Economista Camilo Lourenço concorda com inclusão de Moçambique na lista da União Europeia de países de alto risco no combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Diz que Maputo "não fez o suficiente".
A Comissão Europeia (UE) incluiu Moçambique na lista de jurisdições de países terceiros considerados de alto risco devido a deficiências estratégicas nos seus regimes de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
O economista Camilo Lourenço português, que cresceu em Moçambique, considera que é uma decisão "legítima" na medida em que Moçambique fez "muito pouco" para clarificar a sua situação no combate ao branqueamento de capitais.
A lista da UE tem em conta informações fornecidas pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI).
DW África: Que implicações tem a inclusão de Moçambique nesta "lista negra" da União Europeia?
Camilo Lourenço (CL): São decisões muito complicadas, por duas razões: Primeiro, porque é algo que dificulta as operações internacionais dos bancos moçambicanos e dos bancos estrangeiros que operam com Moçambique. Em segundo lugar, porque ao colocar Moçambique com este estatuto, isto vai prejudicar as empresas e os negócios.
DW África: Portanto, as instituições europeias e outras entidades passarão a ser obrigadas a aplicar uma maior diligência nas transações com entidades financeiras moçambicanas?
CL: Exatamente. E a verdade é que, nos últimos anos, Moçambique já tinha sido alertado para este problema e não fez o suficiente. Não vou dizer que não fez nada, porque não seria justo, mas não fez o suficiente para afastar as suspeitas.
DW África: Mas, Camilo Lourenço, conhecendo razoavelmente bem o setor financeiro moçambicano e o seu quadro regulatório, acha que esta medida da Comissão Europeia é atempada e legítima?
CL: É uma medida legítima, porque Moçambique foi avisado. Nos últimos anos, houve muitas operações complicadas, pouco esclarecidas e pouco claras, que o país foi instado a tentar resolver, e não o fez com o grau que a Comissão Europeia exigia. São conhecidos os financiamentos internacionais que foram parar a bancos moçambicanos, que não se conseguiu provar que tivessem a melhor aplicação - e alguns casos, que não foram clarificados, envolvem figuras do regime. São pessoas muito bem colocadas na estrutura política e isso causava dificuldades internas, [mas] a falta de clarificação destas situações acabou por culminar nesta decisão da União Europeia.
DW África: A "lista negra" inclui outros países africanos, como o Burkina Faso, Mali, Marrocos, República Democrática do Congo, Sudão do Sul, Senegal, Tanzânia e Uganda. Porque não outros países? Não se estará aqui com dois pesos e duas medidas?
CL: Não, eu julgo que não. Só o facto de pronunciarmos estes nomes destes países já dá para perceber [o problema]. As autoridades moçambicanas sabiam muito bem em que companhia iriam ficar [na "lista negra"] se a União Europeia tomasse esta decisão. Agora, poderá haver mais países? Pode. Mas a verdade é que [estão nesta lista] precisamente porque não foram capazes de clarificar as operações pouco claras em que estão envolvidos, nomeadamente branqueamento de capitais e muito mais. Isso não quer dizer que não se resolva. Agora, é mau, porque, quando se vai parar a estas listas, toda a comunidade internacional olha para os países em causa e diz que não pode fazer certos negócios com aquele país, pois corre um risco muito grande de ser associada à lavagem de dinheiro.
DW África: Há vozes críticas que dizem que isto terá sido uma decisão política por parte da União Europeia, porque Moçambique depende muito das dádivas financeiras para o seu Orçamento do Estado. Concorda?
CL: Não. Acho que não é isso. Eu conheço muito bem Moçambique e, quando lá vou, digo muitas vezes que devia servir de vergonha não conseguir ter verbas suficientes para financiar o seu Orçamento de Estado e ter de depender das dádivas estrangeiras. Eu digo isto muitas vezes. Não há mal que o país, a certa altura, caia nessa situação, mas é mau quando não desenvolve políticas suficientes ou adequadas para poder escapar a esta situação.
DW África: A União Europeia é uma instância com legitimidade para apontar o dedo a países como Moçambique, uma vez que a União Europeia também tem países com quadros regulatórios deficientes: Malta, Chipre, Holanda, Portugal, a própria Alemanha é criticada por lavar dinheiro da 'Ndrangheta e Camorra. Portanto, a União Europeia tem essa legitimidade?
CL: Não se deve confundir as coisas. Uma coisa são espaços na União Europeia onde existem determinados regimes fiscais mais favoráveis, como o que acontece com Portugal ou Luxemburgo e Liechtenstein, por exemplo. Outra coisa completamente diferente é estar envolvido em operações financeiras internacionais cuja natureza se aproxima do crime.
Portanto, quando a Comissão Europeia toma uma decisão destas tem a legitimidade para a tomar por uma razão muito simples: se a Comissão Europeia se dirige a Portugal e diz que é preciso corrigir um certo aspeto do regime fiscal da Madeira, isso é corrigido. Todas estas solicitações foram feitas aos países [na "lista negra], entre os quais Moçambique, mas [não foram corrigidas], pelo menos em grau suficiente. Por isso foi sido tomada essa decisão.
DW – 21.12.2022