Por Lawe Laweki
Escrever ou interpretar a história de maneira enganosa e deixar de reconhecer os erros e abusos do passado é um convite à recorrência da violência. As gerações presentes e futuras devem conhecer e compreender as dolorosas fases da nossa história, evitando assim que os problemas do passado se repitam no futuro. É uma grande ilusão pensar que a verdade pode ser escondida para sempre.
Durante a luta armada do povo moçambicano pela independência nacional, os combatentes da luta de libertação nacional desperdiçaram muitas energias lutando entre si em vez de lutar contra o regime colonial português. Quando Moçambique alcançou a independência em 1975, esperava-se que o povo moçambicano vivesse em paz. Não foi, no entanto, o que aconteceu. Um ano após a independência, o país foi assolado por uma sangrenta guerra fratricida que durou 16 anos, semeando luto e dor.
Decorrido quase meio século após a independência, a vida do martirizado povo moçambicano tem sido caracterizada por sofrimento, miséria e guerras fratricidas, tudo devido à má governação do governo da Frelimo e à sua recusa e intransigência em reconhecer a reconciliação como elemento fundamental na construção de uma paz justa e duradoura.
A ORIGEM DOS CONFLITOS HISTÓRICOS NO MOVIMENTO DA FRELIMO
No seu discurso na Chattam House, em Londres, na Inglaterra, em 7 de Março de 1968, o Presidente Eduardo Mondlane disse que as pessoas frequentemente perguntam de que lado ele e o seu movimento estão – se são pró-ocidentais ou pró-comunistas. Segundo ele, a sua resposta sempre foi que ele e o seu movimento são “pró-moçambicanos”.
A sua esposa, a Sra. Dona Janet Mondlane, concorre. Numa entrevista à “Guerra de Joaquim Furtado” da RTP, a Sra. Dona Janet Mondlane disse que o seu marido acreditava que as pessoas eram mais importantes do que as ideologias. Segundo ela, a primeira prioridade do seu marido, acima de ideologia, era de educar e consciencializar os moçambicanos:
“A ideia de Eduardo (era) de que as ideologias não eram de sustentar nenhuma população. É preciso, em primeiro lugar, educar a população. Esse é (objectivo) número 1. Segundo, a partir de educação, (a população) vai ter todos outros benefícios da Independência [...]. Ele era muito pragmático. Talvez foi uma das contradições com as pessoas mais ideólogas na FRELIMO, como Marcelino dos Santos.”
Torna-se assim evidente que a interpretação do governo da FRELIMO de que os conflitos históricos no seio do movimento eram ideológicos não surgiu durante a liderança do Presidente Mondlane, mas sim, durante a liderança de Samora-Marcelino dos Santos.
Após a independência, durante o 3º. Congresso da FRELIMO em Maputo em 1977, a liderança de Samora-Marcelino dos Santos interpretou a origem dos conflitos na FRELIMO como sendo de base ideológica: um conflito entre “revolucionários” e “contrarevolucionários”. Que se saiba aqui que esta interpretação é totalmente falsa e melhor vista como destinada a enganar o povo moçambicano. Vejamos: Quase todos os militantes da FRELIMO identificados como “contrarevolucionários” eram do Centro e Norte de Moçambique. É preciso entender que é praticamente impossível dividir ideologicamente os militantes com base em suas regiões de origem.
Assim que arrebatou o poder na FRELIMO em 1969, depois do assassinato do Presidente Mondlane, a liderança de Samora-Marcelino dos Santos embarcou numa extensa expurgação de elementos que eram basicamente “Nortenhos”, conforme bem observou Miguel Murupa que foi vice-secretário de Relações Externas do movimento da FRELIMO:
“Quem conseguiu escapar, escapou. Mas muitos foram assassinados. Eram sempre do Norte [...] este tipo de coisas, até a FRELIMO chegar a ser só como partido da gente do Sul”.
A fim de remover qualquer tentativa de oposição, a liderança de Samora-Marcelino dos Santos recorreu a uma série de medidas, incluindo detenções e execuções sumárias de seus oponentes, com vista a incutir medo. Assim, a frase proferida por Pierre Vergniaud, ("A Revolução é como Saturno; devora os seus próprios filhos"), a propósito do terror Jacobino na França bem como em referência aos revolucionários que eram mortos pelas revoluções que ajudaram a criar, tornou-se célebre.
PERANTE INJUSTIÇAS E DESMANDOS, SURGEM LÍDERES CARISMÁTICOS QUE AJUDAM A RESOLVER AS DIFICULDADES EXISTENTES.
A história mundial demonstra que o direito dos povos de se fazerem ouvir diante da injustiça nunca pode ser extinto. Sempre chega um momento em que as pessoas se cansam de serem pisoteadas e líderes carismáticos tendem a surgir para ajudar a resolver as dificuldades existentes.
Durante as lideranças do Presidente Eduardo Mondlane e do grupo Samora-Marcelino dos Santos, surgiram nacionalistas que questionaram o mau andamento da Revolução Moçambicana: O Padre Mateus Gwenjere, Uria Simango e Lázaro Nkavandame incutiram um espírito mais humano à Revolução Moçambicana que os seus nomes se tornam indeléveis.
Muitos moçambicanos não sabem que foi o Padre Mateus Gwenjere que forçou a liderança do Presidente Mondlane a realizar o 2º. Congresso. Durante o curto período (16 meses - de Setembro de 1967 a Dezembro de 1968) que militou na FRELIMO em Dar-es-Salaam, Tanzânia, o Padre Gwenjere obrigou o Presidente Mondlane a realizar reformas em tudo que questionava. Refira-se que nenhum outro nacionalista moçambicano conseguiu fazer isso. Quem tentasse desafiar o Presidente Mondlane era expulso da Tanzânia pelo governo daquele país.
Uria Simango, no seu documento intitulado “The Gloomy Situation in FRELIMO” (“A Situação Sombria na FRELIMO”), entregue ao Governo da Tanzânia e ao Comitê de Libertação da OUA, desmascarou a liderança de Samora-Marcelino Santos, acusando-a de fomentar “sectarismo, tribalismo e regionalismo”; de realizar reuniões privadas e tomar decisões em nome do Comitê Central; e de ser responsável pela morte de “muitos camaradas”.
Enquanto isso, o grupo Nkavandame-Gwenjere boicotou o 2º. Congresso realizado na Província do Niassa considerando-o de uma farsa. Este grupo não reconheceu os resultados deste Congresso e se recusou a cumprir as suas resoluções. Como se não bastasse, o Governo da Tanzânia, que apoiava este grupo (Nkavandame-Gwenjere), obrigou o Presidente Eduardo Mondlane a deslocar-se a Mtwara para se reunir com o grupo. Ao mesmo tempo, o grupo Nkavandame-Gwenjere ordenou que “os assassinatos deliberados e a sangue-frio” parassem na Província de Cabo Delgado.
Note-se que, tal como aconteceu com o aparecimento do Padre Gwenjere, Uria Simango e Lázaro Nkavandame antes da independência, para intervir em nome dos militantes da Revolução Moçambicana, os excessos do governo de Samora-Marcelino dos Santos após a independência, levaram subsequentemente ao surgimento de outros líderes carismáticos, nomeadamente André Matsangaíssa e Afonso Dhlakama, que, sob a égide da RENAMO, ousaram desafiar o governo marxista da FRELIMO, pondo-o fim e reduzindo assim o sofrimento do povo moçambicano.
O TEMPO VAI COLOCAR TUDO EM SEU LUGAR
Contrariamente à vontade do governo da FRELIMO de apelidar o Padre Mateus Gwenjere, Uria Simango e Lazaro Nkavandame de contrarrevolucionários e inimigos da Revolução Moçambicana, um dia, esses e muitos outros nacionalistas que a FRELIMO matou, em circunstâncias que até à data não foram oficialmente esclarecidas, serão, sem dúvida, lembrados como heróis e mártires revolucionários.
Somos seres temporários neste mundo - desde as pessoas mais importantes até as menos importantes. Mais cedo ou mais tarde, o grande juiz chamado “tempo” dará razão para quem a tem. A verdade prevalecerá.
O dicionário define herói como alguém que se destaca ou que se entrega; que muitas vezes coloca a sua própria vida em grande risco para o bem dos outros; uma pessoa que, na opinião dos outros, é considerada modelo ou ideal por suas realizações; uma pessoa que é admirada por ações excepcionais. Muitos dos que reivindicam heroísmo neste país não se encaixam na definição de um herói.
Que fique registado: Chegará um dia em que alguns desses chamados heróis de hoje serão considerados os vilões de amanhã e muitos dos chamados vilões de hoje serão considerados heróis.
NB: Pode ler este e outros artigos relacionados no https://umpadrevolucionario.com
As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.