ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Era uma manhã de sol quente e céu azul quando um 'humilde caixão' contendo um corpo sem vida foi baixado a sepultura. De quem se trata!... Quase ninguém sabe. Muita gente acompanhando féretro? Não…apenas umas poucas pessoas‚ ninguém chora, ninguém sentirá falta dela, ninguém para dizer adeus ou até breve!
Logo, depois que, o corpo desocupou o quarto singelo do asilo‚ onde aquela mulher havia passado boa parte da sua vida, a moça responsável pela limpeza encontrou em uma gaveta ao lado da cama algumas anotações. Eram anotações sobre a dor, sobre a dor que alguém sentiu por ter sido 'abandonada' pela família num lar para idosos, talvez o sofrimento fosse muito maior, mas as palavras só permitem extravasar uma parte desse sentimento escrito em algumas frases.
«Onde andarão os meus filhos!?...Aquelas crianças que dantes embalei no meu colo, alimentei com meu leite, cuidei com… tanto desvelo. Onde estarão!... Estarão tão ocupadas, talvez que não possam-me visitar ao menos para dizer… oláaa…mamãe. Háaa… se eles soubessem como é triste sentir a dor do 'abandono' a mais deprimente solidão. Se… ao menos eu pudesse andar, mas… dependo das mãos generosas dessas moças, que me, levam todos os dias para tomar o banho do sol no jardim; jardim que já conheço como a palma da minha mão.
Os anos passam e… os meus filhos não entram por aquela porta de braços abertos para me envolver com carinho; os dias passam e…com eles a esperança se vai. No começo a esperança me alimentava ou eu a alimentava, não sei. Mas…agora como esquecer que foi esquecida? Como engolir esse nó que teima em ficar em minha garganta dia após dia, todas as lágrimas que chorei não foram suficientes para desfazer.
Eu sinto que…o crepúsculo dessa existência se aproxima; eu queria saber dos meus filhos, dos meus netos. Será…que ao menos se lembram de mim!... A esperança agora está atrelada aos minutos que a arrastam sem misericórdia para longe de mim. Ás vezes em meus sonhos, eu vejo um lindo jardim é, um jardim diferente que 'transcende' os muros deste abrigo e… se abre em caminhos floridos que levam a outra realidade onde braços afectuosos me esperam com amor e alegria, mas… quando eu acordo é a minha realidade que eu vejo, que eu vivo, que eu sinto.
Um dia alguém disse, que a vida não se acaba num túmulo escuro e… silencioso e esse alguém voltou para provar isso, mesmo depois de ter sido crucificado e sepultado e essa é a única esperança que me resta. Eu sinto que, a minha hora está chegando, depois que eu partir, eu gostara que alguém encontrasse essas minhas anotações e as divulgasse e… que elas pudessem tocar os corações dos filhos que internam os seus pais em asilos e já mais os visitam que eles possam saber um pouco sobre a dor de alguém que senti o que é ser abandonado».
À data, assinalada ao final da última anotação era a data em que, aquela mãe esquecida [e] só partiu para outra realidade, talvez, tenha seguido para aquele jardim dos seus sonhos onde jovens afectuosos e gentis a conduzem pelos caminhos floridos como filhos dedicados, diferentes daqueles que um dia lhes embalou nos braços enquanto estava na terra.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, aos [14] de Marco 20[23]