3%A7ambique-para-todos-continua-a-receber-depoimentos-sobre-a-realidade-vivida-pelos-que-passaram-por-campos-de-reeduca%C3%A7%C3%A3.html )
Onde andavam então todos esses defensores de inocentes, antes tão activos? Não só padres, como políticos. Não só portugueses como estrangeiros.
E concluo por não considerar os militares da 6ª de Comandos em Wiriamu como únicos assassinos, ou os da 1ª Companhia de Cavalaria (Batalhão 8421) em Omar como traidores. Os assassinos e os traidores não estavam lá.
E hoje, a triste situação em que se encontram os povos de Portugal, S. Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e Timor, não é mais que o reflexo e consequência de uma descolonização alheia aos seus cidadãos.
E é à consciência dos “homens bons” que dedico este trabalho. Aos restantes, desconheço-os.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
NOTA:
Para melhor entendimento, aconselho vivamente a leitura de
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/omar_01081974/
e de
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/wiriamu/
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