ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
A questão em torno da existência de Deus, mexe com a cabeça de muita gente e é também um problema clássico na história da filosofia. Afinal, a gente pode ou não provar a existência de Deus? De facto, não é nem um pouco inocente e nem um pouco simples é uma questão já clássica na filosofia, na história da filosofia desde o Platão, Aristóteles, sobretudo até contemporaneidade agente tem vários pensadores que se debruçaram sobre essa questão.
Hoje, eu vou pegar dois pontos de vista ou melhor uma selecção, são vários argumentos tanto a favor, quanto contra a existência de Deus e eu separei dois argumentos que… eu acho que são clássicos, mais clássicos ainda são justamente conhecidos que é o argumento do primeiro-motor que está presente em Aristóteles, em Tomás de Aquino e também à refutação dele feita por Immanuel Kant.
Portanto, eu vou tentar mostrar quais os principais argumentos que nós na filosofia temos como prova da existência de Deus, o principal argumento a favor da existência de Deus, e também o seu principal contra-argumento.
Para vocês terem noção de como esse problema mexe com a cabeça de muita gente, como ele tem um lugar essencial na filosofia eu já faço uma indicação do livro, «Deus: dez Provas da Existência de Deus», de Plínio Junqueira Smith, ele também tem um outro livro, bem interessante que é, «Deu: dez provas da Inexistência de Deus». E o livro consiste simplesmente em reunir as provas clássicas da existência de Deus, ele vai mostrando os trechos dos textos originais. Ele começa em Aristóteles, por Cíceros, Sexto Empírico, por Agostinho, por Santo Anselmo, Tomás de Aquino, Descartes, por Malebranche, Bertrand e Hume.
Então, basicamente, deste livro eu extrai um argumento que é para mim pelo menos, o mais usado e, o que mais “convence” as pessoas que é, o argumento do primeiro motor-imóvel. Mas, que argumento é esse? O argumento do primeiro-motor imóvel que é o argumento a favor da existência de Deus, como já disse, ele está presente um pouco em Aristóteles, mas, mais numa das vias proposta por Tomás de Aquino.
Para quem não sabe Tomás de Aquino, prepara cinco provas para provar que Deus existe, as famosas cinco vias tomísticas para existência de Deus e, uma delas é essa do primeiro-motor, que traduzindo é o seguinte: peguemos aqui a noção de causa e efeito. Por exemplo, eu sou filho do meu país, que é filho do meu avô e, aí você tem uma relação de causa e efeito uma relação identitária antiguíssima.
Então, agente puxa essa relação de causa e efeito até o começo dos tempos, por exemplo, o Joaquim é filho do pai dele, que é filho do avô dele vai até homo sapiens, vai aos dinossauros, os primeiros hominídeos, e até ao big bang e, é aí que surge a primeira grande questão. O quê que deu origem a isso tudo? Se, agente for pegando uma causa da outra, agente pode ir sim eternamente, mas tanto para Aristóteles, como para Tomás de Aquino é necessário o primeiro-motor imóvel.
Quer dizer, no começo de tudo para esses dois pensadores, tanto para Aristóteles, quanto para Tomás é preciso que, algo não seja criado e que dê iniciou a todo o movimento da causalidade, porque se não for assim se essa primeira causa que causa tudo se… não for uma causa incausada eu sempre vou perguntar o quê é que vem um antes disso.
Para Aristóteles e Tomás de Aquino é preciso uma causa incausada, ou seja, uma causa que não tenha sido criada por nada para dar iniciou a esse todo, o movimento de evolução, todo esse momento da natureza e essa causa obviamente, Aristóteles chama de primeiro-motor imóvel.
Porquê que é o primeiro-motor? Porque ele é a primeira coisa que dá movimento; porquê ele é imóvel? Porque ele não se mexe, ele não tem causa nenhuma, ele não é causado por nada e…obviamente Tomás de Aquino, vai chamar esse primeiro-motor imóvel de Deus.
Portanto, Deus é a causa incausada de todos os movimentos, causa incausada, porquê ele causa todo o movimento, mas ele não é causado por nada; ele não é criado por nada, não foi criado por nada, porquê ele é eterno. É um argumento até hoje muito utilizado, por vários teólogos, por várias pessoas que tenta provar a existência de Deus.
Mas…há um filósofo chamado Immanuel Kant, em seu livro «Crítica da Razão Pura», ele crítica esse argumento, sobretudo no último capítulo que faz uma crítica bastante pontual a esse argumento. Enfim…o que Kant diz e eu acho aqui interessante prestar atenção, porque muita gente pode não sacar o contra-argumento.
Para Kant, realmente a ideia de causa e efeito ele existe na natureza; todo o movimento tem uma causa, o problema é que, agente não pode provar a existência de nada a partir disso. Em outras palavras, agente pode fazer essa dedução voltando, até big bang, por exemplo, mas… o que há ante do big bang? Bom… agente não sabe!
O que Kant, nomeia é que, você parar isso e dizer que há um primeiro motor imóvel, que esse primeiro-motor, essa causa incausada ela existe, você estaria fazendo algo que ele chamou de 'salto ontológico'. O quê é que seria 'salto ontológico'? Você estaria saindo duma dedução lógica, você estaria saindo da lógica para provar algo na experiência. Isso para o Kant é impossível.
Ou seja, para Kant, o juízo existencial, um juízo sobre a existência das coisas ele só pode ser feito tendo com base a experiência. Por exemplo, eu só posso provar que esta ou aquela água está gelada se eu beber, se eu usar da experiência. Quer dizer, eu não posso ficar deduzindo por meio da lógica[raciocínio] se esta água está ou não gelada!
Logo, para tentar explicar um pouquinho melhor, para Kant o grande erro desse tipo de argumento tal como alguns semelhantes como o de Santo Anselmo, também o de Descarte, seria usar a lógica para provar e existência de algo. Para Kant, a única coisa que pode provar a existência é experiência; logo a lógica, a dedução por si só
não prova a existência de nada! Pode sim indicar algo, pode se deduzir algo, mas… provar não prova.
E é isso que ele chama 'salto ontológico’; um salto da lógica para o ser por isso, que é ontológico e é aí que está a falha, embora seja argumento que “convença” muita gente estaria aí seu erro, seu principal erro. E de facto, é muito interessante a nossa forma de pensar, toda vez que, agente fala de provar algo agente deduz a experiência, quando agente vira para um amigo, para um colega e dizer: «olha…prove esse sorvete»; agente nunca está pedindo para ele ficar fechando os olhos e deduzir a prova desse sorvete; agente pede para ele experienciar. Quando agente diz, prova esse sorvete, prova essa roupa, agente está falando para vestir, para usar, para usar da experiência.
Talvez, o português nos ajude com isso; a língua portuguesa como quando associa prova a experiência, saborear de alguma forma. Por isso, experienciar envolve experiência, provar, destarte como agente prova um café, um sorvete envolve experiência e esse seriam um grande erro para Kant.
Vale lembrar, que Kant na «Critica da Razão Pura», ele estabelece os princípios do conhecimento possível, ou seja, Kant tenta formular uma pergunta, responder uma pergunta que é, como é que o conhecimento é possível e ele vai tentar estabelecer os limites do conhecimento possível e, é algo que marcou e até hoje marca o pensamento moderno, o pensamento científico e influencia até hoje bastante do pensamento contemporâneo.
Mas…enfim, é óbvio que a resposta de Kant, embora eu ache muito válida ela é, só um dos capítulos, tem gente que vai questionar a resposta de Kant, tem gente que vai aceitar e… tem gente que vai ir para um terceiro caminho que é, um terceiro caminho que eu acho realmente bastante saudável.
Repare, muita gente “busca “provar a existência de Deus, para dizer, tentar justificar a crença religiosa de alguma forma, eu particularmente sou adepto da seguinte visão, que é um pouco da visão Wiittegeinsteiniano e E. James, que quem faz isso, quem tenta provar algo sobretudo os religiosos que tentam provar a existência de Deus, se essa prova for por motivos religiosos está sendo completamente 'contraproducente' porquê se, a base da religião é a fé e a fé todo o mundo nasceu/cresceu sabendo que a base da fé é esse acreditar sem ver, então porquê você precisa de prova?! A partir do momento que você prova está fazendo ciência.
Portanto, ciência precisa de provas e evidências em certo aspecto até, a filosofia precisa de provas quando ele tenta falar da experiência, falar da vida prática. Agora, religião a meu juízo, não precisa de provas porquê de facto, isso ferre a sua base e… mais quando essa prova diz respeito àquilo que é o principal da religião que é a existência duma divindade, então a meu juízo, esse é o grande problema. A meu juízo, quem defende com unhas e dentes que essa prova de existência de facto é válida, que essa ou qualquer prova é válida falta ali para essas pessoas que defende é, um pouquinho mais de fé.
E é obvio, que essas provas são muito interessantes ou essas tentativas de provas, mas elas são interessantes do ponto de vista filosófico para ver como a
intelectualidade humana pode 'elaborar' belíssimos argumentos como é o argumento do primeiro-motor ou como é o argumento ontológico de Santo Anselmo, que quem não conhece vale apena dar uma olhada, mas…não para isso. E, se você pensa em responder essa questão filosoficamente para justificar sua religião, a meu juízo, você está indo para um caminho errado.
E…enfim… esse é um dos temas, tem a filosofia da religião, a lógica que é o contra-argumento de Kant é um argumento lógico e também epistemológico que diz respeito ao conhecimento to. Mas, há vários outros temas de religião por exemplo, se a religião pode ser racionalizada ou não, se a crença de Deus, a crença em Deus apesar de não termos provas da existência ela pode ser justificada moralmente.
Inclusive é o próprio Kant, em outro livro chamado «Critica da Razão Prática», que vai esboçar essa ideia de justiçar Deus como argumento moral não como argumento lógico e existem várias outras questões como por exemplo, a relação fé e razão, mas… este já está de bom tamanho para vocês perceberem a dimensão da encrenca que a filosofia faz com ideias que às vezes são bastante quotidianas e nossas.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, aos [25] de Dezembro 20[22]