(Fernando Gil mantem um site de assuntos ligados a Moçambique)
Estudioso luso-moçambicano diz que hoje só descendentes de Gonzaga em Moçambique conhecem a importância do ascendente ilustre
Patrícia Rosseto
O poeta Tomás António Gonzaga morreu no exílio na Ilha de Moçambique, antiga capital das possessões portuguesas na África Oriental, entre os dias 24 de janeiro e 1o de fevereiro de 1810, deixando uma filha e um filho de seu casamento com Juliana de Sousa Mascarenhas, nascida em Moçambique. O filho morreu solteiro ainda jovem, mas a filha Ana casou-se em segunda núpcias com Adolfo João Pinto Magalhães, que haveria de se tornar um dos maiores traficantes negreiros da Ilha de Moçambique no começo do século XVIII.
Alguns de seus descendentes ainda moram na Ilha de Moçambique, ao Norte, embora muitos tenham mudado para a antiga Lourenço Marques, hoje Maputo, capital da República Moçambicana, ao Sul. O estudioso Fernando Gil, que nasceu na Ilha de Moçambique e hoje mora na Costa da Caparica, perto de Lisboa, conheceu vários tetranetos de Gonzaga, que hoje se orgulham do ascendente distante e ilustre. Quase todos são descendentes de macuas, uma das nações majoritárias da Ilha de Moçambique e no continente fronteiro.
Um dos "retornados" que deixaram Moçambique depois da independência em 1975, Fernando Gil, que já voltou à Ilha por razões sentimentais, conhece a importância de Gonzaga no país e para a Literatura Portuguesa. Responsável pelo site www.macua.org, que trata de assuntos ligados à História e à atualidade de Moçambique, Fernando Gil concedeu de Portugal, por e-mail, a seguinte entrevista para o Primeira Impressão:
Primeira Impressão - Qual o papel de Gonzaga na história de Moçambique?
Fernando Gil — Antes de mais nada, há que esclarecer o que se entende por "história de Moçambique". Existe hoje a que se considera "história oficial", escrita e baseada no atual "partido" e antes "movimento de libertação", a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Depois, há a história dos "colonizadores", que é parte da História de Portugal, esquecida, deturpada e que a atual governação de Moçambique quer fazer esquecer, como se Moçambique só passasse a existir depois da independência. Ora, Moçambique, como o Brasil, só existe como realidade geográfica, porque foi construída por Portugal. Só que no Brasil, como em Macau, preservou-se a presença portuguesa. O passado não foi renegado ou destruído. Aliás, é quase motivo de culto.
PI - Qual a importância de Gonzaga para a sociedade, cultura e história de Moçambique?
Gil — Quanto ao seu papel, como o de muitos portugueses, reconhecidos ou anónimos, Gonzaga não tem hoje qualquer significado em Moçambique. É esta a dura realidade. Aliás, não fora a obra do professor Adelto Gonçalves, Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999) nem os seus descendentes conheceriam a sua real história. Foi de admiração quando lhes fiz chegar o livro Gonzaga, um Poeta do Iluminismo. E, claro, de orgulho.
PI - 0 que existe de acessível em Moçambique sobre Gonzaga?
Gil — Infelizmente, nada.
PI - Gonzaga, na sua opinião, é um herói brasileiro?
Gil — Não sei se Gonzaga pode ser considerado um herói. Os heróis, por norma, aparecem nas guerras, nas batalhas. Mas, se assim for considerado, não será herói brasileiro, mas lusófono, cidadão dessa "pátria imensa", a do seu tempo.
PI - Qual legado ele deixou para sua família?
Gil — Atendendo ao que antes disse, o legado que os atuais descendentes de Gonzaga receberam pode considerar-se nulo.
PI - Como vive a família de Gonzaga em Moçambique atualmente?
Gil — Atualmente, os descendentes de Gonzaga vivem em Moçambique e em Portugal, para onde muitos viemos após a independência. Mas isso é outra história. Em relação aos que ficaram em Moçambique, já sem o sobrenome Gonzaga, são pessoas de cultura média/alta que residem na Ilha de Moçambique e em Maputo.
Pl - Alguém da família deu continuidade ao papel que Gonzaga teve em Moçambique?
Gil — Que eu saiba, não.
PI - Gonzaga foi mais cidadão do Brasil ou de Moçambique?
Gil — Como já antes me referi, Brasil, Moçambique, Angola e demais territórios eram parte desse "Portugal imenso" daquela época. E para quem viveu em mais que um destes lugares, será difícil definir, se foi mais brasileiro ou moçambicano. Até porque não havia então o conceito de cidadão moçambicano ou brasileiro. Apenas portugueses. Mas, a esta dúvida ainda persiste em pleno século XXI: eu próprio e milhares que conheço, apesar de possuirmos um cartão de identidade de cidadão português, ainda não sabemos se, no íntimo, somos portugueses ou moçambicanos. Mas o inverso, não nas gerações mais novas, também acontece com muitos que possuem cartão de identidade moçambicano.
SERVIÇO:
Para mais informações sobre o trabalho desenvolvido por Fernando Gil, pode-se acessar
Moçambique para todos (blogs.com)
In Jornal Primeira Impressão – Junho de 2010 - Brasil
PS: Veja também Moçambique para todos: GONZAGA CONTINUA NO EXÍLIO AFRICANO (blogs.com)