De(s)colonialidade é um conceito, que nos últimos tempos tem sido tão debatido e tão discutido. Eu diria para vocês que a de(s)colonialidade ou o pensamento de(s)colonial é um programa que tem um conjunto de categorias explicativas e de categorias analíticas, cuja a função é, fazer uma crítica ao modelo moderno colonial, ou seja, a modernidade e a colonialidade.
No então, ele não é apenas um programa ou modelo que se restringe a interpretação e a crítica, por isso, não é apenas um modelo teórico ou um programa que se restrinja a Academia, porque, esse programa implica, também em muitas possibilidades de intervenção do espaço e de acções práticas. Ou seja, pode ultrapassar teoria, deve ultrapassar teoria, pode ultrapassar Academia, deve ultrapassar Academia, mas sem prescindir certamente dessas categorias que orientam.
Lembrando, que falar em de(s)colonialidade só tem sentido se agente discutir o conceito anterior que é, o conceito de colonialidade. Esse conceito foi forjado a partir do momento que uma série de pensadores e de pensadoras na América-Latina começam a tentar entender o quê que transcendeu, o quê que permaneceu entre nós na América-Latina, África, mas também outros povos que foram colonizados de formas, de práticas, de discursos, de valores com o fim do colonialismo histórico.
Então, acho que o primeiro espanto que surge quando agente fala de colonialidade é, justamente dizer «agora nós não somos mais Colónia, nós não estamos mais no colonialismo, então, o que é que é necessariamente esta tarefa de(s)colonial ou até o que seria essa tarefa de(s)colonização».
O conceito de colonialidade, é um conceito que parte do seguinte pressuposto: o fim do colonialismo histórico, ou seja, o fim do colonialismo como Regime económico, como modo de organização da sociedade do ponto de vista económico, político-social não significa o fim das soluções colonias.
Também, não significa o fim das práticas coloniais, porque a partir do momento que você tem uma estrutura como esta montada e que organiza a sociedade duma dada maneira, você tem uma 'interferência' muito forte na organização do espaço, na composição da forma como o imaginário social desse povo é constituído, na organização da linguagem que tem implicação directa na forma como esse povo pensa, na forma como esse povo entende ou elabora os seus critérios estéticos [beleza/gosto], seus critérios morais, na forma como esse povo entende o que é verdade, o que não é verdade, não forma como esse povo se entende. Porquê, a partir do momento que você tem uma lógica como essa instaurada, a relação que você tem com a outra regula a própria relação que você tem consigo mesmo.
Então, a tese da colonialidade esse conceito que inclusive vai ser 'adjectivado' de muitas maneiras; colonialidade do poder, colonialidade do saber, colonialidade do ser, ela é uma tese que justamente insiste nesse ponto: «o fim formal do colonialismo não significa o fim do colonialismo como conteúdo» e o caso moçambicano é um caso exemplar; nós temos situações de escravatura, de trabalho escravocrata em algumas instancias sociais, o racismo continua sendo um dispositivo de regulação da desigualdade social em Moçambique, até hoje no século [XXI], isso é a marca do que foi Moçambique colonial, portanto agente percebe como que essas práticas ainda permanecem entre nós. .
A defesa de que, a colonialidade 'não desapareceu' exige uma intervenção teórico/prática e aí justamente que surge os pensadores de[s]coloniais. Vale uma ressalva, que esse nome engloba pensadores e pensadoras de matrizes muito diferente; essas pessoas que fazem parte do que, chamamos hoje de pensamento de(s)colonial elas não pensam a mesma coisa sobre o mundo, ela vem de influências muito distintas, muitas vezes elas são do campo epistemológico muito diferente, mas elas têm sempre um ponto em comum. Elas buscam nas suas teorias e nas suas práticas uma 'crítica contundente' e uma 'intervenção prática contundente' contra o sistema mundo Capitalista, colonial, patriarcal, moderno. Então, agente encontra esse ponto em comum e isso engloba pensadores que inclusive antes não eram chamados de(s)colonias e hoje são.
O último ponto, que eu quero ressaltar é o seguinte: tem uma implicação da colonialidade especificamente na maneira como agente produz conhecimento, que é algo que acabou tomando a Academia nos últimos anos de maneira bastante forte e, tem crescido muito nos últimos tempos que é a luta não apenas contra o racismo como eu já disse, que é sem dúvidas o maior problema que agente no mundo, mas também contra o que agente chama de 'racismo epistémico', um conceito que vai sendo forjado dentro de correntes que se denominam como epistemologias do sul, mas que muitas outras correntes também começaram a capturar. Ou seja, a usar essa expressão para 'enunciar' e 'denunciar' uma predominância de um tipo de pensamento criado no geral por homens brancos europeus que acabam dominando os currículos dentro da Academia de países que foram colonizados praticamente em todas as áreas do saber excluindo, exterminando ou não possibilitando que outras vozes possam contribuir para produção do conhecimento.
De facto, isso é algo extremamente grave e eu diria para você[s], que a pesar da gravidade ética que naturalmente já está implícita em toda essa discussão de você promover o verdadeiro 'epistemicídio’, você não permitir que outros povos falem, que tenham vozes, que se pronuncie a respeito das suas realidades ou até da própria realidade como um todo. Ao longo do tempo agente foi percebendo que a luta contra esse 'racismo epistémico’, vai muito além da questão ética; ela tem a ver com uma discussão epistemológica seríssima, porque a predominância de um pensamento único, a predominância de um pensamento exclusivamente masculino branco europeu dentro da Academia, para buscar o que é a verdade independente, ou seja, além da questão ética que é muito grave ela implica na produção dum pensamento profundamente parcial e a realidade não tem como ser compreendida a partir dum ângulo só.
Logo, é totalmente contraproducente e vai contra inclusive as próprias teses dessas próprias teorias, que nos ensinam 'insistentemente' que a realidade é síntese de múltiplas determinações, numa contradição absurda agente sabe que precisa de muitas perspectivas para conseguir compreender a realidade, para conseguir intervir na realidade, mas acaba dando 'predominância' para uma perspectiva e, excluindo à possibilidade de soluções, de experiências, de vivências de outros povos.
Nesse momento em especial em que agente vive, me parece agente tem visto limite de escutar apenas algumas vozes para apresentar as soluções para os nossos problemas. Essa corrente se é que eu posso chamar assim ou esse programa ela tem uma potência muito interessante; cada vez mais pensadores e pensadoras de diversas áreas não apenas das ciências humanas , mas também das ciências naturais, enfim… da matemática , das ciências exactas têm se aproximado cada vez mais desses pensadores, dessas pensadoras para rever/reverter uma série de teses de verdades, que foram construídas ao longo de tempo e que nos 'impede' de conseguir fazer minimamente uma compreensão do mundo e 'intervir' para construção duma sociedade melhor.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, [27] de Novembro, 20[22]