O tempo de José Sócrates como primeiro-ministro de Portugal (2005 a 2011) coincidiu com a maior parte dos mandatos de Lula da Silva, que foi Presidente do Brasil entre 2003 a 2011. Os dois ficaram amigos e os seus processos judiciais ainda os aproximaram mais. Sócrates não se cansa de repetir que o seu caso é uma cópia do de Lula, apesar de não existir qualquer semelhança entre os processos. Mas Lula parece acreditar na versão de Sócrates.
Chefes de Estado, embaixadores, representantes de organismos internacionais, juízes, congressistas, senadores, governadores, amigos do Presidente… e José Sócrates. A posse de Lula da Silva para um terceiro mandato presidencial é um dos acontecimentos políticos do ano, sobretudo porque fecha um ciclo em que um possível golpe constitucional – não reconhecimento de resultados – ou mesmo militar pairou sobre a democracia brasileira.
Jair Bolsonaro ensaiou uma repetição da partitura de Donald Trump, mas acabou por reconhecer o resultado e nunca apelar a uma revolta dos seus apoiantes, apesar da extrema ambiguidade dos seus discursos. Na sexta-feira embarcou num avião para Miami e instalou-se numa moradia de um ex-lutador de MMA brasileiro, onde ficará por um mês. Bolsonaro falta, assim, à posse do seu sucessor, repetindo o gesto de Trump, que faltou à posse de Biden.
Na longa lista de convidados, um dos nomes que causou maior espanto foi o de José Sócrates. Apesar da longa convivência - sete anos em comum no poder – da amizade e da proximidade política (Lula prefaciou e apresentou o livro A Confiança do Mundo, de Sócrates -, o político português não tem qualquer cargo institucional, continua arguido na Operação Marquês e está obrigado a apresentar-se regularmente num posto da GNR na Ericeira, só podendo sair de Portugal por períodos curtos.
As longas idas ao Brasil, onde frequenta um programa de doutoramento numa Universidade de São Paulo, foram, aliás, a razão que levaram a juíza Margarida Alves a obrigar José Sócrates a apresentar-se regularmente à GNR. Nas ausências anteriores, José Sócrates terá violado, aos olhos da juíza, os princípios do Termo de Identidade e Residência a que estava sujeito, por não ter comunicado as saídas às autoridades.
Desta vez, Sócrates só estará fora cinco dias. Partiu na quinta-feira e regressará na terça dia 3 de janeiro a Portugal. A sua próxima apresentação à GNR está marcada para dia 8 de janeiro. A sua presença na posse de Lula – seguindo um convite expresso do protocolo de estado brasileiro - é a confirmação de que o Presidente brasileiro nunca deixará cair o seu amigo José Sócrates e que cauciona a ideia de que os dois foram vítimas de processos judiciais com motivações políticas.
As semelhanças entre o processo Lava Jato e a Operação Marquês são inexistentes, exceto no facto de terem como arguidos um ex-Presidente e um ex-primeiro-ministro. No resto, são casos muito diferentes. Mesmo as enormes discussões jurídicas que originaram são muito diferentes. A acusação a Lula sempre foi muito frágil e acabou por ser anulada em instâncias superiores; a de Sócrates tem fragilidades no tema da corrupção mas é extremamente sólida, graças aos fluxos financeiros, no que diz espeito a branqueamento e potencial fraude fiscal.
Apesar destas diferenças, José Sócrates sempre se colou ao processo de Lula, tentando ser o seu espelho lusitano. Em Portugal poucos acreditam nesta versão, mas no Brasil, em particular nos círculos políticos do PT e do seu líder, a ideia é mais do que aceite. Assim, e devido à sua experiência política, José Sócrates manteve-se sempre muito próximo do PT e acompanhou todo o regresso de Lula. Hoje, no meio de 65 delegações estrangeiras, lá está José Sócrates. Não integra a delegação portuguesa – encabeçada por Marcelo Rebelo de Sousa e João gomes Cravinho – mas é um dos convidados de honra do novo Presidente brasileiro.