Supremo britânico começou a analisar argumentos sobre se caso das "dívidas ocultas" de Moçambique deve ser resolvido no Reino Unido ou por arbitragem na Suíça. Em causa está suspensão de processos contra a Privinvest.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique, que representa o Estado no processo para tentar anular parte das dívidas, recorreu para a mais alta instância judicial no país contra uma decisão desfavorável do Tribunal de Recurso no ano passado.
Naquela decisão, o coletivo de juízes decidiu por unanimidade que, ao contrário das garantias soberanas dadas para contrair os empréstimos aos bancos Credit Suisse e VTB, que são reguladas pela lei britânica, os contratos com empresas do grupo naval Privinvest estão sujeitos a arbitragem na Suíça.
Esta questão é potencialmente importante porque, caso se confirme, os procedimentos judiciais no Reino Unido contra a Privinvest, que é acusada de corrupção de funcionários públicos e políticos moçambicanos, podem ser suspensos.
Mesmo assim, o advogado que representa Moçambique, Nathan Pillow, reconheceu que a decisão do Tribunal Supremo (equivalente ao Tribunal Constitucional) ainda vai depender do julgamento no Tribunal Comercial de Londres sobre o mesmo caso, previsto para começar em outubro.
"De certa forma, a questão que vossas excelências [os juízes] vão decidir poderá potencialmente tornar-se académica se se verificar que a República nunca fez parte dos contratos de arbitragem", explicou.
O advogado da Privinvest, Duncan Matthews, também concordou que o impacto da decisão do Supremo "é relativamente limitado porque, de um ponto de vista prático, o meu cliente terá que abordar todas as alegações (...) no outono".
O Tribunal Supremo do Reino Unido agendou dois dias de audiências, hoje e quarta-feira, devendo a sentença só ser conhecida dentro de alguns meses.
Julgamento principal a 3 de outubro
Entretanto, o Tribunal Comercial, que faz parte do Tribunal Superior de Londres, tem programado para começar em 3 de outubro o julgamento principal sobre a validade das dívidas.
Na origem está uma ação judicial contra o Credit Suisse e a Prinvinvest iniciada pela PGR em nome da República de Moçambique para tentar cancelar parte dos mais de 2.700 milhões de dólares (2.600 milhões de euros) de dívida contraída junto de bancos internacionais, entre 2013 e 2014 por empresas públicas para comprar barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), liderado então pelo Presidente Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo, o que levou à denominação de "Dívidas Ocultas".
Entretanto, o banco russo VTB também lançou uma ação judicial no mesmo tribunal para recuperar as prestações que Moçambique deixou de pagar por um dos empréstimos.
No processo estão nomeados vários altos funcionários públicos e figuras de Estado, como Guebuza, o antigo ministro das Finanças Manuel Chang e o atual chefe de Estado Filipe Nyusi.
Num processo judicial relativo ao mesmo caso que foi concluído em dezembro em Maputo, 11 dos 19 arguidos foram condenados a prisão (10 a 12 anos), e três deles terão de pagar uma indemnização ao Estado equivalente a 2,6 mil milhões de euros.
Os três visados são Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, e dois ex-dirigentes dos serviços secretos, Gregório Leão e António Carlos do Rosário (ex-diretor-geral e antigo líder da 'inteligência' económica, respetivamente), que receberam uma pena de 12 anos de prisão cada um.
DW – 25.01.2023