Por Edwin Hounnou
Celso Correia, Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, disse, em Roma, quando recebido pelo Director Geral da FAO (Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) Qu Quiongy, que 90 porcento da população moçambicana tem três refeições por dia. Esta afirmação é, de todo, tão infundada quanto falsa e contraria todas as conclusões de estudos do governo moçambicano e de outros feitos por organizações internacionais. Uma declaração desse teor só poderia ser feita por um mentiroso ou extraterrestre que vive fora dos problemas por que o povo passa e jamais por alguém que vive entre nós.
A declaração de Celso Correia deixou meio mundo constrangido, incluindo vários sectores do seu partido não gostaram dessa brincadeira que, em surdina, manifestam o seu desagrado. Esperamos ver a seriedade do Presidente da República, Filipe Nyusi, se continua a aceitar conviver com gente assim com os pés no ar e mafiosa. Que nos demonstre que não compactua com mentirosos e falsários, afastando-os para bem longe do seu executivo. Se nada disso acontecer, poderemos concluir de que o que Celso Correia disse é algo concertado com o seu chefe com vista a ludibriar o povo.
Vários estudos feitos sobre a problemática alimentar dos moçambicanos contrariam a afirmação de Celso Correia. Em Moçambique, ainda se morre de fome e todos esperávamos que Celso Correia prestasse essa informação, em primeiro lugar, aos moçambicanos e, só depois, aos outros. O Programa Mundial de Alimentação refere que 80 porcento dos moçambicanos não consegue ter uma dieta alimentar adequada e 42 porcento das crianças menores de cinco anos estão desnutridas.
De igual modo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, publicado em 2021, concluiu que 70 porcento da população moçambicana vive em situação de vulnerabilidade, isto é, mais de 22 milhões de pessoa, das quais 63 porcento vivem abaixo da linha de pobreza.
Os dados das Nações Unidas condizem com as estatísticas do Estado moçambicano e os resultados do Inquérito sobre os Agregados Familiares (IOF), do Instituto Nacional de Estatística (INE), realizado em 2019/20, mostra que, nas zonas rurais, onde vive a maioria da população, 60 porcento de gastos de agregados familiares é com produtos alimentares e bebidas não alcoólicas. Dito de outro modo, a maioria das famílias moçambicanas dedica cerca de 60 porcento do seu trabalho para conseguir alimentos.
No que diz respeito às Despesas do Consumo Final das Famílias, os dados do IOF de 2019/20, revelam que os os Agregados Familiares, em Moçambique, tiveram, em média, um gasto mensal de 8.108,00 meticais, o equivalente a 1.695,00 meticais por pessoa. Esse valor equivale a cerca de 56.5 meticais diários por pessoa. É tão óbvio que com esse valor é impossível ter três refeições por dia, um valor muito abaixo do calculado da linha da pobreza que é de cerca de 100 meticais. Daqui se pode concluir que Celso Correia mentiu, seja intencionalmente ou não, mas mentiu com todos os dentes que tem na boca. Voltamos a perguntar se Celso Correia mente ou é um mau aprendiz da arte da mentira que não olha a meios para atingir seus fins.
A situação de terrorismo que se vive em Cabo Delgado e com repercussões negativas que se fazem sentir nas províncias do Niassa e Nampula e das recorrentes calamidades agravam, cada via mais, a insegurança alimentar no nosso país. Neste momento em que estamos a escrever este artigo, cerca de um milhão de moçambicanos nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula estão em situação de insegurança alimentar, segundo relata o Programa Mundial de Alimentação. Onde vivem os 90 porcento da população moçambicana que tem três refeições por dia? Nós não conseguimos vislumbrá-los nem conseguimos encontrar o seu endereço. Apenas Celso Correia sabe onde se encontram os tais 90 porcento de moçambicanos que vive assim tão bem. Todos os os dados indicam que não existe. Celso Correia deve ter confundido uma determinada classe social com a população moçambicana.
Sabemos que há moçambicanos que comem bem e têm à sua disposição as três refeições. O Presidente da República, os ministros, vice-ministros, os membros dos i órgãos de soberania, os deputados da Assembleia da República, governadores provinciais, os secretários de estado nas províncias, administradores, membros seniores do partido no poder têm, seguramente, três refeições por dia. A população moçambicana, em geral, não tem três refeições por dia. Nada está garantido.
VISÃO ABERTA - 14.03.2023