O Programa Alimentar Mundial interrompeu a ajuda a cerca de um milhão de deslocados de terrorismo no norte de Moçambique. Ativistas em Cabo Delgado anteveem dias difíceis para quem depende deste apoio para sobreviver.
O ativista cívico Aly Caetano não se surpreende com a suspensão do apoio do Programa Alimentar Mundial (PAM) aos deslocados de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Diz que era expectável que, com o arrastamento da crise humanitária, as agências envolvidas acabariam por ficar sem capacidade para continuar a fornecer ajuda.
"Era de se esperar", afirma, "por causa da questão, por exemplo, da Covid-19, da crise na Ucrânia e vários outros problemas que vamos tendo no contexto internacional, que fazem com que os principais parceiros e doadores parem de financiar algumas dessas iniciativas e programas", justifica o ativista.
Falta financiamento ao PAM
O PAM já tinha alertado em novembro passado que a falta de financiamento poderia levar à suspensão da assistência básica em fevereiro. A organização diz que precisa de 102,5 milhões de dólares para prestar assistência alimentar aos deslocados dos ataques terroristas nos próximos seis meses.
Os ativistas cívicos temem que o caso do Programa Alimentar Mundial seja apenas o começo e várias outras agências envolvidas na mitigação da crise humanitária resultante do extremismo violento possam seguir o exemplo, por esgotamento das capacidades.
Com a interrupção da ajuda do Programa Alimentar Mundial aos deslocados internos, durante o mês de fevereiro, Anchinha Abdul, que coordena a Associação Kwendeleya, em Pemba, antevê consequências bastante graves. O aumento da prostituição é uma hipótese.
"Só para ver, alguns estão a sair dos centros de deslocados e estão a vir para a cidade à procura de melhores condições para a sua vida e para os seus filhos", diz a ativista.
Aly Caetano concorda que poderá haver um aumento da prostituição. E mesmo que o apoio do PAM retome em março, a situação das vítimas do terrorismo e das famílias acolhedoras "vai cada vez mais deteriorar-se", afirma o ativista
"Penso que a situação vai ficar um pouco caótica", alerta Caetano, acrescentando que poderá haver também outras consequências. "Pode começar a haver conflitos internos entre deslocados e [as famílias de acolhimento], por não existir capacidade de garantir a alimentação para todos", vaticina.
Mas é preciso pensar em soluções para fazer face ao esgotamento das capacidades das organizações humanitárias, considera Aly Caetano, que apela às autoridades moçambicanas para investir nos meios de autossuficiência dos deslocados internos.
Garantir segurança para o regresso à casa
"Acredito que tenha havido esforços para garantir que isso acontecesse, mas, se não houve, agora é o momento oportuno para fortificar essas ações – garantir que os deslocados e as famílias acolhedoras abram negócios, os pescadores voltem à pesca, as pessoas ligadas à agricultura voltem a praticar a atividade e os jovens comecem a ganhar habilidades para garantir o seu próprio rendimento", sugere.
Segundo a ativista Anchinha Abdul, será também fundamental reforçar a segurança nas zonas afetadas para que os deslocados voltem às suas terras. Aí poderão reiniciar as suas atividades, interrompidas pelo conflito.
"É sabido que, de uma ou de outra forma, o PAM iria parar e vai parar", lembra. "As pessoas têm de voltar para as suas zonas", conclui a coordenadora da Associação Kwendeleya.
DW – 02.02.2023