ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Porquê falar de descolonização do pensamento? Porquê mantemos até hoje os 'grilhões' da colonização europeia presos em nossos pulsos de maneira intelectual e cultural? Mais do que liberdade política, nós precisamos também de liberdade científica, teórica, filosófica para perceber que nós, africanos…nós moçambicanos, nós também pensamos e nós, podemos e devemos fazer a nossa própria produção cultural e intelectual.
A questão da descolonização do pensamento é entendida, a partir do que alguns pensadores decoloniais trazem alguns pensadores como; Frantz Fanon, Grada Kilomba, Achili M’bembe, que são digamos pensadores contemporâneos.
Primeiro, eles vão nos apresentar uma questão que demonstra que, algumas das problemáticas que nós vivemos hoje, como o avanço da violência contra as pessoas racializadas (negros) …essas questões ainda são aspectos resultantes do colonialismo e do pensamento colonizador.
Grada Kilomba, por exemplo, diz na sua obra «Memórias da Plantação» que, “considerando que o conhecimento é colonizado e que o colonialismo não apenas significou a imposição do Estado ocidental sobre terras indígenas, modos indígenas de produção, leis e governos indígenas, mas também a imposição da autoridade ocidental sobre todos os aspectos dos saberes, línguas, e culturas indígenas não é somente uma imensa, mas também urgente tarefa descolonizar a ordem eurocêntrica do conhecimento”.
E em que é que os pensadores decoloniais se dedicam em suas pesquisas?
É entendo, que ainda hoje nós somos transpassado por imposição ocidental, por imposição universal, que o pensamento colonizador é estruturado sobre uma lógica hierárquica que define o que é conhecido e a ideia de um ser humano universal. Logo, esse ser humano universal, essa ideia de ser universal seria o modelo a ser seguido por todos, isso parte desde a Grécia antiga, mas é fomentada grandemente a partir da filosofia kantiana, a partir de Kant.
O Kant, numa das sua obras «Determinação do conceito duma Raça Humana», vai fazer uma 'conceptualização das raças’, ele vai dizer que existem quatro classes de homens, a partir da cor da pele, mas ele diz que todos os seres humanos saem do mesmo tronco, de um tronco originário que seria a classe de seres humanos. Desse tronco originário saem outras quatro classes, e ele vai dizer que cada uma dessas classes desenvolveram 'características especificas', que tem a ver com o clima em que esses seres humanos habitam essas classes são; os brancos, os negros, os indianos amarelos e os americanos vermelhos cobre.
O Kant, vai definir que a única classe, a única raça que desenvolveu naturalmente o que ele chama de 'qualidade diferenciadora' que é a razão foram os brancos. Portanto, o Kant, parte da ideia de que só os brancos desenvolveram a razão naturalmente e que nenhuma dessas outras classes pode assimilar essa 'qualidade diferenciadora' sem imperfeição e mais essa classe diferenciadora só pode ser transmitida por aqueles que a desenvolveram racionalmente e que, ainda assim, os únicos que podem desenvolver a partir disso, dessa 'qualidade diferenciadora' são as crianças que surgem da relação entre essas pessoas brancas.
Por isso, [ess]a ideia de ser humano universal está centrada nesse pensamento kantiano, o pensamento kantiano é o que fundamenta todo o desenvolvimento social do resto do mundo pelo menos do mundo ocidental. Você vê, aqui em Moçambique para nossa base educacional, para nossa base jurídica, para nossa base estética, tudo está centrado na filosofia kantiana, no iluminismo. Todos os inconfidentes estão baseados no iluminismo, todo o nosso pensamento no que se refere a ética, a justiça, ao direito, a medicina, a filosofia, a educação tudo está centrado no pensamento desenvolvido por Kant, a partir dessa lógica.
Portanto, a descolonização do pensamento vai no sentido de que, se agente está centrado dentro dessa lógica desenvolvida pelo pensamento colonizador, que é o pensamento do Kant, tentando resumir com a ideia de levando em consideração primeiro, que a colonização foi um processo extremamente influenciador na dinâmica social, não só em Moçambique, você pode observar isso nos Estados Unidos, no Brasil…não tem como tirar essa influência da colonização.
De facto, essa influência não está só na questão económica, a questão económica é um dos resultados dessa influência da colonização, ela está fortemente alicerçada no 'epistemicídio' e, o filosofo sul africano, Mogobe Ramose, define o 'epistemicídio' como assassinato do modo de saber e existir dos povos conquistados.
Ora, o que é que acontece[u] no processo de colonização falando de Africa? Os povos que foram deportados eram depois rebatizados, ganhavam novos nomes e não tinham mais direito aos nomes de origem e nem ao seu idioma, eles tinham que aprender o novo idioma e toda cultura, e os povos que já la estavam, também passaram por esse processo, isso influenciou no desenvolvimento social, ideológico, cultural, religioso desses povos que traz esses 'resquícios' até hoje. Ou seja, nós estamos alicerçados a partir dessa lógica hierárquica que define a ideia de um ser humano universal a partir do Ocidente.
Por isso, todas as nossas acções, as estruturas sociais, a política, tudo está alicerçado nessa ideia. E quando eu venho, não só eu, mas esses pensadores com essa necessidade da descolonização do pensamento é justamente 'demonstrar ' os aspectos, é fazer um estudo profundo sobre aspectos desse pensamento colonizador, ver como que esses aspectos 'reverberam' hoje, para a partir disso agente observar o que existia antes ou aquilo que é possível observar o que existia antes desse processo de colonização e fazer aquilo que no marxismo se chama de dialéctica. E, a partir dessas realidades, desses aspectos buscar novos modos de existir, fazendo isso junto a pluriversalidade do ser compreendendo que, essa[s] distinção não precisa[m] ser algo que cause uma segregação, mas que, elas podem ser algo, que busquem essas relações interculturais no sentido de desenvolvimento social e humanitário do que, Frantz Fanon vai chamar de nova humanidade.
Manuel Bernardo Gongola
Maputo, aos [31] de Outubro 20[22]