Por Edwin Hounnou
Todos os problemas que estiveram na origem da guerra civil ainda se mantêm vivos no dia-a-dia das pessoas. Há pequenos intervalos de tempo sem o troar dos canhões, mas de constantes ameaças. A paz não é apenas ausência da guerra. Quando as mentes estão disponíveis para odiar o outro, o discriminar ou o rejeitar pelo facto de pensar diferente, a paz se encontra ameaçada. Uma sociedade que exige o alinhamento político para se ter emprego numa repartição está pública ou numa empresa participada pelo estado, não tem futuro. Onde se exige cartão de partido para ganhar um concurso público, não há futuro nem esperança.
Ao professor, enfermeiro, chefe de localidade, do posto administrativo, administrador distrital exige-se que seja do partido no poder como condição sine qua non para ser funcionário do Estado. Os presidentes dos tribunais Supremo, Administrativo, Conselho Constitucional e o Procurador-Geral da República pertencem ao partido no poder. Não são livres nem independentes. O Estado de Direito Democrático não funcional de tal modo.
A guerra civil teve por base questões internas e não nos regimes da Rodésia do Sul e do Apartheid da África do Sul. Não se pretende menosprezar o papal que esses regimes desempenharam na nossa guerra civil mas a actuação do regime da Frelimo jogou um papel preponderante para que o país pegasse fogo. A limitação das liberdades de expressão, de movimento, de pensamento e a de escolher onde fixar a residência, de se filiar a um partido político ou não, ajudaram a incendiar a fogueira. Estas razões conduziram o país à guerra e não, essencialmente, os regimes da Rodésia do Sul 9Não colocamos de fora o facto do apoio que Moçambique deu aos movimentos de libertação da Rodésia e da África do Sul concorreu, logicamente, para agressões.
Continuamos com uma paz frágil que, a qualquer altura, se pode quebrar. As eleições constituem o momento mais difícil para a paz, por falta de transparência. A violência policial e dos demais órgãos eleitorais, dos tribunais incluídos, não permite que as eleições sejam um factor de tranquilidade e de paz. Vencer as eleições a qualquer custo concorre para que a seguir as eleições se passe à fase da violência porque fica claro que as eleições não foram justas nem transparentes. Quando a polícia transporta urnas das assembleias de voto para comités do partido Frelimo a fim de introduzirem votos que garantam a vitória, estamos perante uma farsa que só contribui para agravar os conflito sociais e guerras.
Em democracia, as eleições servem para o povo julgar os governantes, premiar os bons e mandar para casa os maus. Em regimes autoritários, as eleições servem para os "donos" do partido no poder e seu séquito se embrenharem casa vez mais no poder absoluto. Isso trama a nossa democracia, torna-a insignificante e sem muita importância social. As fraudes enfraqueces as instituições, por isso, as nossas eleições são sempre uma fonte de conflitos.
O silêncio definitivo das armas ainda é uma miragem. Há filhos que perderam os seus pais, mortos pelo facto de terem uma opinião diferente. Os restos mortais de todos os mártires nunca foram entregues às respetivas famílias. Como pode haver reconciliação se a vitória eleitoral é determina pela CNE e pelo STAE? As vitórias "retumbantes" são fabricadas pelos órgãos eleitorais e do voto deposita nas urnas. Centenas de famílias continuam esperando por uma explicação do que aconteceu aos seus parentes presos e dados como desaparecidos. OS falsos comunicados de que perigosos espiões fugiram da prisão, por isso, apela-se à vigilância popular, precisa de uma explicação quando chegar a verdade.
Os assassinos e ditadores têm o seu tempo de dizer a verdade. A hora da verdade, pode atrasar, mas vai chegar. Fazemos votos para que não desapareçam antes de nos contarem o que fizeram com os nossos parentes. Não se pode falar da paz nem da reconciliação sem desarmar as mentes. Não há paz e reconciliação regadas de sangue. As mãos ensanguentadas não constrõem a paz nem edificam a reconciliação.
Não há paz com esquadrões da morte a caçarem opositores do regime. A paz tem um preço que se chama tolerância e inclusão económica. A paz não é só produto de acordos entre duas pessoas ou dois partidos, mas, fundamentalmente, de cedência mútua e vontade genuína de fazer tudo diferente. A discriminação, exclusão, as fraudes eleitorais e a corrupção são determinantes para o subdesenvolvimento socioeconómico do nosso país. O nosso país não está reconciliado.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 26.10.2022