Por Gilberto Correia
Quando o Presidente Filipe Jacinto Nyusi disse no seu discurso de tomada de posse a emblemática frase "o povo é o meu patrão", ao contrário de muitos eufóricos, afirmei aqui que o sentido dessa frase seria quase impossível de respeitar e que colocaria o seu autor, muitas vezes, em embaraços e contradições constitucionais.
Uma delas é sem dúvidas o modelo seguido para prestar contas ao Povo, no qual o Parlamento (que em termos democráticos representa o Povo) é votado a um papel passivo, indigno e humilhante. Seja, o Presidente vai ler um documento sobre o Estado da Nação dentro da "Casa do Povo" e quando termina vai-se embora sem poder ser questionado pelos parlamentares, nem sequer para pedir esclarecimento sobre o conteúdo do documento.
Pergunta-se: porque precisa o Presidente de ler esse discurso no Parlamento? Se é um monólogo - sem direito a debate parlamentar - porque não o lê na Presidência da República como fazia com as intervenções sobre a COVID 19?
E resposta parece-me única: aparentar uma prestação democrática de contas, perante um Parlamento silenciado e indignamente silencioso.
Alguns virão com sofismas dizer que esse habitual monólogo parlamentar é feito pelo Chefe de Estado, por isso, nessa qualidade não presta contas ao Parlamento.
Esse sofisma tem 2 fragilidades claras: (i) Mais uma razão para tal documento não ser lido no Parlamento e, sobretudo, (ii) ocorre que O PR, na qualidade de Chefe do Governo, também nunca vai ao Parlamento debater.
Quando o Governo presta contas ao Parlamento, o Chefe nunca vai. A Delegação é sempre chefiada pelo Primeiro-Ministro que não é Chefe do Governo e nem sequer é um órgão de soberania.
Sintetizando: O Chefe de Estado vai ao Parlamento ler o Informe, transformando a Assembleia da República (que era suposto ser um órgão de soberania) numa plateia muda de 250 cidadãos. Ao lado, o Chefe do Governo, abstém-se de o fazer deixando o Parlamento debater com membros do Governo, sem a sua presença.
Constitucional e historicamente, o Parlamento é o órgão democrático por excelência da representação popular. Dito de forma mais simples, deve ser verdadeiramente a Casa do Povo. Mas, a prestação de contas ao Povo, através do Parlamento, é considerada uma tarefa menor, acometida constante e reiteradamente a subordinados, sem a presença do Chefe do Governo.
Ir ao Parlamento para em estilo de monólogo ler um discurso, não é democrático, e parece-me, quanto muito, um simulacro de democracia.
Sinto-me perplexo ao ver o papel menor, e consentido, a que se prestam os nossos Deputados, em ambas ocasiões: aquando do Informe, quando aceitam passar por meros figurantes e nas sessões perguntas e respostas ao Governo, quando lhes é passado um atestado de menoridade democrática por debaterem com um órgão cujo Chefe nunca comparece.
Porém, existe um ditado muito sábio que reza "nunca reclames daquilo que você permite". No fundo, é A Assembleia da República que consente nesse tratamento subalterno e funcionalmente pouco digno; claro desde que se mantenham os elevados salários, as honras e as regalias - em detrimento da sua independência e em prejuízo da sua respeitabilidade democrática.
Apenas um pequeno pormenor final: quando se subalterniza o Parlamento,acho que subalterniza-se igualmente o Povo que este representa. Logo, não vale à pena apregoar paradoxalmente que o Povo é o Patrão e, seguidamente, recusar-se a debater com os representantes deste.
(Post feito em resposta à pergunta do Facebook: Gilberto, no que você está pensando?).