ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Nos últimos anos em Moçambique, especialmente a partir do resgate da ideia de 'autoestima', voltou a ser tema de debate o colonialismo cultural, isto é, a dominância de certos conceitos, categorias, problemas de pesquisa e autores do mundo capitalista desenvolvido, dos países centrais especialmente a Europa e os Estados Unidos [EU] que permeia a produção teórica e formulação política do país e do Continente.
De maneira geral, essa crítica ao colonialismo cultural, vem sendo muito bem feita, mas com alguns dois equívocos centrais. Primeiro equívoco, tende a considerar que tudo que é moçambicano ou africano é necessariamente melhor do que é produzido na Europa ou EU o que é falso, evidentemente e tende a considerar que o problema de colonialismo cultural é um problema essencialmente de opção de leitura e de currículo na Universidade. Ou seja, agente só vai combater o colonialismo cultural reformando currículos dos Cursos de graduação nas Universidades e tomando a opção individual de ler mais autores moçambicano, africanos e afroamericanos, do que, autores europeus. Essa ideia, também não está muto correta.
Segunda coisa a se falar é que, o colonialismo cultural em um país dependente, subdesenvolvido como Moçambique é algo estrutural; como assim! Moçambique foi uma Colonia por [500] anos, foi Colonia de Portugal, depois da independência de Moçambique, na brilhante comunicação de N’goenha, no «Simpósio dos 25 anos da reintrodução da filosofia em Moçambique»: “nós deixamos de ser um país colonial e passamos a ser um país subdesenvolvido”.
O que é que significa isso? Na prática o papel subalterno de Moçambique na divisão internacional do trabalho, na economia mundial capitalista não se alterou; continuamos a ser um país subalterno, mas agora essa subalternidade mudou de configuração histórico-economia, até porque a situação colonial, a situação independente, embora tenha semelhanças não são a mesma coisa.
Enquanto país independente, isso significa que, Moçambique do ponto de vista social, económico, político, militar, cultural e intelectual é um país dominado pelas potências imperialistas, que tem uma participação fundamental na organização do conjunto da vida social no país. No cinema, na música, no mercado editorial, no mundo académico, na opinião pública, de maneira geral, existe um peso gigantesco de aparelhos privados de hegemonia, que organizam debates de tal forma que é necessário ocultar a dependência, o subdesenvolvimento, a dominação imperialista e se importe conceitos, teorias, autores, problemas de pesquisa oriundos do centro do capitalismo.
Isso significa dizer, que o colonialismo cultural não é um simples erro teórico ou metodológico de pessoas que não estudaram o suficiente para fugir do eurocentrismo, ele corresponde a interesses de classe muito concretos, ele responde à dominação dos monopólios estrangeiros na economia, na sociedade moçambicana de tal forma que, não existe colonialismo cultural, porque a maioria da intelectualidade é eurocêntrica. A lógica é ao contrário, a maioria da intelectualidade é eurocêntrica existe colonialismo cultural em Moçambique, porque somos um país dependente, “subdesenvolvido” e que as relações de exploração aqui capitalistas estão entrelaçadas com a dominação dos monopólios estrangeiros, a dominação do imperialismo e esse colonialismo cultural é, fundamental para manter essa dominação de classe.
Como diria muito bem António Cipriano Gonçalves, as classes dominantes em Moçambique, elas são classes dominantes, dominadas, ou seja, elas são parte fundamental do esquema de poder que domina o conjunto dos trabalhadores e as camadas médias, mas ao mesmo tempo são dominadas pelo imperialismo. Ou seja, são classes dominantes, mas subalternas no bloco e no poder, como se existisse uma espécie de hierarquia numa na dominação, a classe dominante domina os trabalhadores, mas ao mesmo tempo ela é dominada pelo imperialismo, isso faz com que ela seja parte fundamental da dominação de classe em Moçambique, alienação da realidade nacional e até na África.
Um exemplo, muito claro de colonialismo cultural é o debate sobre imperialismo. Nos anos [90] a categoria imperialismo foi quase que 'banida' do debate público e do debate académico; os intelectuais e outros[políticos] no seu campo de influência, falavam da democracia, do mundo multipolar, relações internacionais, instituições internacionais… e aí, de repente se 'redescobre' o imperialismo quando a invasão do Iraque em 20[03] com participação fundamental dos EU. A partir de 20[03] até àqueles que negavam o conceito de imperialismo dizendo que ele era ultrapassado tiveram que admitir, que sim existe e que não dá para entender a invasão do Iraque para assumir controlo dos poços de petróleo sem falar de imperialismo.
Então, ficou muito claro na própria realidade política moçambicana, que esses conceitos europeus que falam de biopolítica, Estado de excepção, capital cultural, não tratam do conceito de imperialismo como central, não se adequam para explicar a realidade moçambicana e africana, contudo isso não significa evidentemente que todo intelectual africano é melhor do que um intelectual europeu ou norte-americano, porque é produzido em Moçambique ou em outro Continente, que vai ser mais próxima da nossa realidade. Eu não estou a defende isso.
Um pequeno exemplo para ilustrar, o português Boaventura de Sousa Santos, fala muto mais da nossa realidade é muito mais indicado para entender a realidade moçambicana/africana do que, alguns intelectuais moçambicanos. [In]felizmente, há muito mais intelectuais moçambicanos/africanos eurocêntricos do que, o português Boaventura de Sousa Santos. Boaventura, na sua produção intelectual ele sabe que existe imperialismo, ele sabe que existe colonialismo e ele 'procura produzir' intelectualmente pensando, a partir da realidade dos povos periféricos dos chamados «condenados da terra» como dizia Frantz Fanon. Já alguns intelectuais acreditam em democracia, em republicanismo, em capitalismo, em relações internacionais e consideram que coisas como imperialismo são teoria da conspiração. Boaventura, é infinitamente mais útil nesse sentido.
Só que, criticar o imperialismo cultural não significa cair numa espécie de epistemologias do Sul ou nacionalismo metodológico; significa fazer a pergunta fundamental. Em quê esse autor, essa obra ou esse conceito ajuda genuinamente a compreender a particularidade da formação social moçambicana, da constituição do nosso povo e do desenvolvimento do capitalismo em Moçambique e em África.
Sobre essa pergunta é que nós temos que assimilar todo tipo de conhecimento disponível, mas assimilar esse conhecimento não por moda, não porque é sucesso na Inglaterra, nos EU, na Alemanha, em Portugal. Assimilar, porque esse conhecimento, essa teoria, esse conceito ela dá resposta concreta a um problema que está posto na luta de classes moçambicana. Já no Moçambique actual a postura é justamente o contrário, se algum autor faz sucesso por exemplo no Brasil, logo uma série de intelectuais e organizações políticas vão atrás desse autor e procuram fazer a pergunta; como encaixar esse autor de sucesso na realidade moçambicana.
Por exemplo, não importa se L.Z, fez muito sucesso, mas a sua obra não ajuda absolutamente em nada a 'desvendar' os grandes dilemas do desenvolvimento, do subdesenvolvimento do capitalismo em africa e em Moçambique, não importa se Michael Foucault é um pensador de muito sucesso na Europa, a sua obra não contribui de maneira fundamental para fazer a crítica do poder e da dominação burguesa na África e em Moçambique.
Mais uma vez, cabe aos intelectuais moçambicanos resgatar esse esforço de constituir um pensamento critico moçambicano e africano, esse esforço que já foi empreendido isso não é uma novidade. Então, esse esforço de tentar formular um pensamento nacional, um pensamento africano crítico que consiga 'compreender’ nossos desafios, nossas particularidades combatendo o colonialismo cultural, e essa ideia de estar sempre importando tudo na Europa tem longa história é minoritária está defensiva, mas tem que ser resgatado e fortalecido cada vez mais.
Como disse, o colonialismo cultural é um elemento estrutural do capitalismo independente da dominação imperialista sobre Moçambique e África, não e algo que vai ser combatido, a partir de um simples movimento de ideias, uma espécie de batalha de ideias onde vamos mostrar que o pensamento africano é melhor que pensamento europeizado. Não se trata disso! Se trata isso sim… de combater as relações dependentes e “subdesenvolvidas”, combater a dominação imperialista, colocar a questão nacional como um centro duma agenda revolucionária.
Mas, a questão nacional, o nacionalismo não na perspectiva burguesa. Nacionalismo popular, anti-burguês e revolucionário. Porquê? Como já mostraram vários expoentes do pensamento crítico moçambicano [N’goenha, Mazula, Castiano, Ferreira…], na periferia do capitalismo as burguesias, as elites nacionais não têm projecto nacional de desenvolvimento e de soberania; elas são 'aliadas', 'subservientes' da dominação do imperialismo euro-americano.
Então, sorte que combater o colonialismo cultural , significa na periferia do capitalismo muito mais do que, um movimento meramente no campo da cultura , um movimento radical , de luta popular, de combate ao capitalismo dependente onde acturemos em duas frentes no conjunto da lutas sociais orientadas para um problema radical crítico e africano, e do campo de vista cultural e intelectual para usar a nossa produção e reflexões críticas e originais que consigam captar os dilemas fundamentais da África, isso sem qualquer tipo de 'sectarismo teórico' , sem deixar de perceber importância fundamental que vários autores da Europa, dos EU, do Japão e de outros centros de capitalismo podem dar para nossa cultura.
Eu repito, eu não sou investigador, sou um descobridor quase que fanoniano. A obra de Frantz Fanon, é o elemento fundamental do meu pensamento isso porquê eu compreendo que Frantz Fanon, ajuda e muito a compreender os dilemas dos povos na periferia do capitalismo e como Frantz Fanon, existem tantos outros.
O fulcro da questão, repetindo é fazer a pergunta: em quê esse pensador ou essa teoria ajuda genuinamente a compreender a particularidade da realidade do meu país e do meu Continente.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, aos [04] de Dezembro 20[22]