"COMO ESCAPEI DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DA FRELIMO DE RUARUA EM CABO DELGADO," FANUEL GIDEON MAHLUZA CONTOU A SUA SAGA
O homem que era o prisioneiro do campo de concentração da Frelimo de Ruarua em Cabo Delgado com milhares doutros re-educandos, e que num abrir e fechar de olhos ele próprio se tornou terrorista por força de circunstância maior para sobreviver, era curto, rotundo e forte e chamava-se Fanuel Gideon Mahluza. Foi um dos nossos históricos e um homem muito corajoso. Quando cheguei à Tanzânia no fim do ano de 1967, o homem que tinha sido um dos fundadores da Frelimo e cuja sugestão em Acra, Gana, em 1962 para o nome de Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) foi aceite para a coligação de três partidos Udenamo, Manu e Unami, que se integravam para formar a Frelimo, já não estava na Tanzânia. Tinha sido um membro da Udenamo que tinha sido vítima das manobras do grupo de Mondlane e que com Paulo Gumane e outros partiram para Lusaka, Zâmbia, onde formaram o Comitê Revolucionário de Moçambique, Coremo, no qual ele veio a exercer as funções de chefe da defesa.
Já era nos fins dos anos de 1970 que ouvi falar dele pela primeira vez da Rádio Maputo que disse que um contrarrevolucionário e ex-agente da PIDE de nome Fanuel Malhuza tinha sido detectado e detido em Maputo e que seria re-educado. Traduzi o artigo, esqueci da notícia, e a BBC para a qual trabalhava como tradutor circulou a informação pelo mundo fora.
Nos princípios dos anos 1980 um rapaz de nome Fernando Carlota Tschungah, agora falecido, surprendeu-me uma tarde por dizer que ele se tinha encontrado com Fanuel Mahluza que tinha chegado em Nairobi depois de fugir dum campo de concentração da Frelimo no norte de Moçambique. Não liguei importância visto que não o conhecia e mesmo receava que tivesse sido reconvertido em frelimista e armadilhado em agente para raptar alguns de nós exilados moçambicanos como a Frelimo tinha feito com o malogrado Padre Mateus Pinho Gwenjere que ela veio depois a assassinar, seja na Tanzânia ou seja no norte Moçambique.
Não levou muito tempo antes de me encontrar com ele e em pouco tempo apercebi-me que se tratava dum escapulido do notório campo de concentração de Ruarua em Cabo Delgado onde um número incontável de prisioneiros tinham sido mortos pela Frelimo e onde a Frelimo ainda continuava a matar moçambicanos. Naquele mesmo encontro, contou-me a história da sua fuga.
"Monsieur," disse me por me considerar francófono depois de lhe dizer que eu falava francês também. Ele sempre via me como um francófono do que um lusófono. "Não sei como contar esta historia," disse Mahluza abanando a cabeça. "Numa manhã fui destacado para ir buscar água para os chefes do campo com um outro homem com um guarda armado duma AK-47 que marchava atrás de nós com a sua arma apontada às nossas nucas. Depois de encher os baldes, era tempo para regressarmos ao campo. O guarda descuidou-se e pôs a sua arma no ombro e pôs se a marchar em frente de nós. Pensei que o tempo tinha chegado para eu escapulir antes deles me matarem visto que em Ruarua se matava prisioneiros todos os dias. Deixei o balde em baixo antes de assaltar o homem e lhe arrancar a sua arma.
"Movi a segurança para a posição de fogo e coloquei a arma na sua nuca com o meu dedo no gatilho e disse ao homem: 'tu és agora o nosso prisioneiro. Agora vais obedecer às minhas ordens e vais marchar em frente de nós para esta direcção.' Malhuza indicou com o seu dedo para a direção da Tanzânia que ele conhecia bem. "O homem estremeceu e obedeceu à minha ordem visto que sabia que lhe daria tiros se não me obedecesse. Andamos pela mata até à noite quando ao rugir de leões e uivar de hienas lhe disse que ele estava livre e que podia regressar ao campo. Se regressou ou não, se foi comido por leões ou outras feras ou não, não sei. Isso já não era comigo. Depois dele desaparecer na escuridão, eu e o meu colega marchamos em sentido contrário."
"No dia seguinte, tive a boa sorte de ver o cagaço dum elefante e tomei um pouco daquilo e embrulhei numa folha e meti no meu bolso. Se um fugitivo faz isto, é uma segurança mágica de que os seus perseguidores nunca o apanharão."
Estive muito alegre em aprender uma lição das nossas crenças tribais como mais tarde vim aprender uma outra lição magica dum moran (guerreiro) da tribo masai em Nairobi de nome Samora. Quando lhe perguntei se ele se chamava Samora por admirar o líder de Moçambique, o masai não fazia ideia de que havia um tal líder com o nome como dele. "Samora é nome bem masai," disse me. Os masais da Tanzânia e do Quénia são os mais destemidos guerreiros da Africa. "Se te deparas com um leão," disse-me Samora, "deves apanhar um pouco da terra ou areia em baixo de ti ou perto de ti para lançares na direcção da fera que logo perde toda a sua energia e força para te atacar e podes mesmo o matar à faca ou a pedradas ou pauladas sem ele reagir e te fazer qualquer mal. Nós os masais não temos medo de leões, os leões tem medo de nós, os masais."
Agradeci ao moran Samora e aos meus antepassados por terem trazido o moran ao meu encontro e assegurei-me que aplicaria o ensinamento se me deparasse com leões, embora não esperava que isto iria acontecer. "Mas na vida tudo é possível," disse-me a mim mesmo.
"Depois de atravessar o Rovuma," continuou Mahluza," fomos a uma esquadra da polícia para explicarmos o nosso problema para ver se nos davam alguma comida para comer e água para beber. O policial que guarnecia a esquadra simpatizou connosco e deu-nos alguma coisa para comer e água para beber e também um lugar na esquadra onde dormirmos. Pouco tempo passou quando um emissário da Frelimo chegou a procura de nós. Eu e o meu companheiro fugimos dali antes que os tanzanianos nos devolvessem para uma morte certa.
"Em Dar Es Salaam fomos presos e metidos na cadeia acusados de sermos forasteiros que tínhamos entrado na Tanzânia ilegalmente. Fomos julgados e disseram-nos que iriam nos enviar a Moçambique. Eu disse: porque nos enviar a Moçambique? Somos do Malawi e perdemos a nossa direcção quando entramos na Tanzânia. Sou da tribo sena do sul do Malawi. Se trouxessem alguém que falasse o sena, eu conversaria com ele em sena." O malogrado Mahluza era changane, mais conhecia bem o sena.
Mahluza conseguiu fugir da prisão em Dar Es Salaam e não o companheiro dele. Se o companheiro dele foi enviado para Malawi ou para Moçambique, ele já não sabia dizer.
Depois da sua chegada, foi ajudado por outros exilados como eu antes dele se ir registar como refugiado na representação do Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas em Nairobi a quem contou a sua historia e a historia da sua fuga para o Quénia. O que reconto aqui é um resumo duma história mais longa.
PS: Recorde aqui uma entrevista à TVM de Fanuel Mahuza