O ex-Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, acusou o seu partido de o tentar calar. Analistas interpretam declarações do antigo chefe do Estado como "revolta" contra o seu sucessor, Filipe Nyusi.
Armando Guebuza voltou a fazer manchete nos jornais moçambicanos. Especula-se se o ex-chefe de Estado – que cumpriu dois mandatos, de 2005 a 2015 – estará a pensar em regressar à Presidência da República.
Aunício da Silva, jornalista baseado na cidade de Nampula, norte do país, aponta que essa discussão coincide com o cada vez maior descontentamento dos cidadãos devido ao aumento do custo de vida, algo que supostamente não acontecia no tempo de Armando Guebuza.
"Cada líder, cada governante, tem os seus seguidores e, sempre que ele deixa de estar numa posição de relevo, deixa saudades", diz Aunício da Silva numa referência ao aparente apoio popular crescente a Armando Guebuza.
"Todo o mundo sabe que, na altura da [governação] do Presidente Guebuza, havia muito dinheiro a circular pelo país. Foi uma altura em que muitos investimentos estavam na fase de projeto e implementação e movimentavam muito dinheiro."
O Governo de Nyusi tem também enfrentado vários percalços. Sobretudo nos últimos meses, houve muitas críticas à implementação da Tabela Salarial Única (TSU).
Guebuza poderá voltar a candidatar-se à Presidência?
Aunício da Silva acredita que, mesmo no interior do partido no Governo, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), "há muitas vozes discordantes com a atual liderança [de Filipe Nyusi]".
"Se calhar, essas vozes poderão se juntar ao Presidente Guebuza para alicerçar essa ideia, que tem vindo a ensaiar-se, para que retome à Presidência", refere.
Yaqub Sibindy, presidente do Partido Independente de Moçambique (PIMO), concorda que o regresso de Armando Guebuza à corrida presidencial é uma possibilidade que não deve ser descartada – e não como independente, mas como candidato da própria FRELIMO.
"Eu penso que Guebuza não aceitará ser hóspede na casa que ele próprio construiu. Quererá manter-se e concorrer como candidato da FRELIMO e, como na FRELIMO há democracia e existe concurso interno entre eles, ele vai fazer essa mobilização interna dos membros da FRELIMO, para poder impor a sua vitória – ou dele ou do seu candidato."
Armando Guebuza não se pronunciou até agora sobre o assunto. Mas tem mandado muitos recados à FRELIMO. Avisou os "camaradas" que não vão conseguir calá-lo e relacionou a morte da filha Valentina Guebuza – assassinada a tiro pelo marido em 2016 – ao caso das "dívidas ocultas".
Guebuza "revoltado" contra o sucessor
O discurso de afronta de Guebuza não parou por aí. Acusou também a Justiça moçambicana de não explicar de forma "aceitável" os motivos da prisão do seu primogénito, Ndambi Guebuza, que cumpre uma pena de 12 anos de prisão no âmbito do processo das "dívidas ocultas".
Para o jornalista Aunício da Silva, as declarações de Armando Guebuza revelam um sentimento de revolta com o seu sucessor, Filipe Nyusi, por não ter conseguido proteger da Justiça figuras próximas do antigo Presidente, incluindo o filho Ndambi Guebuza e o ex-conselheiro Renato Matusse.
"Está claro que, com a detenção, julgamento e condenação de um dos maiores e melhores conselheiros que já teve, com a condenação da sua secretária particular e de vários quadros da inteligência com quem o Presidente trabalhou, há uma certa revolta. A perspetiva é que o seu sucessor está a persegui-lo", comenta. "Está a perseguir as suas gentes, mas nem por isso poderá calar-se ou render-se."
Guebuza luta contra aqueles que o tentam afastar da arena política e internacional, acrescenta o líder do PIMO, Yaqub Sibindy, que antevê um clima turbulento no seio do partido dos "camaradas".
"O que existe neste momento é um stress que vai colocar o presidente do partido no poder preocupado com o fim do seu mandato. Porque tudo dita que, se ele terminar o mandato, quem eleger um candidato pró-Guebuza, também vai querer ajustar contas com Nyusi, tal como está a acontecer neste momento com Guebuza, que está na reforma" conclui Sibindy.
DW – 26.01.2023