EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (116)
Eu não sei, Presidente, se no seu atarefado tempo, o pouquinho que lhe resta tem aproveitado para alguma introspecção. Faz bem. O País, mesmo que o Governo tente disfarçar, está de rastos e muito se deve ao facto de os governantes só olharem para o seu umbigo.
Lembra-se do Presidente tunisino, Zine el Abidine Ben Ali? Os seus 23 anos no poder foram caracterizados por uma voraz corrupção, que transformou a sua família numa das principais fortunas do país. E o seu regime gabava-se de ter modernizado a economia da Tunísia.
E tanto o FMI como as potências ocidentais, temerosas da ascensão do islamismo, consideravam-no seu pupilo avantajado no norte da África. O crescimento económico, que se baseava sobretudo na expansão do turismo, distribuiu-se de forma muito desigual.
Nas regiões pobres do centro do país (Cabo Delgado?), a falta de infra-estruturas e oportunidades condenava a juventude ao desemprego ou à migração. E foi justamente numa dessas áreas onde a faísca revolucionária se inflamou, depois da auto-imolação de Mohamed Buazizi, um jovem vendedor ambulante de frutas e verduras, revoltado com o confisco de seu carrinho pelas autoridades.
Fiquei completamente estarrecido quando soube que o irmão do Presidente, o senhor Cosme Jacinto Nyusi, está a posicionar-se como um dos homens fortes nos negócios do sector mineiro em Moçambique. Ele, em 2015, quando o senhor assumiu o cargo de Presidente da República, não tinha sequer um registo empresarial em seu nome.
No entanto, agora é um dos homens poderosos neste sector. Será que ele é mais competente que muitos moçambicanos ou teve este empurrão por ser irmão do Presidente?
Como é que o Presidente explica o facto de uma figura inexpressiva no mundo dos negócios, como era o seu irmão Cosme, só tenha passado a criar empresas e a adquirir participações empresariais no sector mineiro, a partir do momento em que o senhor ascendeu ao cargo de chefe de Estado?
Há que referir, outrossim, que o filho do Presidente, o Florindo Nyusi, também pegou o jeito. Em 2016 , ele registou a Flomining, SA, como sociedade anónima. A empresa obteve concessões numa área de cerca de 4000 hectares para a exploração de ouro nos distritos de Manica e Machipanda.
O mais caricato é que as concessões atribuídas à mineradora são exploradas por mineradores chineses. O que é que está, efectivamente, a acontecer? Florindo está a alugar licenças e concessões?
Isto chama tanta atenção porque no passado recente fê-lo quando a sua empresa, a Motil Moçambique, Lda, cedeu a titularidade de presenças e quotas de pesca a uma empresa chinesa denominada Nanjing Runyang Fishing Corporation.
Responde-me com sinceridade, Presidente: quem são os beneficiários últimos destas empresas?
Não é isto que exacerba os riscos de corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro?
Voltemos ao Bem Ali: é sobejamente conhecido o seu fim: fugiu do seu país. A justiça tunisina o condenou à revelia a 55 anos de prisão. Acabou morrendo no exilio na Arabia Saudita e lá foi sepultado longe da riqueza que acumulou em vida. E a sua família também não foi poupada.
Uma última pergunta: se o Presidente amanhã descesse do seu pedestal e fosse povo, acreditaria num governante- com tudo o que descrevi acima e que disse que está a combater a corrupção e quer o bem do povo, chamando-o de seu patrão?
DN – 21.10.2022